|
Sua História
Expedito Camargo Freire nasceu em Campinas, aos 9 de junho de 1908, filho de Manoel Freire e Francelina Freire. Campinas – cidade de onde Carlos Gomes partiu, um dia, para a glória e que teve suas andorinhas imortalizadas numa página do incomparável Rui. Aos cinco anos perdeu a mãe e ficou sob a tutela de uma madrinha, fazendeira em Campinas. Aí passou a infância sentindo-se, desde o curso primário – feito no Colégio São Benedito, em regime de semi-internato – atraído pelo desenho. Mais que de um livro para ler, gostava de um caderno para rabiscar. Era a voz da vocação. Não havia, entretanto,quem tivesse ouvidos afinados para escutá-la. Até que chegaram dois pintores italianos a terra onde o injustiçado Coelho Neto foi professor de Literatura. E o garoto encontrou, então, orientadores para as suas tendências artísticas. Começou, assim, a estudar pintura com os professores italianos Luggi Franco e Oreste Colombari. Aos poucos, o garoto tornou-se um jovem de talento patente e o preferido de Colombari, ao qual não só passou a ajudar a lecionar Desenho, mas inclusive colaborava na elaboração de “croquis”, concorrendo com outros pintores em decorações de templos religiosos e teatros. Assim podemos dizer que muitos desses projetos foram vitoriosos em virtude desse apoio, os quais podem ser apreciados nas finas decorações da Catedral de Campinas, Ituverava, Teatro Oberdã de São Paulo e tantas outras, onde Camargo Freire muito contribuiu, ajudando o seu mestre. Entre os anos de 1933 e 1936, Camargo Freire lecionou
Desenho no curso ginasial do Serviço de Educação de Adultos-SEA, do Departamento
de Educação do Estado de São Paulo e na Academia Campineira de Pintura, que
ajudou a fundar. Nesta época, Camargo Freire trabalhava como motorista de táxi
em Campinas. O meio, porém, iria tornar-se pequeno para os sonhos do menino, que
já se fazia rapaz. Chegou ao Rio levando consigo uma carta do pintor Salvador Caruso, que conhecera em Campinas, apresentando-o ao pintor Ado Malagoli. “Mudei-me para o Rio. Atraíam-me os nomes dos grandes
pintores da época. Desejava vê-los, seguir-lhes os conselhos, aproveitando-lhes
as lições. Não fui para a Escola das Belas Artes pois, precisando trabalhar para
viver, não me sobravam horas durante o dia para a freqüência às aulas.
Matriculei-me no Liceu de Artes e Ofícios e passei a fazer parte do Núcleo
Bernardelli, sob a orientação de Manoel Santiago”. No Núcleo Bernardelli ouviu atentamente as lições e conselhos de artistas como Pancetti, Bustamante Sá, Takaoka, Rescala, Dacosta e outros. Camargo Freire comentava com os amigos os momentos de alegria e dificuldades que os nucleanos viviam: "Quando cheguei ao Rio, em 1936, fiquei conhecendo o Núcleo Bernardelli, por intermédio do pintor Ado Malagoli, a quem entreguei uma carta do pintor Salvador Caruso, amigo de Malagoli, apresentando-me e pedindo ao Malagoli que me orientasse, no sentido de facilitar o meu contato com os pintores, pois o objetivo da minha ida ao Rio era o de estudar pintura. Um dos meus professores de pintura em Campinas tinha me recomendado que, na primeira oportunidade, procurasse uma cidade como São Paulo ou Rio, onde minha vontade de estudar seria facilitada pela convivência com os artistas. Na ocasião, o movimento artístico no Rio era superior ao de São Paulo, foi por esse motivo que preferi o Rio. E condições muito favoráveis: no Núcleo, apesar da nossa pobreza, estávamos sempre rindo e brincando. O ambiente era de alegria, mesmo nos dias em que nem sabíamos se teríamos a oportunidade de comer alguma coisa". A maneira de enfrentar estas situações com humor era devido às nossas brincadeiras: as piadas, os apelidos, tudo servia para amenizar as situações mais difíceis. A teoria das cores, os valores das tonalidades, as proporções no desenho, muitas vezes transformavam-se nas melhores anedotas e o riso nos encorajava. O meu amigo Bustamante Sá, o Edson Motta, Sigaud, Rescala e outros que tinham estudado na Escola Nacional de Belas Artes, eram os nossos professores. A penúria dos integrantes do Núcleo era tão aguda que alguns, devido à fome, contraíram tuberculose e foram parar nos sanatórios, em Campos do Jordão. Comigo não foi diferente. Quando o médico no Rio de Janeiro me disse que o tratamento não apresentava nenhuma melhora e que achava conveniente a minha ida para Campos do Jordão, eu lhe respondi: “Olha doutor, eu tinha um pouco de dinheiro; mas doente, sem trabalho, foi consumido e, no momento, não tenho condições financeiras para realizar tal viagem”. Mas o médico insistiu: “Sua chance de sobrevivência está no clima de Campos do Jordão”. No inicio de 1941, os amigos de Camargo Freire se cotizaram e pagaram sua transferência para o Sanatório Ebenézer, em Campos do Jordão. Foi uma mudança radical em sua vida e sobre ela, Camargo Freire revelou: "Não posso e não devo negar a grande transformação que se operou na minha vida e, conseqüentemente, na minha pintura. Foi decisiva e benéfica esta mudança, transformando radicalmente a maneira como até então eu sentia e interpretava a pintura. Vivia no Rio de Janeiro sempre cercado de dificuldades. Pintava muito, mas não ficava satisfeito. Queria estudar mais, num ambiente propicio; realizar meu sonho de pintor. Estudar para não pintar “de ouvido”. Na música não se pode fazer nada sem primeiro estudar e tocar bem algum instrumento. Na pintura, entretanto, muita gente salta pela janela, pois pela porta não é fácil penetrar. Por incrível que pareça, a tuberculose foi minha melhor amiga. Tirou-me das tabuletas e outras atividades puramente comerciais e deu-me Campos do Jordão, ambiente onde pude realizar o que sempre desejei. Nos primeiros dias não pensava que ainda fosse voltar a pintar. No Sanatório só me preocupava com a saúde. No principio, tratei de adaptar-me à nova vida, “aprender” os nomes técnicos da doença e também a pitoresca gíria inventada pelos doentes. Da galeria de repouso a vista era interceptada por um morro. A vontade de saber o que havia do outro lado foi aumentando. Os dias passavam, crescendo a minha inveja dos empregados do Sanatório, quando os avistava galopando sobre as lombadas. Freqüentemente perguntava-lhes: “O que avistam de lá de cima?” E eles respondiam: “Quase nada. Apenas campos, pinheiros,uma aguada perto de uma palhoça, um capão de mato...” Eu ficava cada vez mais interessado, imaginando que paisagem fabulosa a que morro não me deixava ver. Decorridos três meses dei uma escapada sem ordem do médico. O vale se estendia batido de sol e cercado pelas lombas que a luz forte modelava nas mais diversas formas. Senti que, se tivesse tintas, pintaria alguma coisa bem diferente do que até então havia pintado e executei, mentalmente, o meu melhor quadro. Sem a preocupação de manusear pinceis e tintas, acompanhando com o olhar as mutações daquela grande cena, realizei um estudo completo, e descobri nesse instante o rumo que deveria seguir". Com a recuperação da saúde graças aos ozonas, ao
aumento dos glóbulos vermelhos, ao repouso bem tolerado nesse clima frio onde a
permanência no leito entre os cobertores é um prazer, voltava à alegria tantas
vezes desejada e nova disposição para o trabalho. Da Bélgica segui para a Alemanha, desta vez pelo sul, na região do Reno, detendo-me em todas as suas principais cidades, a começar de Colônia. A boa impressão que tive da Alemanha foi confirmada nesta segunda viagem. Colônia possui uma catedral que é uma maravilha. A cidade foi parcialmente destruída pelos terríveis bombardeios da Segunda Guerra, mas ela escapou; as suas majestosas torres ainda estão apontando para o céu. Bonn, atual capital, é celebre como cidade universitária e berço de Beethoven. Coblença, a bela cidade da foz do Mosela, amada pela delicia de seus vinhos, igualmente atingida pela guerra, conta nos seus arredores com esplêndidas paisagens que fazem esquecer as nossas preocupações. Frankfurt, cuja parte central foi completamente reconstruída, é uma cidade moderna; suas indústrias química e eletro-técnica são notáveis. Heidelberg e a célebre ruína do seu castelo Renascença. Stuttgart, outra bela cidade e, finalmente, Munique , capital da Baviera, a maior cidade do sul da Alemanha, terra da boa cerveja, das grandes exposições internacionais, das numerosas pinacotecas e museus, anda-se entre eles o famoso Deutsches Museum, cientifico e técnico de fama mundial. Foi em Munique que conheci a grande obra de Rubens, o notável pintor flamengo. Deixando a Baviera, rumei direto para a Suíça, o país que funciona como um bom relógio suíço. Zurique é a mais populosa cidade e a de maior comércio e industria, mas por toda parte vemos este laborioso povo entregue às mais diversas atividades, desde as mais poderosas centrais elétricas ao mais delicado relógio de senhora; e tudo isso trabalhando com a famosa precisão suíça. Também as suas coleções de obras de arte são das mais importantes. Atravessando os Alpes, entrei na Itália pelo Grande São Bernardo, no