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Oscar Ribeiro de Godoy

 

TIPOS ORIGINAIS - PERRONI, URBANO E BELISÁRIO

Cowboy Tom Mix cavalgando nas telas de prata com seu fiel cavalo Tony.

 

Os cinemas da época exibiam filmes de cowboy com muita freqüência e eram muito admirados pelos jovens. Dominavam as cenas o Tom Mix, Willian Hart, Willian Farnun e outros. O tiroteio era constante em todos eles; aquele tiroteio em que não se acabam as balas, não se carregam armas e surgem pontarias certeiras que abatem dezenas de lutadores ao mesmo tempo. Recordo-me dos tempos da Guarda em que eu, meus primos e meu irmão usávamos chapelões de abas largas, cartucheiras vazias de balas e armas de brinquedo. A brincadeira era quase sempre uma imitação dos filmes, com o espocar de tiros, pelo grito e falsas mortes previamente combinadas.

 

Na estação de Abernéssia, havia sempre um cidadão bem apessoado, já com os seus 40 anos, um perfeito cowboy, vestindo sempre botas de salto fino, cartucheiras, proteção de couro nas pernas e chapéu de aba larga. Chamava-se Perroni e viera a Campos à procura de saúde para a sua esposa que, uma vez curada, montou uma pensão ou comprou um hotel dos muitos existentes na ocasião. O seu papel era ir à estação receber e acompanhar os hóspedes. Criou um tipo folclórico, que se tornou conhecido na época, pela sua estrepitosa chegada, riscando as esporas na calçada da plataforma.

 

Nós o admirávamos com espanto pela audácia de, permanentemente, se apresentar daquela maneira, como se estivesse em pleno faroeste.

 

Outra figura que fez época foi o troleiro Urbano Biagione. Procedia de Araraquara, onde trabalhara com nossos parentes. Morava na antiga Abissínia, na subida do morro do Jardim do Embaixador. Falava grosso e alto, pois, sempre no trole, habituara-se a gritar para ser ouvido. Muitas vezes ele nos conduziu até nosso Rancho. A viagem passava depressa, pois não parava de falar e sempre contando boas estórias.

 

Outro homem de grande valia para nós foi o Belisário, negro educado, prestimoso, pessoa honesta a toda prova. Qualquer problema, resolvia da melhor forma possível e sempre com grande boa vontade. Mais tarde passou a tomar conta da Lagoinha, propriedade do Sr. Nhonhô Magalhães, e morava numa casa ao lado da sede.

Certa ocasião, meu avô Marcondes Machado, após delicada cirurgia, veio para Campos na esperança de que o maravilhoso clima o faria sarar. Não podia ir para o nosso Rancho, pois não tínhamos estrada depois do rio e nem sequer ponte para atravessá-lo. Fomos para os Correntinos, bondosamente cedido pelo Dr. João Martins de Mello Jr., e ali ficamos na sede (antigo escritório da Agricobrás). Levou-nos até lá o trole da Lagoinha dirigido pelo Belisário. Sabendo que conduzia um recém-operado, desdobrou-se em cuidados.

 

Uma pequena estória atesta a retidão de seu caráter. Era tempo de chuva e a estrada, que ainda não era asfaltada, estava péssima. Na frente da Lagoinha havia um brejo formado pelo escoamento das águas das casas ali existentes. Chegando de São Paulo e encontrando dificuldade de transpor o lodo, resolvi subir pela estrada da Lagoinha e descer do outro lado. Assim o fiz, certo de que Belisário permitiria a nossa passagem pela porta da fazenda, tal o grau de amizade entre nós. Com visível constrangimento, ele me disse: “Olha, Dr. Oscar, eu faço tudo para lhe ajudar; se for preciso vamos todos empurrar o seu carro, mas aqui na estrada da fazenda o senhor não passa. É ordem do patrão. Ninguém passa aqui”.

 

Fiquei chocado por instantes pelo imprevisto de sua decisão. Logo mais, em casa, refleti e concluí que só um homem de bem, honesto, arriscaria perder um amigo para obedecer às ordens do patrão. Magoado, na ocasião, senti-me ferido em minha auto-estima, mas, logo no dia seguinte, compreendi a sua atitude e o louvo por isso até hoje.

 

 

 

 

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