TIPOS
ORIGINAIS - PERRONI, URBANO E BELISÁRIO
Cowboy
Tom Mix cavalgando nas telas de prata com seu fiel
cavalo Tony.
Os
cinemas da época exibiam filmes de cowboy com
muita freqüência e eram muito admirados pelos
jovens. Dominavam as cenas o Tom Mix, Willian
Hart, Willian Farnun e outros. O tiroteio era
constante em todos eles; aquele tiroteio em que não
se acabam as balas, não se carregam armas e
surgem pontarias certeiras que abatem dezenas de
lutadores ao mesmo tempo. Recordo-me dos tempos da
Guarda em que eu, meus primos e meu irmão usávamos
chapelões de abas largas, cartucheiras vazias de
balas e armas de brinquedo. A brincadeira era
quase sempre uma imitação dos filmes, com o
espocar de tiros, pelo grito e falsas mortes
previamente combinadas.
Na
estação de Abernéssia, havia sempre um cidadão
bem apessoado, já com os seus 40 anos, um
perfeito cowboy, vestindo sempre botas de salto
fino, cartucheiras, proteção de couro nas pernas
e chapéu de aba larga. Chamava-se Perroni e viera
a Campos à procura de saúde para a sua esposa
que, uma vez curada, montou uma pensão ou comprou
um hotel dos muitos existentes na ocasião. O seu
papel era ir à estação receber e acompanhar os
hóspedes. Criou um tipo folclórico, que se
tornou conhecido na época, pela sua estrepitosa
chegada, riscando as esporas na calçada da
plataforma.
Nós
o admirávamos com espanto pela audácia de,
permanentemente, se apresentar daquela maneira,
como se estivesse em pleno faroeste.
Outra
figura que fez época foi o troleiro Urbano
Biagione. Procedia de Araraquara, onde trabalhara
com nossos parentes. Morava na antiga Abissínia,
na subida do morro do Jardim do Embaixador. Falava
grosso e alto, pois, sempre no trole, habituara-se
a gritar para ser ouvido. Muitas vezes ele nos
conduziu até nosso Rancho. A viagem passava
depressa, pois não parava de falar e sempre
contando boas estórias.
Outro
homem de grande valia para nós foi o Belisário,
negro educado, prestimoso, pessoa honesta a toda
prova. Qualquer problema, resolvia da melhor forma
possível e sempre com grande boa vontade. Mais
tarde passou a tomar conta da Lagoinha,
propriedade do Sr. Nhonhô Magalhães, e morava
numa casa ao lado da sede.
Certa
ocasião, meu avô Marcondes Machado, após
delicada cirurgia, veio para Campos na esperança
de que o maravilhoso clima o faria sarar. Não
podia ir para o nosso Rancho, pois não tínhamos
estrada depois do rio e nem sequer ponte para
atravessá-lo. Fomos para os Correntinos,
bondosamente cedido pelo Dr. João Martins de
Mello Jr., e ali ficamos na sede (antigo escritório
da Agricobrás). Levou-nos até lá o trole da
Lagoinha dirigido pelo Belisário. Sabendo que
conduzia um recém-operado, desdobrou-se em
cuidados.
Uma
pequena estória atesta a retidão de seu caráter.
Era tempo de chuva e a estrada, que ainda não era
asfaltada, estava péssima. Na frente da Lagoinha
havia um brejo formado pelo escoamento das águas
das casas ali existentes. Chegando de São Paulo e
encontrando dificuldade de transpor o lodo,
resolvi subir pela estrada da Lagoinha e descer do
outro lado. Assim o fiz, certo de que Belisário
permitiria a nossa passagem pela porta da fazenda,
tal o grau de amizade entre nós. Com visível
constrangimento, ele me disse: “Olha, Dr. Oscar,
eu faço tudo para lhe ajudar; se for preciso
vamos todos empurrar o seu carro, mas aqui na
estrada da fazenda o senhor não passa. É ordem
do patrão. Ninguém passa aqui”.
Fiquei
chocado por instantes pelo imprevisto de sua decisão.
Logo mais, em casa, refleti e concluí que só um
homem de bem, honesto, arriscaria perder um amigo
para obedecer às ordens do patrão. Magoado, na
ocasião, senti-me ferido em minha auto-estima,
mas, logo no dia seguinte, compreendi a sua
atitude e o louvo por isso até hoje.
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