extremo norte, percorrendo o país até Lecce, no canal de Otranto, onde o Adriático e o mar Jônio se encontram. Permaneci quatro meses na Itália, residindo em Roma e Florença. Visitei todas as principais cidades: Milão, Gênova, Veneza, Nápoles, Bolonha, Siena, Perúgia, Pisa, Pádua, Ravena, Ferrara, Verona etc. Descrever a Itália em poucas palavras é impossível. Direi apenas que é o país mais belo entre todos os que visitei; o seu patrimônio artístico é simplesmente assombroso e seu povo gentilíssimo. Em Campos do Jordão Em 1948 Camargo Freire fez parte do primeiro corpo docente da primeira escola de ensino médio de Campos do Jordão. O Ginásio de Campos do Jordão funcionou, em 1948, no prédio do Grupo Escolar Domingos Jaguaribe, sob a direção do professor Theodoro Corrêa Cintra. No ano seguinte, o Ginásio funcionou na Vila Dom Bosco, dos padres salesianos e, em 1950, em prédio na Vila Suíça. Carinhoso e exigente, Camargo Freire marcou a vida de seus alunos; suas aulas, mais que de Desenho, eram carregadas de belas lições de vida, muitas delas perenizadas nas lembranças de seus alunos. Nos seus alunos, Camargo Freire procurava despertar o “dom” para o desenho e pintura: Freqüentemente ouvimos de nossos alunos, quando examinamos os seus cadernos, esta explicação, à guisa de desculpas:-” “Eu não tenho dom para desenho. Meu pai diz que para desenhar ou pintar é preciso ter dom...” Será mesmo verdadeira está afirmação? Vejamos?, pois, como deve ser encarada essa questão, não apenas pelos que possuem o dom, mas principalmente, pelos que afirmam não possuí-lo. Na arte, o dom desempenha um papel importante,muito mais que em qualquer outra profissão. Essencialmente, o artista é constituído pelo dom, quer seja nas artes plásticas, quer seja na música ou nas letras. Um homem que não tem particular vocação para a Medicina, a Engenharia ou o Direito, sendo inteligente e devotado,poderá fazer uma bela carreira de médico, engenheiro ou jurista. Nas artes isso é impossível, pois nem a inteligência mais sutil nem o trabalho mais dedicado poderão jamais substituir o dom. Esse dom é dote natural que nasce com o artista e que não pode ser transmitido a ninguém através do ensino. Qualquer pessoa poderá aprender o desenho, a pintura ou a música mas nunca será um artista se não tiver o dom. Por sua vez, o artista nato terá que estudar e trabalhar para desenvolver cada vez mais suas qualidades naturais. Aprender a desenhar e pintar não é a mesma coisa que fazer uma cadeira ou uma bicicleta, decorar os rios da Europa ou as propriedades do ácido sulfúrico. Isto porque não se trata de armazenar fatos na memória. Aprender a desenhar e pintar é representar o que vemos ou imaginamos. É exprimir o que sentimos por meio das linhas e das cores. É dominar o “métier”, conhecendo a técnica de todos os elementos indispensáveis para melhor realizar uma obra de arte. Somente o dom não é o bastante para o artista expressar suas emoções, como provam as várias tendências da arte moderna, cada uma delas com uma técnica própria, com suas leis, sem as quais não seria possível representá-las. O impressionismo, apenas para citar um exemplo, foi um movimento que deu inicio à revolução artística. Para se opor a esta escola, o cubismo surgiu com sua técnica completamente contrária aos princípios preconizados pelos impressionistas. Nenhum artista poderá ignorar estes movimentos renovadores e para isso terá que estudá-los. Particularmente, sou fiel aos princípios clássicos da pintura e não tenho para com os modernos as expressões duras que de muitos se ouvem por aí. Não lhes sou contra. Nem lhes sou a favor. Para mim, todas as escolas e tendências cabem dentro de dois grupos, os únicos que, para mim, devem ser tomados em consideração: a boa e a má pintura. Só vejo mal ao modernismo: é que ele permitiu, com o aparecimento de artistas geniais como Portinari, que viesse uma enxurrada de mediocridade, fazendo mais barulho que pintura. É fácil explicar o fenômeno: imagina um sujeito que, sem nunca haver estudado música, apanhasse um saxofone e saísse pelas ruas a soprar no instrumento, proclamando-se um gênio da hora que passa. Poderia esse homem ser tomado a sério? Seria olhado como caso de policia ou de hospício. Não lhe parece? Mas há saxofonistas da pintura que vivem soltos pela cidade... Os que não são dotados dessa coisa divina que chamamos dom, poderão aprender desenho, chegando mesmo a ser reputados grandes desenhistas. Aplicarão os conhecimentos técnicos do desenho com zelo e acerto, mas não serão artistas no sentido exato da palavra. Agora, ninguém poderá convencer que, para desenhar triângulo ou uma outra qualquer forma geométrica seja preciso ter dom, seja preciso ser artista!. Em 1951, Camargo Freire executou a pintura na Capela de Nossa Senhora da Saúde, em Jaguaribe, bairro-berço de Campos do Jordão. Sobre o fato, Joaquim Corrêa Cintra, escreveu no Jornal “A Cidade de Campos do Jordão”, edição número 146, de 16 de Dezembro de 1951: “Assistimos, quinta-feira última, à benção de um magnífico painel executado pelo consagrado pintor patrício, Camargo Freire, na parede de fundo da Capela de Nossa Senhora da Saúde, em Vila Jaguaribe. A convite do Revmo. Frei Vital Pires de Oliveira Dias, virtuoso capelão de Nossa Senhora da Saúde, que muito tem feito para dotar a Padroeira de Jaguaribe de um templo digno das suas excelsas virtudes e tradições, estivemos presentes ao ato juntamente com as diversas autoridades locais e pessoas gradas. Apreciar a obra do pintor Camargo Freire, sob ponto de vista artístico, seria de nossa parte uma leviandade. O seu nome tem-se projetado já no cenário pictórico nacional, como uma das mais legítimas expressões. Os prêmios que tem conquistado em disputadíssimos Salões são um atestado eloqüente da sua capacidade. Sob o ponto de vista de interpretação do motivo evocado no imenso painel, podemos afirmar que foi o mais feliz possível, eis que representa um casal humilde, tendo a mulher uma criança enferma nos braços, a qual estende, súplice, à Nossa Senhora da Saúde. Como fundo do painel, vemos a silhueta da Pedra do Baú e esguios pinheiros, símbolos de Campos do Jordão. A impressão que tivemos foi a melhor possível e temos certeza de que, a mercê desse belo trabalho, a Capela de Nossa Senhora da Saúde será um ponto de referencia obrigatório de todos os que visitam a nossa Estância!”. Em outubro de 1951, Camargo Freire fez uma exposição de 40 obras no Hotel Vila Inglesa, que despertou as seguintes observações de Osvaldo Alves: “Camargo Freire, esse campineiro várias vezes premiado, merece que se lhe assinale o talento sob várias facetas.Logo de inicio diremos que Camargo Freire é um panteísta dentro da pintura. Há uma identificação do artista com seus quadros. Em “Montanhas e Vales”, é notável essa identificação: equilíbrio de perspectiva na majestade destas montanhas singulares. Todos os seus quadros transpiram lealdade, desinteresse, vocação, personalidade. Nada de comercialismo artificialista, nada de imitação cabotina muito comuns em pintores não raro célebres. Camargo Freire segue os milenares conselhos da sabedoria grega: “Sê tu mesmo”. A nota dominante das produções artísticas de Camargo Freire é o que se desprende de todos os seus quadros: melancolia e sentimento de abandono, possivelmente herdados da infância e cristalizados na adolescência, com os últimos retoques na época de enfermo a que quase todos estivemos sujeitos. Eis aí mais uma prova da identificação do pintor com a sua obra! O excesso de equilíbrio dá-lhe, na combinação de cores uniformes e no temário paisagístico, uma timidez que às vezes empana certos e repetidos vislumbres de genialidade. É apenas um fenômeno de transição: Camargo Freire progride a passos lentos e firmes. O pintor, sem falso elogio, é agora senhor do cenário natural subjetivo. Está agora povoando, com primeiros traços de quase genialidade, o cenário ao qual ele tanto se identificou. Magnífico período! Camargo Freire prestou um grande beneficio a Campos do Jordão, com a exposição dos seus quadros no Hotel Vila Inglesa. Em poucos minutos todos ficaram convencidos, ali mesmo, de que no Brasil, no cenário multifacetado desta natureza vária, há um dos recantos mais lindos do mundo poético: Campos do Jordão!”