DR.
CAMILO DE SOUZA PENNA
Buraco
da Goteira do telhado em frente ao Rancho Santo
Antônio
Foi
grande amigo de Campos do Jordão e aqui freqüentava
todos os anos, nas suas férias ou finais de
semana. Era descendente dos Penna de Minas Gerais
e foi casado com uma irmã de minha mãe, a Sra.
Zenóbia de Oliveira Penna. Diplomara-se em farmácia
e chegou a montar uma
em São Paulo. Não
gostando de exercer essa profissão, mesmo casado
e já com a única filha que teve, Elayla, passou
a estudar medicina na Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro, na época a mais prestigiada do país.
Diplomado,
montou um consultório na casa em que residia, na
Avenida Pompéia, e ali trabalhou por muitos anos.
Especializou-se em tuberculose e freqüentou o
Instituto Clemente Ferreira, na Rua da Consolação,
onde atendia diariamente inúmeros enfermos
atingidos pelo bacilo de Koch. O trato freqüente
com enfermos o levou a contrair a doença que, por
longos anos, o martirizou e o levou à morte.
Ele
foi também grande freqüentador do Rancho Santo
Antônio. Ao adoecer ficou no Rancho por vários
meses. Recordo-me que, numa dessas temporadas,
chovia muito e ele passava o dia na janela
observando aquela interminável chuva de verão de
Campos que durou 20 dias sem parar um só minuto.
A exasperação pela prisão em casa levou meu tio
Camilo a se distrair, brincando com uma varinha no
buraco que uma goteira do telhado fazia no chão
do quintal, na frente da casa. Com essa diversão,
lembro-me que o buraco ia aumentando de tamanho e
ele teve que trocar a varinha por uma maior. O
buraco chegou a medir cerca de
5 metros
de profundidade e tinha o diâmetro de uma vara de
bambu. Este fato despertou-lhe o desejo de levar a
brincadeira adiante: ele pretendia enfiar pelo
buraco abaixo um vidro com um bilhete contando da
existência de ouro em barras em determinado local
por ele inventado na hora. Pedi que não fizesse a
brincadeira, pois era de se imaginar o tormento
que teria alguém fazendo alguma terraplanagem
daqui há uns cem anos e encontrando a garrafa com
o “mapa da mina”. Seu caráter íntegro e
bondade o levaram a desistir da maldosa
brincadeira.
Era
bom mineiro e, como tal, econômico e inimigo de
gastos por pequenos que fossem. Eu ainda era
moleque quando ele e a esposa moravam num sobrado
na Rua São João, hoje Comandante Salgado. Certa
ocasião, achou um anel de alto valor e, no dia
seguinte, saiu um anúncio no jornal prometendo
boa gratificação para quem o tivesse achado. Ele
me pediu para fazer a entrega e dizer que eu o
achara. A jóia era de uma senhora recém-casada
que estava desolada com a perda. Só faltou me
abraçar e beijar tal o contentamento evidenciado
com a minha chegada. Passei por um menino muito
honesto, e louvaram em demasia a minha atitude,
retribuindo-a com polpuda gratificação.
Entreguei tudo ao meu tio que, repartindo o prêmio,
me encheu as mãos de moedas.
Numa
das últimas estadias no nosso Rancho, o que era
para nós um imenso prazer pelo elevado grau de
companheirismo e amizade, fora chamado a São
Paulo por motivo de doença em pessoa da família.
Como sempre acontece no início do ano, chovia a cântaros
e, durante a noite, caiu um pinheiro na estrada
onde hoje se situa a portaria do C I P. Chegamos
ali, conduzindo-os para tomar o bondinho para
Pinda. Eles ficaram profundamente aborrecidos com
o inesperado obstáculo e minha tia começou a se
lamentar por não poder alcançar o trem e, como
conseqüência, não poder atender o chamado de São
Paulo.
Não
dispensava de ter no meu carro uma pá e uma
pequena enxada, pois freqüentemente precisava usá-las,
sendo as estradas de terra e sem nenhuma conservação.
O pinheiro havia caído na beira da estrada e,
como sempre acontece, formou-se, no rompimento das
raízes, um grande buraco e, ao examiná-lo,
percebi que poderia passar por ele com pequena
escavação na entrada e na saída. Deixei-os no
carro, pois continuava o aguaceiro e meti mãos à
obra. Fiz uma ladeira para descer no buraco e
outra para subir de novo na estrada. Tudo isso na
conta exata para as rodas do Fordeco. O chão
ainda estava encharcado e, com a torcida dos tios,
rompi do outro lado, após trancos e pulos dos
passageiros. Alcançamos o bondinho e correu tudo
bem.
Algum
tempo depois, ele voltou para Campos, mas a doença
já o dominava de forma irreversível. Acompanhei,
como sobrinho e colega, em seus últimos momentos,
levando-o para São Paulo, onde queria morrer.
Quando me lembro do seu sofrimento, fico
imaginando como pôde um homem bom, correto,
excelente chefe de família, exemplar colega e
amigo, padecer tanto nos últimos momentos da
vida, como pude assistir impotente e pesaroso. O
que me diminui a dor é saber que ele se foi
cercado pelo carinho da dedicada esposa, de
familiares e de vários colegas.
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