A
PRIMEIRA VIAGEM DE TREM
Primeira
Viagem de Trem.
Certa
ocasião, estávamos na Guarda, nos dias de
trabalho rotineiro, quando apareceram, na curva da
trilha, alguns cavaleiros procedentes da Vila.
Vistos de longe, estavam todos bem montados, com
aparência de destaque. Era Emílio Ribas que, de
passagem para Itajubá, aportara na Guarda para
cumprimentar e aconselhar-se com Dr. Manuel
Ribeiro Marcondes Machado, meu avô, a quem ele
chamava de Tio Maneco. Faziam parte da caravana o
Dr. Vitor Godinho, também médico sanitarista de
grande renome quem seria sócio de Dr. Ribas, na
Estrada de Ferro Campos do Jordão.
Além
desses dois médicos, faziam parte do grupo Dr.
Vital Brasil, fundador e, por muitos anos, diretor
do Instituto Butantã, e seu irmão Assis Brasil,
notório e próspero estancieiro no Rio Grande do
Sul. É de avaliar o impacto que causou a presença
de tão ilustres personagens. Foi Grande a
trabalheira, mas afetuosa e digna para compensar a
parada dos passageiros na nossa fazenda. Não
fosse o grau de parentesco que nos ligava ao Dr.
Emílio Ribas, essa visita nunca teria acontecido.
A
fartura que sempre tínhamos em nossa despensa
permitiu-nos oferecer almoço e descanso por
algumas horas.
Em
palestra com meu avô, informaram o motivo de tão
penosa viagem: iam a Itajubá onde morava o senhor
Wenceslau Brás, vice-presidente da República e
que, suponho estava no exercício de seu cargo. A
intenção era obter a concessão da linha da
estrada de ferro de nossa região.
Prosseguiram
a viagem e, depois de algum tempo, obtida a licença,
empreenderam aqueles dois médicos a árdua luta
para a construção da estrada, encontrando tropeços,
inclusive, a guerra de 1914. Por fim, iniciaram o
funcionamento da Estrada de Ferro Campos do Jordão.
Na
época só se conheciam os trens movidos a vapor.
Assim, a ferrovia foi executada nos moldes
universais. Eram locomotivas a vapor, puxando vagões
de carga ou de passageiros.
Dado
o parentesco entre nossas famílias, certa ocasião
em que estávamos preparados para vir a Campos a
cavalo, como sempre acontecia, o Dr. Emílio Ribas
ofereceu a meu avô uma autorização para viajar
de “lastro” ( ). Sentamo-nos sobre pilhas de
dormentes e mal acomodados, mas, em nossa primeira
viagem de trem para Campos do Jordão, exultávamos.
Na
planície, no vale do rio Paraíba, a locomotiva
fumegava e nos aturdia com a barulhada. O rio Paraíba
foi transposto por uma ponte provisória armada
sobre pilhas de dormentes, como se formassem uma
pilha para fogueira. Os trilhos passavam sobre ela
numa insegurança a toda prova. Tínhamos a
impressão de que estávamos voando, tal a
estreiteza e fragilidade da ponte.
Na
raiz da serra, iniciamos a escalada da
Mantiqueira. A máquina dava tudo de si para
vencer o aclive, mas nos trechos da serra, onde há
sempre ruço, os trilhos ficavam molhados e, com o
peso da carga, era então só brecar e esperar.
Gastavam-se caixas e caixas de areia para
restabelecer o atrito dos trilhos com a roda do
trem, as quais funcionavam como esmeris, tal o número
de faíscas que se desprendiam do trilho.
Parados,
o maquinista Alberto convidara-nos para beber água
fresca numa grota ao lado, usando de boa política
para que não nos exasperássemos com os
transtornos. Mal sabia ele que nos deleitávamos
com o inusitado do passeio, apesar da demora e dos
contratempos. Para nós que, até então, somente
viajávamos a cavalo, aquilo era o máximo, como
se hoje fizéssemos uma viagem num Concorde.
Devagar
se vai ao longe: após quatro horas de viagem de
Pinda até Campos, começamos a descida do
Lajeado, parando aqui e ali para carga e descarga
do “lastro”.
Não
havia plataforma de parada em Jaguaribe. Era um
amontoado de dormentes e trilhos. A estação era
um pequeno barraco, atarracado, coberto com chapas
de zinco ondulado. Antigamente o zinco era muito
usado para cobertura e até para paredes
suportadas por armação de madeiras.
Após
essa inesquecível viagem, cheia de sensações as
mais diversas, e maravilhados com os panoramas
divisados nos vales, atingimos a “Ponta dos
Trilhos”. Ali nos esperava a tropa vinda da
fazenda. Montados a cavalo, chegamos à Guarda.
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