. Em abril de 1962, foi inaugurada a Sala Camargo Freire, no Colégio Estadual e Escola Normal de Campos do Jordão. A década de 1970, para Camargo Freire, foi marcada pelas exposições no interior do Estado de São Paulo. Dizia ele que o fazia mais por prazer, embora se enriquecesse cada vez mais o seu já vasto “curriculum” e aumentasse o número de seus prêmios. Um fato pitoresco dessa época vale ser citado. Num desses Salões, Camargo Freire demonstrou o seu lado revoltado, chateado, como os seus amigos quase nunca o encontravam. O motivo da revolta: um dos seus quadros tinha sido rejeitado pela Comissão Organizadora. Numa carta enviada à Comissão, Camargo Freire desabafou: “(...) O quadro recusado, cujo titulo ‘Rosa sem Espinho’, mostrava uma jovem deitada, tendo na mão um ramo de rosas. Quando fui buscar os quadros, fiquei sabendo que o motivo da recusa foi feito pelo assunto (a figura nua). Acreditei nessa informação porque no Salão não havia nenhum nu. Provavelmente, todos os que foram recusados pelo assunto e não pela qualidade da pintura. Na França, uma tela na qual está pintado um nu, chama-se Academia. E isso porque em todas as Academias o modelo preferido é a figura nua, por ser a mais difícil. Não vou enumerar aqui tudo o que podemos estudar e aprender quando desenhamos e depois pintamos o corpo humano. No Rio de Janeiro nós, os estudantes, costumávamos dizer que os quadros recusados tinham sido ‘cortados’. Eu e meus colegas sempre aceitamos o ‘corte’, pois só assim poderíamos participar de um excelente e criterioso Salão de Belas Artes. Para isso é necessário que a seleção seja feita por artista competente, que conheça e leve em consideração os elementos indispensáveis que determinam a boa ou má qualidade da obra apresentada; seja paisagem, retrato, natureza morta ou nu. Não sendo assim, é preciso que, no regulamento do Salão, seja especificado o que a Comissão Organizadora e a de Seleção aceitam e o que é proibido pintar!...E para finalizar, eu poderia citar grandes Mestres, que se destacaram principalmente na pintura ou escultura, reproduzindo a figura humana masculina ou feminina inteiramente nuas. Miguel Ângelo pintou na Capela Sistina no Vaticano todas as figuras nuas no seu velho amor pela beleza do corpo humano. Mais tarde, o pintor Volterra, por ordem do Papa, cobriu os nus de ligeiro panejamento e o povo romano, criticando essa mutilação da grande pintura de Miguel Ângelo, apelidou Volterra de ‘Brachettone’, que na linguagem da época queria dizer: o fazedor de cuecas! É lamentável que nessa era de bomba atômica, ônibus espacial, informática, o homem na lua e tantas coisas extraordinárias, alguém ainda veja na beleza do nu feminino algo de obsceno. A obscenidade está na cabeça de tarados sexuais. (...)” Na década de 1980, Camargo Freire fez parte do Conselho Municipal de Cultura. Em 1980 participou da fundação da Academia de Letras de Campos do Jordão, ocupando, como membro efetivo, a cadeira número 5, que teve como primeiro patrono o pintor Edson Motta. A respeito de sua indicação para a Academia, Camargo Freire disse: “Não são muitas as cidades brasileiras que possuem uma Academia de Letras. Com exceção deste, todos os seus membros são literatos, escritores, doutores, professores, pessoas capacitadas. Quando eu fui convidado para participar da Academia de letras, agradeci o honroso convite, mas disse que, sendo uma Academia de Letras e eu apenas um simples professor de Desenho e pintor de Belas Artes, não deveria fazer parte de um meio tão ilustre. Mas o acadêmico que me convidou achou que, pela minha atuação no meio artístico, pelos prêmios que obtive com minha pintura, toda ela inspirada aqui em Campos do Jordão, poderia participar como artista e professor. Fiquei muito contente pela consideração que me foi dispensada pelos ilustres acadêmicos. Procurei dedicar-me ainda mais à pintura, aprimorando meus trabalhos e esforçando-me para merecer participar das reuniões da Academia, ouvir os grandes oradores que, com brilhantismo, pronunciaram suas palestras, proporcionando a todos nós memoráveis reuniões. Procurando colaborar, consegui com minha pintura mostrar as belezas de nossa cidade e também o valor do seu clima maravilhoso, pois aqui recuperei a saúde”. Em julho de 1981, perde sua esposa Maria Theodora Puzzo
e, em 1984, casa-se com Benedita Rodrigues da Silva. Em 1982, foi criada, em
Campos do Jordão, a Pinacoteca Municipal Camargo Freire, funcionando em frente à
Praça de Vila Capivari. Em 1994, a Pinacoteca Municipal transferiu-se para o
Horto Florestal. O Núcleo Bernardelli Embora na década de 1930 continuasse sendo o centro cultural mais importante do país, o Rio de Janeiro permanecia artisticamente á margem da renovação deflagrada em São Paulo pela Semana de Arte Moderna de 1922. Sede de instituições tradicionais, como a Escola Nacional de Belas Artes, delas recebia toda a orientação estética, a despeito de alguns elementos isolados que – como Ismael Nery, Cícero Dias ou Guignard – enveredaram por novos rumos. Os moços, porém, já não aceitavam os ensinamentos de seus mestres que, com algumas variações, remontavam ao ideário da Missão Artística Francesa. Decidiram, então, alguns desses artistas, formar um grupo; sendo assim, em 1931, mesmo ano em que se realizou, no Rio de Janeiro, o Salão Revolucionário, pela primeira vez aberto à participação dos “modernistas”, surgiu o Núcleo Bernardelli. Seu nome ra uma homenagem aos irmãos Bernardelli: Rodolfo e, principalmente, Henrique que, na mocidade, muito haviam feito pela renovação das artes brasileiras. Os primeiros a ingressar no Núcleo foram Ado Malagoli, Edson Motta, João Rescala, Bustamante Sá, José Pancetti, Milton Dacosta, Borges da Costa, Joaquim Tenreiro, Jaime Pereira dos Santos, Martinho de Haro e Bráulio Poiava. Mais tarde aderiram,entre outros, Camargo Freire e os japoneses Takaoka e Tamaki. Por outro lado, Eugênio de Proença Sigaud, já formado em Arquitetura pela Escola Nacional de Belas Artes, passou a receber aulas livres de Desenho e Pintura no Núcleo, que não possuía, a rigor, professores, porém mentores – artistas mais experientes que orientavam os mais jovens, a convite destes. Funcionando, a princípio, em dependências da própria Escola Nacional de Belas Artes (como a Sociedade Brasileira de Belas Artes), o Núcleo Bernardelli viu-se despejado em 1936. Sem mais dispor dos porões em que se reuniam para ter aulas ou trabalhar, os associados ao Núcleo, quase todos pessoas humildes, sem maiores recursos econômicos, passaram a se reunir nos cafés boêmios, como o “Gaúcho”, ou em casas especializadas em materiais de pintura como a antiga “Casa Cavalier”. Em 1938, graças principalmente aos esforços de Bustamante Sá, instalou-se o Núcleo Bernardelli em sede própria – um sobrado à rua São José -, sendo eleito para a sua presidência Quirino Campofiorito. Essa fase, porém, a derradeira da entidade, que em 1940 deixou de existir, após ter cumprido, é certo, as finalidades para as quais fora criada. Além disso, também influíra na fundação da Família Artística Paulista, em 1937, sob a coordenação de Paulo Cláudio Rossi Osir, congregando membros do extinto Grupo Santa Helena. Visto a distancia, o Núcleo Bernardelli desponta como uma ala moderada do modernismo Brasileiro dos anos 30. Sintomático foi o destaque que seus dirigentes concederam aos problemas de técnica pictórica, a ponto de terem saído do Núcleo três dos mais conhecidos especialistas brasileiros em restauração e conservação de pinturas: Edson Motta, Malagoli e Rescala. Por outro lado, coube à entidade contribuir para a historia da pintura moderna brasileira, com vários nomes da mais alta importância, detentores dos mais altos prêmios nos principais Salões brasileiros. Dizia Camargo Freire, comparando o surgimento do Núcleo Bernardelli com a Semana da Arte Moderna de 22: “Em 1922 teve lugar em São Paulo a Semana de Arte Moderna, sob a influência do modernismo internacional, erudito e elitista, do agrado de reduzida minoria que assumia o controle da cultura nacional. Promovia essa minoria, diligentemente, de maneira sutil e acomodatícia, o desenvolvimento de um progressismo conveniente, sem soluções para a massa, impedida de afirmar sua participação decisiva no sistema dominante. Diferente foi o ânimo dos fundadores do Núcleo Bernardelli, que se tornaram instrumentos decisivos contra as restrições academizantes de nosso ensino artístico e pela abertura profissional, independentemente de condições socioeconômicas. Viam suas aptidões vocacionais cerceadas pela origem social. O ensino oficial que, desde a sua criação em 1816, ditara padrões à formação artística, generalizando por todo o país, não permitia, em certa medida, proceder a uma triagem através de exigências regulamentares que limitavam a iniciação artística em função do “status” social privilegiado. O Núcleo Bernardelli, como um movimento essencialmente jovem, contrariou frontalmente os preconceituosos critérios de ensino e de aferição artística, então vigentes, cujos efeitos ocasionavam um retardamento insuportável. Sua decidida atuação marca a década de 1930, com o exemplo que chegou a outros cantos do país, multiplicando-se ao longo da década seguinte”. Diário de viagem Em 1950, Camargo Freire realizou uma viagem pelo interior do país usufruindo do seu prêmio conquistado no Salão Nacional de Belas Artes em 1948. Cruzando o Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, Camargo Freire pintou, fotografou e deixou escrito, no seu diário de viagem, as impressões sobre os lugares e pessoas que conheceu. As datas começam a contar a partir do dia 15 de janeiro de 1950. Dia 15 - Dora embarcou no ônibus para São Paulo.
