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Oscar Ribeiro de Godoy

 

VIAGEM A CAVALO

 Viagem a cavalo.

Antes da construção da Estrada de Ferro Campos do Jordão (EFCJ), o acesso a esta região, desde tempos remotos, era feito a cavalo ou, em caso de doentes, em liteiras ou bangüês, nomes dados a uma espécie de padiola. Bangüê era o nome da liteira utilizada pelos negros durante o período de escravidão.

Várias vezes, partindo de Pinda ou Guará, subimos a serra das Bicas ou a do Rabelo em caravanas chefiadas pelos meus avós as quais, por ocasião das férias escolares, eram constituídas por membros da família. Reuniam-se avós, filhos, netos, genros, cunhados, amigos e servidores para a temporada na fazenda da Guarda, já na posse de Maria da Glória Ribeiro de Godoy, minha mãe.

O isolamento da região, as dificuldades de acesso, que determinavam uma viagem de dois dias, e a precariedade de recursos locais obrigavam-nos a planejar um estoque de provisões e de pessoal para que tudo corresse bem e sem percalços nas inesquecíveis temporadas na Guarda.

De São Paulo a Pinda, tomava-se o trem de ferro. Na estação, estava sempre esperando por nós o trole de um fazendeiro amigo, que conduzia as mulheres e crianças. Os demais, seguiam a cavalo até o Ribeirão Grande.

Havia, nas proximidades da estação central, em Pinda, um armazém – nome que se dava ao comércio que vendia de tudo – do senhor Moreira, que era o abastecedor de nossas caravanas. Dele comprávamos farinha de trigo, sal, açúcar; enfim, tudo que se consome numa casa de uma grande família. Embora permanecêssemos isolados, a alimentação era farta e saborosa. Certa ocasião, após a epidemia de gripe, em 1918, que causara muitas mortes e debilitara um número grande de pessoas, chegamos a levar para a fazenda um cozinheiro renomado, pois, estando desempregado após servir a embaixada da Rússia, ele acedeu a ir conosco.

As paradas obrigatórias, com pouso em geral, eram feitas em fazendas de amigos, próximas dos pés da Serra, como a fazenda do Cel. Benjamim Bueno, a fazendinha de Bernardo Gustavo de Godoy, e a Borboleta, que pertencia a uma tia de minha mãe, irmã da baronesa do Paraná.

Eram fazendas com casarões amplos, cheios de quartos, parecendo estar sempre esperando hóspedes. Neles, além do leito coberto por lençóis de puro linho, havia uma mesa com um furo circular, onde se apoiava a bacia de louça e, ao lado, uma jarra, sempre com água fresca para a toilette. Ao lado da mesa, um balde para se despejar a água já servida, de modo que a bacia estivesse sempre limpa. Como relíquia, tenho em minha casa, em São Paulo, umas peças dessas.

Avisados com antecedência da nossa chegada, a tropa já estava esperando com os cavalos e burros de carga em número suficiente para a condução da família, das malas e do necessário para a alimentação do grupo.

Logo pela manhã, após a pousada, eram selados os cavalos e burros com as cangalhas. Os cavaleiros acertavam suas montarias, a altura dos estribos, os rabichos e as mantas. Este detalhe era de suma importância a tal ponto que, pela demora de ajuste de todos os cavaleiros, adiava-se a partida para o dia seguinte a fim de poder sair bem cedo e com a segurança de uma viagem sem tropeços.

Tudo em ordem, era dada a partida. Formava-se uma extensa fila, os cavaleiros, um em seguida ao outro, e, por último, os burros de carga, levando cada um, dois sacos de sessenta quilos ou malas.

Seguia-se em ziguezagues pela serra acima para atenuar o declive. O caminho era uma estreita trilha, coberta de mato alto como se fosse um túnel. Pela pouca largura, os cavalos pisavam sempre nos mesmos lugares, formando uma interminável escada em conseqüência do pisoteio, e agravado pelas chuvas.

É de se avaliar a dificuldade dos animais ao subir estes degraus. Muitas vezes as quatro patas não se coordenavam naquela imensa buraqueira e, então, era tombo na certa do cavalo e do cavaleiro.

Chegando aos Campos do Moreira, hoje São José dos Alpes, estava vencido o mais penoso trecho da viagem e já se sentia a delícia dos ares dos campos. Até os cavalos acusavam a diferença, pois, trôpegos pela subida, ao chegar no Moreira, notava-se que queriam correr, pareciam ter recebido novas forças.

Surgia, depois, no caminhar na direção da Guarda, a Mata Comprida, que hoje, de carro se vence em poucos minutos.

Eu era garoto e a travessia dessa mata me amedrontava quando, saindo do sol brilhante, penetrávamos numa trilha estreita, coberta por mato grosso, profuso em ramagens. O meu medo se tornava ainda maior porque, conversando com adultos da região, ouviam-se estórias de assombrações que apareciam aos caminhantes que por ali passavam nos tempos idos.

No fim dessa lúgubre e temerosa travessia, saíamos no descampado de onde era permitido ver os morros que rodeavam a Guarda, assim confortando-nos alegremente. Mais uma caminhada e estávamos vendo a fazenda no fundo do vale, numa pequena elevação, como se tivesse sido organizada por mãos divinas para abrigar a sua sede.

Divisava-se do alto o casarão, a pereira secular, o curral, o rancho de tirar leite e o filete de água que atravessava o mangueirão, que, com o reflexo do sol, era como um fio de prata visto de longe. Era inusitada a alegria por vencer a caminhada, por chegar em nosso ambiente, imaginando as diabruras que faríamos, e por estarmos em Campos do Jordão.

 

 

 

 

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