Estive no estúdio de fotografia do Manoel para apanhar a máquina que ele me
emprestou. Às nove e vinte o bonde partiu. Viagem normal, paisagens maravilhosas
como sempre. Felizmente no horário compareceu a Central. O rápido vinha lotado
mas com alguns lugares. Para ganhar tempo tratei de subir no primeiro carro com
uma das malas deixando-a atrás de uma das poltronas na entrada. Como não
encontrei lugar nesse carro, tive de agir com rapidez e, como resultado, os três
pesados volumes foram ficando esparramados pelo trem. Tratei, pois, de reuni-la
em um dos carros, onde fosse mais fácil. Muito solavanco e acotovelamento levei
para realizar esse desejo; mas foi um prazer sentar e olhar, de quando em vez,
os volumes baloiçando na rede. O passageiro ao lado Sr. Cícero Marinho Jucá,
cearense, fazendeiro em Garça, na Alta Paulista. Dirigia-se para Montes Claros a
fim de contratar famílias de colonos. Aparentando uns 65 anos, este senhor,
muito viajado, sabia manter uma agradável palestra. Quando lhe disse meu
itinerário com destino a Salvador pelo Rio São Francisco, passou a falar como
conhecedor, indicando os melhores vapores, o que dá melhor alimentação etc.
Descemos em Barra do Piraí e tivemos a desagradável noticia de que os trens rumo
a Belo Horizonte continuavam paralisados em conseqüência da greve.Soldados do
Exército agrupados, aqui e ali, limpavam calmamente suas armas, provavelmente
alimentando o desejo de poder usá-las. Dois outros passageiros que desembarcaram
em Barra estavam na mesma situação.Dirigiam-se à Bahia, via Jequié. Reuni então
os dois baianos e juntamente com o Sr. Cícero propus que tomássemos um automóvel
até Três Rios, único meio de transporte. A viagem de Barra do Piraí até Três
Rios não foi das piores, principalmente para mim que viajei ao lado do
motorista. Em Três Rios, quando procuramos informações na empresa de ônibus,
fomos avisados que um automóvel de aluguel voltaria vazio para Juiz de Fora e
que o motorista procurava passageiros. Conseguimos eu, os dois baianos e o Sr.
Cícero, por um preço módico, condução até aquela cidade. Viagem ótima, estrada
de primeira, asfaltada, e às 21h50 fazíamos as fichas no Rio Hotel. Às 22h30
jantamos no Restaurante Belas Artes. O Sr. Cícero foi descansar e nós três
continuamos nosso passeio pela cidade. Os dois não desejavam ficar em Juiz de
Fora. Aguardavam qualquer condução para Belo Horizonte e, de fato, conseguiram
perto das 24h um ônibus fora do horário e lá se foram os dois primos baianos que
só pensavam em Jequié. Dia 17 - Hoje fui informado que os trens já trafegam até Barbacena. Decidi tomar passagem no ônibus para Belo Horizonte e desembaraçar em Lafayete. Nesta tarde encontrei a Sociedade Antônio Parreiras e lá pintores Carlos Gonçalves, Paula, Heitor, Bigi etc. No café da esquina apareceu o Américo Rodrigues e Sílvio Aragão. Depois de bater papo fui ver os trabalhos que Aragão irá apresentar no Salão. Dia 18 - Às 7h35 deixamos Juiz de Fora rumo a Belo Horizonte. Viagem muito boa. O ônibus parou em Barbacena para almoço. Eu havia comprado passagem até Lafayete, mas quando desembarquei fui informado que, para tomar condução para Ouro Preto, seria necessário seguir até Itabirito. Continuei pois a viagem até lá; mais duas horas. De Itabirito a Ouro Preto, a viagem não é muito boa, estrada muito ruim. Mesmo assim foi agradável, graças ao espírito alegre de um judeu, o Isaac, e de um japonês que viajava para Mariana – ia atrás de um embrulho que despachara para aquela cidade, por engano, no lugar de D. Mariana, no Estado do Rio. Chegamos a Ouro Preto às 21h. Que sensação! Dir-se-ia que, ao fazer a última curva do caminho, entramos em outro século: Que maravilha! Apesar de cansado não pude dominar minha curiosidade; assim é que, depois do jantar, percorri aquelas ruas solitárias do século XVIII, revivendo os tempos coloniais. Dia 19 - Levantei-me cedo; às 8h havia começado a primeira tela, na rua Antônio de Albuquerque. Uma das coisas que me chamou a atenção foi observar que os ouro-pretanos não dão a menor atenção aos pintores, a não ser algumas crianças que param e olham. A maioria passa indiferentemente. Isso muito me agradou pois não gosto de ser observado quando estou pintando. A seguir eu pintei a “Ponte Seca”, indo depois almoçar. Depois das 3h pintei outra mancha e terminando o jantar fiz um longo passeio, visitando as igrejas de São Francisco de Assis e do Carmo; esta última impressionou-me pelas obras de grande valor artístico em madeira, pedra e pintura. O zelador, Sr.Pedro Gomes, não acredita em fantasma. Há 22 anos que toma conta do cemitério e nunca viu nada. Dia 20 - Hoje, depois do jantar, percorri as igrejas de São José e São Francisco de Paula. Reuni alguns minérios de ferro que encontrei pela estrada. Dia 21 - Amanheceu chovendo. Para não perder tempo, pintei da janela a Igreja Nossa Senhora das Mercês de cima. Depois do almoço fui pintar a igreja de Nossa Senhora do Rosário. Quando já estava prestes a terminar desabou um forte aguaceiro. Aproveitei para visitar a Igreja. A maioria dos santos titulares são pretos: São Benedito, santa Efigênia e até Santo Antônio não escapou. Descansei até a hora do jantar e realizei depois um longo passeio pela parte baixa da cidade, visitando a matriz do Pilar e rua do mesmo nome, terminando na casa do Eugênio, um pintor cá da terra. Pessoa muito viva e inteligente, desses pintores que preparam a tela, fazem o chassis, misturam o branco, fazem pincéis, moldura etc. Além disso, ele fez a caixa, o cavalete, coleciona desenhos de fechaduras, grades, móveis e outros. Saímos juntos, demos longo passeio pela cidade, terminando no café. Dia 22 - A chuva continuava; depois do café resolvi pintar da janela do salão de refeições. Quando já havia iniciado, notei que um pintor armou também o seu cavalete para pintar o mesmo trecho. Fiquei sabendo depois que o pintor era um discípulo de Guignard, o Estévão. Depois do almoço conversava com um hóspede na sacada quando vi passar a Cíntia, uma pintora americana, que tem dado o que falar às pessoas pacatas e mal intencionadas da cidade, pela sua maneira despreocupada, própria dos artistas. Falei com ela e pedi para ver seus trabalhos. Prometeu-me mostrá-los à noite ou amanhã cedo. Dia 23 - Logo depois do café fui pintar na rua Paracatu. Ventava e o vento ameaçava carregar a caixa, mas tive que concluir. Na volta, parei para pintar o “Beco do Escorrega”.Depois de ter iniciado o trabalho, forte aguaceiro o interrompeu e só pude terminá-lo mais tarde. À noite encontrei a Cíntia, que veio ver meus quadros e depois mostrou-me os seus. O Eugênio compareceu e, a seguir, percorremos o “Fundo de Ouro Preto”, a “Barra” e saímos em “Antônio Dias”. Dia 24 - Amanheceu chovendo. Às 8h30 a chuva parou; fui pintar a rua da Barra. Consegui terminar antes do costumeiro aguaceiro. Pedi a um barbeiro para guardar a caixa e fui escolher outro ponto, uma ponte no fim da rua da barra. Ao passar por um funileiro, encomendei uma chocolateira. Depois das três fui pintar a matriz do Pilar, um corte que escolhi apanhando-a por trás. Às 20h fui ao cinema e ao terminar encontrei o Estévão. Conversamos no bar; a Cíntia também lá se encontrava, na mesa vizinha, com outras pessoas. Às 23h30 apresentei-lhes minhas despedidas. Dia 25 - O tempo continuava anunciando chuva, mesmo assim, às 8h já estava a caminho de Antônio Dias. Pintei a Igreja das Mercês e dos Perdões; às 13h comprei objetos de pedra, panelas, vasos etc.Durante a tarde pintei a rua dos Pilares. O Estévão, que ficara de vir às 18h para ver os meus trabalhos, deu o bolo. Dia 26 - Hoje logo pela manhã
fui despachar os objetos de pedra e passei no marceneiro para apanhar a paleta.
Depois do almoço fui à Igreja do Carmo para pintar o interior da sacristia.
Aproveitei para visitar o Museu dos Inconfidentes, instalado no prédio onde
funcionou a penitenciaria. Percorri as diversas salas: do Aleijadinho, onde se
vêem desenhos e esculturas deste grande artista. Entalhes de altares, imagens de
madeira, cadeirinhas, liteiras, carruagens etc. estão distribuídos nas outras
salas. Às duas horas recomecei a pintar a sacristia. Quando terminei, visitei o
coro e torres desta igreja. À noite compareceu o Estévão para ver os meus
quadros. Fui depois até a casa dele para ver os seus. Mais tarde encontrei o
Délio e ficamos batendo papão até às 22h30, quando, então, fui dormir. Dia 28 - Hoje o primeiro serviço foi empacotar todas as telas para despachá-las pelo Correio. Como havia sol, saí com a máquina fotográfica para colher alguns panoramas. Após o almoço, arrumei as malas, paguei a conta, distribuí gorjetas e fui visitar a senhora do Dr. Rodrigo que estava acamada. Dia 29 - “Cinco Horas!” anunciou o empregado do hotel. Terminei os arranjos da bagagem e, às 5h30 já estava na estação. O trem chegou um pouco atrasado mas a viagem até São Julião correu normalmente. Chegamos a Belo Horizonte às 11h30; tomei aposento no Hotel Sul Americano. Um bom banho, almoço e um rápido passeio pela cidade. Fui à Pampulha, vi as pinturas de Portinari e fiquei satisfeito; foi o melhor da tarde. Depois do jantar, cinema e depois, cama. Gostei imenso de Belo Horizonte. Dia 30 - Saí cedo, fui comprar selos e postais para mandar aos amigos. Comprei também tela. Depois do almoço realizei passeios de bondes nas linhas Santa Teresa e Santo André. Dia 31 - De manhã fui à Estação para ter certeza sobre o preço da passagem, depois tomei o bonde Floresta, comprei filmes, fui até a Maçonaria e voltei para o almoço. Escrevi à Dora, fui ao cinema e voltei à Maçonaria para ver os pintores. Quando voltei ao hotel, encontrei carta de Dora; respondi imediatamente, porque na primeira carta reclamava noticias. À noite estive na Rádio Mineira, tendo antes tomado o bonde da linha Carmo. Quando passava pela rua Rio de Janeiro, deparei com o serviço Regional da Malária. Como no dia seguinte eu deveria seguir para uma região onde, segundo dizem, é fácil contrair a moléstia, procurei tomar informações sobre os preventivos. Os funcionários riram desses meus cuidados e disseram que nem pagando cinco cruzeiros não se encontrava um único mosquito, mas tiveram o cuidado de aconselhar alguns medicamentos. Dia 1º de fevereiro - Levantei às 4h, antes que o empregado batesse na porta. O trem partiu às 5h35. Minha impressão, muito antes de iniciar a viagem, era que o percurso de Belo Horizonte a Pirapora seria o pior e, agora que o trem partiu, essa impressão aumentou. Todavia, por diversas vezes durante o percurso, me surpreendi pensando: “afinal de contas, até agora nada aconteceu de desagradável, a viagem está sendo boa”. Em Carneto, ponto de que saem os ramais de Pirapora e Diamantina, veio sentar-se ao meu lado uma professora da Escola Municipal de Vargem de Palmas, como depois fiquei sabendo. No horário, talvez adiantado uns cinco minutos, o trem chegou a Pirapora. Tratei de seguir para o Hotel Brasil, o mais próximo, e o proprietário, que viajava no mesmo trem, não perdeu tempo e foi convidando os passageiros. Deixando a bagagem no hotel, dei uma volta pela cidade e fui parar no Bar Azul, onde serviam um excelente jantar. A cidade é muito escura; as lâmpadas são morteiras. Apenas num ou noutro lugar brilham com mais intensidade. Hoje um vapor deixou o porto descendo para o norte. Parece-me que dia 4, sábado, sairá outro. Dia 2 - Às quatro da manhã, dois despertadores tilintaram. Momentos depois, os que deviam embarcar no trem das cinco conversavam ruidosamente, na sala de espera do café, não deixando ninguém dormir. Os quartos não têm forro, são uns perfeitos bocks de sanatórios, conversando na sala como se falassem no meu quarto. A certa altura entrou na sala uma galinha com pintos. O barulho aumentou, os pintos piavam, o dono da casa praguejava, os hóspedes comentavam. Só pude dormir um pouco depois que o trem partiu. Às sete, levantei-me, felizmente encontrei um chuveiro e banheiro com água do rio São Francisco. Tomei uma xícara de café e saí. Estava ansioso para ver o rio, pois, de madrugada, ouvi o rumor de suas águas. Andei três quarteirões e já deparei com o grande rio. No segundo plano, via-se a ponte metálica de 694 metros; nas proximidades da ponte, o rio encachoeirado, há uma corredeira nas margens; nos riachos que deságuam no rio, lavadeiras lavam acocoradas sobre as pedras. À noite, saí em companhia de um viajante; fomos sentar no jardim e ali conversamos sobre vários assuntos. Dia 3 - Hoje, logo pela manhã,
tratei de pintar ao menos uma mancha de Pirapora. Fui ao porto e, numa hora,
manchei trecho do cais onde se vêem três vapores. Depois do almoço o calor era
abrasador. Resolvi não sair. À noite apagou-se a luz do hotel. Quando o Sr.
Raimundo, o proprietário, percebeu que as outras casas estavam acesas,
perguntou, pressurosamente, à mulher:-“Será que foi porque não paguei a luz?”.
Segui-se longa conversa no escuro. Um dos hóspedes, que fala espalhafatosamente,
discorreu até tarde numa palestra monótona e sonolenta. Dia 5 - Quando despertei hoje, estávamos parados em São Romão, a cerca de 170 km de Pirapora. Às 12h, passamos por São Francisco e aproveitei para pintar a primeira mancha, mas me arrependi muito. O povo do lugarejo, ao perceber que havia um pintor a bordo, tratou de subir para ver. Em pouco tempo, formou-se à minha volta um anel humano que quase impedia o meu trabalho. Durante o dia o calor era muito e não continuei a pintar. Passamos por Maria da Cruz, ao acabar o jantar, chegávamos a Januária, onde desembarcamos e passeamos pela cidade. Bebemos cerveja gelada, visitamos a igreja e conheci pessoalmente o fabricante da famosa cachaça desta cidade, o Sr. Claudionor Carneiro. Perguntei-lhe se ele também bebia; disse-me que não; que fabricava só para vender. O resto da noite nos entretemos falando sobre geografia. Finalmente, restávamos despertos eu e o comandante Inácio que discorreu sobre a navegação do São Francisco. Neste instante, o vapor passava por Belmonte, localidade que, pouco a pouco, o rio vai destruindo. Dia 6 - Quando despertei, estávamos em Matias Cardoso recebendo mamona às 6h. A próxima parada seria em manga, onde chegamos pouco antes do almoço. Aproveitei para pintar uma pequena impressão do lugar. Chegamos em malhada às 15h30 e, pouco depois, em Carinhanha, primeira localidade baiana, logo que passamos a divisa, ao atravessar o rio Carinhanha. Desembarquei nesse porto e, da terra, pintei o vapor, cercado por uma grande multidão de curiosos, inclusive o cabo-comandante do destacamento policial que, querendo proteger-me, ameaçou distribuir cascudo a torto e a direito. No jantar tivemos excelente peixe. Ainda no jantar, batizaram-me, como é costume a todos os passageiros de primeira viagem. O serão foi ótimo. Contamos anedotas, conversamos e lemos até às 23h, aproximadamente. Dia 7 - O vapor amanheceu em Bom Jesus da Lapa. Antes do café, fomos visitar o Santuário, que fica a uns 300 metros do porto. Na frente da igreja alinhavam-se vários mendigos, aleijados, cegos etc. Todos pediam com voz lamuriosa e cantada. A igreja é, de fato, muito linda; uma gruta na montanha toda de pedra; sala dos milagres cavada na própria rocha. Quando regressamos, os mendigos acercavam-se do vapor pedindo, desesperadamente. Em Sítio do Mato, fiz uma mancha e mais alguns desenhos. Hoje, provavelmente, chegaremos à Barra. Dia 8 - O meu companheiro de camarote acordou-me às 2h20 dizendo: “Professor, nós estamos parados em Boa Vista do Lagamarmas”. O que ele queria era acordar-me por causa do ronco, e acordou-me mais duas vezes. Disse-me que, desta vez, não pôde agüentar, que os “motores” funcionavam admiravelmente. Às 9h o capitão mandou me chamar para mostrar a Fazenda da Torrinha, terra do ministro Mariani. Mostrou-me outras fotografias sobre a inundação do rio no ano passado. Somente às 12h30 chegamos em Barra do Rio Grande. Ali observa-se a separação das águas claras do Rio Grande e das barrentas do São Francisco. Barra é das cidades de que mais gostei, apesar da sonolência que se observa no comércio que, por sinal, estava fechado para o almoço e, como não há um horário obrigatório, os que vão abrindo lentamente, como quem acorda com sono. O restante da viagem foi monótono. Só se falava de política, assunto detestável para uma viagem de férias. Deixamos Barra às 5h da tarde, rumando para Ipetuba. Infelizmente os filmes terminaram e não encontrei antes de Juazeiro. Dia 09 - Nesta noite, o vapor tocou em Chique-Chique. De manhã rumávamos para Pilão Arcado, famoso lugarejo onde viveram e ainda vivem chefes do cangaço, zona turbulenta onde fala o bacamarte dos políticos, cada um deles chefiando um numeroso bando. O comandante Hélio, antigo capitão do São Francisco, contou-me que, aparentemente, os moradores são homens pacíficos e bondosos; verdadeiras brasas cobertas de cinza. Partindo de Pilão Arcado, fizemos parada no porto de lenha e chegamos em Remanso no pôr do sol. Remanso é terra de lindas moças, pelo menos o cais estava repleto delas. Embarcou muita gente, inclusive o escritor Demóstenes Guanais, que escreveu o livro “Carnaubal”, obra que li a bordo. Logo que saímos de Remanso foi servido o jantar, que foi o pior da viagem. O vapor ficou abarrotado, redes foram estendidas pelos passadiços e as senhoritas foram metidas três em cada camarote. Dia 10 - Durante a noite passamos por Sento Sé, o maior município baiano, cuja superfície é maior que o Estado de Alagoas. Às 7h encontramo-nos em Casa Nova. O bom humor era visível em todos os passageiros porque, finalmente, hoje terminaria a nossa viagem, depois de Santana, Juazeiro, onde chegaríamos após as 14h. O porto de lenha empatou mais de uma hora, trechos pedregosos onde o vapor precisa reduzir a marcha, tudo isso fez com que chegássemos em Juazeiro às 15h30. Descendo, passei pela igreja de Juazeiro; o padre ia fechá-la, mas quando notou que era pessoa estranha, convidou-me para entrar, indagando de onde eu vinha, onde morava etc. Contou-me que ele era novo em Juazeiro, apenas três semanas. Disse-me que o outro vigário era secular e que fez apenas uma torre da Igreja e passaram-se vinte anos, sem que ele terminasse a outra torre. Depois percorri outros pontos da cidade, mas procurei deitar-me cedo. Fiquei hospedado no Hotel Brasil. Estava bem cansado. Nas últimas noites, o meu companheiro de camarote chamava-me durante toda a noite, para que eu não roncasse. Como dormir sem roncar? O mais interessante foi o sucedido na manhã do dia 10. Eu estava às 6h fazendo a barba quando ouvi o José do beliche superior chamar-me:-“Professor Camargo!” Era assim que ele fazia quando eu roncava. Reparei, então, que o safado chamava-me dormindo, sonhando. Dia 11 - Levantei-me cedo. Às 8h30 saí para o banheiro e às 9h estava no banco. Tirei várias fotografias do cais e dos carregadores de água. Ao longo do cais, as mulheres cozinham na rua, fazem manguzá, acarajé, cuscuz e outras especialidades baianas. As ruas cheiram a tempero, cheiro ativo de coentro, alecrim e outras ervas aromáticas.Visitei a igreja e outros pontos pitorescos da cidade. Há verdadeira fascinação por São Paulo; os que o conhecem falam com entusiasmo e outros ficam pensando, olhando de longe, sem ver, como se estivessem sonhando. Encontrei um louco que só falava em São Paulo e contou-me coisas fascinantes: que o Conde Matarazzo mora na avenida São Bento, que o governador do Estado é o Adhemar, que ele já lá estivera e não esquecia a fazenda Pau d’Alho onde trabalhara. Depois do almoço, tomei um “paquete” para Petrolina, no Estado de Pernambuco, do lado de lá do rio. Fui visitar o José , o companheiro de camarote que me prometera uma “imbusada”. Atendido pela mãe dele, uma senhora já idosa, mas simpática, convidou-me para entrar e chamou o filho.Este, aproximando-se, disse que, cedo esperava-me com a imbusada . Descansei um pouco e depois saímos; visitamos os dois jornais da terra : “O Sertão” e “O Farol”. O diretor do “O Sertão” foi muito gentil, recebeu-nos condignamente, levou-nos a ver as oficinas e obsequiou-nos com o “Álbum de Petrolina” de sua autoria; tomou nota para uma notícia no próximo número. O diretor do “O Farol” fez mais farol,mas também tomou suas notas, para noticiar a visita. Num bar ao lado, tomamos um refrigerante e em seguida fomos para a casa do José, onde sua bondosa mãe nos esperava com delicioso doce de leite. Depois da visita e do cafezinho, tomei a lancha e retornei a Juazeiro, às 17h precisamente. À noite, encontrei o Walter de Araújo , o baiano que surgiu no inicio da viagem de Barra. Ficou furioso por eu não o ter procurado. Dei uma desculpa, mas confesso que nem lembrara que o Walter residia em Juazeiro. Dia 12 - O trem que deveria partir daqui para Salvador, às 11h30, está atrasado 24 horas. Apesar disso, todos os passageiros fazem seus preparativos, pois os viajantes, que estavam no trem e que chegaram de caminhão pela madrugada, disseram que a linha está quase restaurada no local do descarrilamento . O trem de Juazeiro para Salvador corre de 3 em 3 dias; sempre sai cheio; para conseguir lugar é preciso pagar a um “ganhador” (carregador) para sentar no carro. No nosso caso, como ele não chegou na véspera, tivemos que esperá-lo e ocupar precipitadamente os lugares dos que desciam. Foi uma balbúrdia. E quem mais atrapalha são os que não têm nada a fazer na estação, os curiosos que vão a passeio e os que se espreguiçam, calmamente, nos bancos do trem. O mesmo acontece no vapor: quando chega ao porto, uma multidão de desocupados e mendigos sobe para bordo, impedindo os próprios passageiros de descer. Finalmente, às 13h30 saiu o trem. Esperamos cerca de duas horas para o abastecimento da locomotiva e dos condutores. Nas paradas, compra-se unhu para minorar a sede, porque água é coisa que o trem já sai sem ela. E vai-se comprando coco, mingau, café, doces, unhu, manga etc. Em Bonfim, baldeação. De Bonfim a São Francisco é o trecho pior da linha. Dormir é impossível, de tal maneira balança o trem que os do leito são atirados ao chão. Jantei no restaurante. Passei a noite inteira acordado recebendo solavancos. Foi a pior etapa da viagem desde que saí de Campos do Jordão. Dia 13 - Às 7h chegamos a São Francisco. De São Francisco a Salvador é o melhor trecho, todo encascalhado e mesmo o leito da linha é o melhor. Chegamos às 9h na capital baiana. Tomei automóvel para o Hotel Meridional e é daqui que escrevo. Posso dizer que em Salvador não me perco. Andei por vários pontos e já estou conhecendo diversos lugares. Dia 14 - Hoje, logo depois do café, tomei o bonde para Barra, com o estojo de pintura. Não sabia o que iria encontrar por lá, mas estava disposto a pintar. O primeiro ponto que me chamou a atenção foi a Igreja de Santo Antônio da Barra; infelizmente, a situação é desfavorável para pintar. Daí, segui até a praia onde encontrei um ponto que me agradou, vendo-se, além da praia com barcos, o Forte de Santa Maria; fiz a primeira mancha. Depois, seguindo sempre a pé, fui parar no Farol da Barra, que também manchei. Na parte da tarde, visitei a Igreja do Rosário e do Convento do Carmo. Escolhi um trecho na Baixa do Sapateiro para pintar amanhã ou depois. Desci depois até a cidade baixa, estive no mercado e no porto. À noite visitei a exposição do Poty, no teatro Guarany. Dia 15 - Hoje pela manhã fui à praia da Boa Viagem; pintei a igreja, segui depois até o Forte e de lá ao Bonfim. Às duas horas fui ao correio e depois trabalhei no Largo do Pelourinho. Mudei-me para a pensão Dois Irmãos. O quarto em que eu estava não era ruim, a comida razoável, o diabo é o barulho. No andar térreo funcionam tipografia e fábrica de sapatos, com suas máquinas de pontear; além disso, a dona possui uns quatro papagaios, sem falar nos pássaros e crianças. Dia 16 - Carta de Dora. Hoje pela manhã estive em Amaralina e na Pedra da Sereia, onde pintei uma em cada. Visitei jornais e encontrei o Sr. Elpídio. Conversou, perguntou muito sobre Campos do Jordão e convidou-me para um passeio de automóvel. Rodamos toda a cidade e, quando voltamos, o Sr. Elpídio, que vinha dirigindo, fez uma barbeiragem: na rampa parou o carro e, quando fomos sair, deixou afogar o motor e veio, de marcha ré, bater num bonde. Quando paramos mais adiante para ver os estragos, aproveitei para despedir-me porque percebi que daí em diante o passeio perderia toda a graça. Dia 17 - Esta manhã tomei o bonde Brotas para ver no que dava. É um percurso muito extenso e com pouco interesse. Fui ao Rio Vermelho. Chove, mas entre uma pancada e outra pintei a minha mancha. À tarde, fui para a Ladeira do Pelourinho, lugar que exerce um grande fascínio no meu espírito, dado às características puramente baianas que se observa nesse local, e ali, mais uma vez, vacilei no treco que mais me atrai: é o mais movimentado e receio pela multidão. Segui mais adiante e pintei a Escada dos Passos. Dia 18 - Desci à cidade baixa e tomei o bonde Ribeira, via Luís Tarquínio. Cheguei a Itapagipe, onde estão localizadas as Oficinas de Navegação Baiana. Pintei a Igreja de Nossa Senhora da Penha. Visitei o largo do Pelourinho. Desta vez, sendo sábado, contava que depois do meio dia o movimento cessasse. Puro engano. Mas mesmo assim não hesitei; abri meu cavalete e pintei no meio da multidão de curiosos. Correu tudo bem; apenas o dono do botequim em cuja porta eu estava encostado, é que não gostou porque eu estava pintando o boteco de frente, o rival. Agora, às 22h, sábado de Carnaval, estou no terreiro do paço, tomando uma cerveja e observando as circunstâncias: lugar aprazível e muito agradável, ar livre, árvores frondosas. Dia 19 - Tomei o ônibus para Itapuã; viagem magnífica, paisagens encantadoras. Pintei o Largo da feirinha e almocei no próprio lugar. Às 18h, após o jantar, saí para espiar o Carnaval baiano, que, no dizer deles, baianos, é tão animado como no Rio. Andei de um lado para outro e não achei assim tão animado. Basta dizer que o povo costuma enfileirar cadeiras ao longo do passeio para, sentados, apreciar o desfile Dia 20 - Hoje, amanheceu chovendo copiosamente. Ainda de manhã visitei Água dos Meninos e o Mercado da Calçada. Almocei nas proximidades do Mercado Modelo. Quando eu tomava informações sobre o lugar em que melhor se come à baiana, uma senhora convidou-me para comer na casa dela, quarta-feira, um prato à baiana que ela iria preparar para mim. Hoje eu vou ligar para ela para ficar tudo combinado. Penso em desistir; creio não ser interessante comer em casa estranha. À noite, fui ao cinema e estive apreciando o Carnaval. Dia 21 - Hoje, terça-feira de Carnaval, seria uma temeridade armar o cavalete. Estive em Água dos Meninos onde bati umas chapas. Subi uma ladeira em direção nordeste e saí no bairro da Liberdade. Lugar alto, talvez o mais alto da capital baiana. De bonde, voltei para a cidade, descendo na Rua das Flores e vindo até o centro. Visitei a Igreja de São Francisco, a mais suntuosa da Bahia e talvez do Brasil. Todos os ornamentos são dourados com ouro em folha e a parte inferior das paredes revestida de azulejo português, representando vida de santos etc. Depois do jantar, fui para a rua do Chile apreciar o desfile carnavalesco e fui assediado por uma garota loura com lança-perfumes. Respondi, mas quando ela insistiu e riu, é que eu notei que era Cíntia, a pintora americana de Ouro Preto e, conforme prometera, acabamos nos encontrando aqui. Depois do desfile, O carnaval praticamente acabou. A massa enorme procurava condução para seus bairros. Foi um “êxodo”. Dia 22 - Hoje, pelo que diz o boletim do Lloyd, deve ser véspera de minha partida, se bem que eles não podem precisar. À noite fui ao circo onde assisti ao Humberto Simões. Dia 23 - De manhã, fui ao Lloyd mas ainda não havia ordem de vender passagens. Ao meio dia, fui ao Museu do Estado e visitei o Dr. Valadares, diretor. Percorri rapidamente as salas, não são muitas e o Museu é relativamente pequeno. À noite fui à Barra. Dia 24 - Às 8h30 já estava no escritório do Lloyd. O encarregado das passagens já foi dizendo: - “Só amanhã”. Amanhã lá estarei novamente; que remédio! Essa situação já está me enervando. Desde segunda-feira que não tenho pintado, tudo por causa dessa famosa passagem. Telegrafei ao Diretor do Ginásio e à Dora antecipando que, provavelmente, sairei dia 26, o que ainda é duvidoso. À noite, estive na pastelaria Triumpho. Dia 25 - Hoje pela manhã desabou violento temporal sobre a cidade. Mesmo assim não deixei de comparecer ao escritório do Lloyd, onde numerosas pessoas aguardavam passagens para o Rio. O encarregado disse que ainda não recebera aviso de Cuiabá, não podendo por isso vender passagens. Lá permaneci até às 10h, quando chegou o Sr. Geraldo Dannermam e disse-me que eu voltasse às 15h. O jornal “Diário de Notícias” publicou uma nota sobre a minha permanência nesta capital. Às 14h30 já estava no Lloyd; muita gente, confusão; incrível! Entreguei minha carteira de identidade e depois de uma hora e meia, finalmente, fui atendido. Voltei para o hotel. Estava chupando laranjas na janela quando desabou a parede do prédio vizinho sobre a ala direita da pensão. Foi uma coisa impressionante: gritaria, faniquito, mas, felizmente, nenhum acidente. O Sr. Camerindo com a família ficou isolado no quarto que ocupava e foi retirado pelos bombeiros. Dia 26 - Às 6h todos os hóspedes foram despertados pelo empregado do hotel para avisar-nos que o café seria na pensão Bahia. Logo depois do café, procurei saber se o Cuiabá havia chegado e fui informado de que até o momento não. O Cuiabá só chegou às 15h. Voltei para o hotel e tomei um banho seguindo para bordo às 17h30. Partimos às 19h como era previsto, exatamente quando jantávamos. Até às 23h conversamos e bebemos cerveja. Para os passageiros sem cômodos como eu, a saída foi repousar na sala de música. Dia 27 - Depois da noite mal dormida na sala de música , despertamos às 6h30, acordados pelo tenente Mesquita. Café e palestras no tombadilho. O resto do dia foi sem novidades. O português Almeida, um prestidigitador amador, estava ardendo para demonstrar suas aptidões . Proporcionei-lhe esta oportunidade, apresentando-o a uma jovem , que logo chamou outra e mais outra, envolvendo-o e pedindo-lhe que fizesse aparecer o lenço ou sumir a moeda. Estudei um pouco no decorrer da tarde e à noite formamos uma roda de anedotas. Pouco antes da meia noite, passamos pelos Abrolhos. Dia 28 - Hoje, às 15h, passamos
no largo de Vitória, o tempo melhorou um pouco, o que permitiu avista-se a
cidade que se delineava ao longe. Nesta noite houve uma pequena festinha para
comemorar a nossa chegada ao Rio, que se daria no dia seguinte. Dia 1º de março - Hoje a alegria estava estampada nas faces de todos. Às 5h da manhã, avistamos o farol de São João da Barra e às 7h passávamos pela frente de Cabo Frio. Depois de passarmos Cabo Frio ninguém mais abandonou o convés. Às 10h, lá ao longe, aparecia a silhueta do Pão de Açúcar, que veio crescendo, crescendo até às 14h, quando passamos pela sua fralda Nota 1: Em seu diário de viagem,
o professor Camargo Freire fez as seguintes anotações complementares: Nota 2: Todos os dias o professor Camargo Freire fazia anotações de gastos de viagem, incluindo refeições, conduções, esmolas, gorjetas, lavanderia, jornais, cartas, cinema etc. CAMARGO FREIRE, AOS OLHOS DE QUEM O VIU Camargo Freire vê, em Campos do Jordão,
a essência das coisas em boa interpretação de síntese. Percebe-se no pincel a
apreciável ajuda do cérebro. Daniel Fonseca – Jornal do Brasil – Rio. Forte, consciencioso, assinando três quadros cada um mais equilibrado, todos marcados por um verde seguro e belo, está Camargo Freire neste Salão de 1947. “Nuvens sobre o Vale”, para mencionar o trabalho que mais me agrada, basta para dizer da sensibilidade e do talento deste pintor de excelente escola. Camargo Freire está, por todos os títulos, merecendo especial atenção de quantos acorram às galerias do Museu Nacional, a fim de admirar os expositores da nossa mais importante mostra de artes plásticas. Lopes da Silva – Brasil-Portugal – Rio – 1947. Camargo Freire, por sua vez, possui
mérito inegável. Suas preocupações construtivas são ainda tímidas, dadas as
restrições que lhe são impostas, mas não há dúvida, é um desses pintores que
podem atingir um plano elevado. Preocupa-se com a composição de suas paisagens,
o que não é comum entre os artistas da sua Divisão, que permanecem fiéis aos
padrões anteriores a Cézanne. Antônio Bento – Diário Carioca – Rio E assim foi que o paulista voltou a São Paulo e Campos do Jordão foi o seu destino. Camargo tornou-se o intérprete mais fiel da luz do seu novo berço, a terra onde seu corpo e a sua alma se renovaram para uma batalha nova, em suas telas de atmosfera branda e seca, os verdes desdobrando-se em gamas saborosas, a amplidão estendendo-se na vertigem das linhas de fuga, na sucessão dos curiosos perfis das “lombas”. A riqueza dos tons e dos ritmos do relevo, a impressão de grandeza, o vento e o sol escorrendo sobre o veludo das frondes, o ar limpo, o sossego, a pureza, a simplicidade são os predicados intrínsecos de sua pintura. Há uma perfeita integração do artista ao tema, dando uma impressionante beleza às telas que,por gostar e por querer mostrar gratidão pela cidade, Camargo Freire pinta enamoradamente. Barbosa Leite. E Camargo Freire, perdido lá na Serra da Mantiqueira, recorda-me os longos meses que ali passei, com ele, em busca da saúde perdida. “Arredores de Abernéssia” e “Alto do Lajeado”, nomes de lugares que, para tantos olhos, são apenas nomes, fizeram ressurgir do fundo do meu coração saudades mortas, companheiros desaparecidos, dias de desespero e longas noites de angústias passadas naquele “Sanatório Popular de Campos do Jordão”. Que mistério, que ar triste, talvez reflexos da sensibilidade do pintor, pairam nas telas! Como é poderosa a memória dos homens. São nomes, indicações frias para muita gente. No entanto, para mim, quantas reminiscências! Ary de Andrade – 1944. “O Homem do Morro”, de Camargo Freire, é uma boa composição, com uma cabeça expressiva e bem interpretada, situada num fundo apropriado. Do mesmo artista, há uma paisagem forte nos planos e nos volumes. A Noite Ilustrada. Há, entretanto, entre eles alguns ótimos pintores como esse Camargo Freire, cujas telas nos falam de Campos do Jordão, mas de um Campos do Jordão visto através de uma autêntica sensibilidade artística, o que lhe valeu a mais do que merecida Medalha de Prata. A Casa – Revista do Lar – 1945. Laureado pelo Salão Nacional de Belas Artes, com o prêmio de Viagem ao Estrangeiro, o pintor Camargo Freire, de Campos do Jordão. É ele professor de Desenho no Colégio Estadual dessa cidade, tendo conquistado a distinção após perseverante trabalho, que apresentou naquela competição de arte. Falando à imprensa carioca, depois de ter sido homenageado no próprio Colégio onde exerce o Magistério, Camargo Freire não pôde esconder a alegria de que estava tomado, vendo seu esforço de artista recompensado com a conquista de tão honroso galardão. O quadro com que ele concorreu ao Salão de Artes denomina-se “Namorados”, um óleo onde se sobressai, em tintas de um colorido humano admirável, a poética simplicidade de um casal apaixonado. TUDO – Revista Quinzenal – 1957. Ao projetar entre nós o nome desse exímio mestre, faço-o como uma sadia contribuição aos apreciadores da boa pintura. Pois, adquirir um quadro desse artista é enriquecer a mais suntuosa das residências; e quem possui um quadro seu, ao ser apreciado por um “expert” em arte (mesmo sem precisar identificar a assinatura do autor) certamente há de exclamar: “Esse é um Camargo Freire!”. Américo Ítalo Naso. Já retornou a Campos do Jordão, onde vive e trabalha, o aplaudido pintor Camargo Freire, que mereceu a Medalha de Prata no Salão de 1945, do qual, em verdade, era um dos expositores mais credenciados. Camargo Freire é um artista clássico dos mais inspirados, dono de uma técnica segura e que, graças a sua excelente formação artística, tem produzido alguns quadros dignos de láureas. É que, embora fiel à escola acadêmica, Camargo Freire estuda, busca novos recursos e consegue, assim, fugir da rotina em que se apega uma fração alta de paisagistas brasileiros. As telas que o estudioso pintor expôs no presente salão atestam bem o seu avanço, a segurança e emoção que marcaram Camargo Freire é, indiscutivelmente, uma esperança da nossa pintura, sendo lícito esperar muito da sua capacidade criadora. Lopes da Silva – Brasil-Portugal – 1946. A exuberante paisagem de Campos do
Jordão encontrou em Camargo Freire, prêmio de Viagem pelo País, no salão
Nacional de 1948, um dos seus mais fiéis e característicos pintores. Camargo
Freire está radicado na montanha há mais de oito anos, daí a grande intimidade
do artista com a paisagem. De Campos do Jordão, com seus variados motivos
pitorescos, têm saído os maiores e mais felizes quadros do pintor, como “Vila
Maria”, “Jaguaribe” ou “Nuvens sobre o Vale”. Outra coisa não faz mais do que
seguir rumo indicado pelo seu primeiro mestre, o pintor Luís Franco, que
apontava a natureza como ponto de partida. Laureado já com diversos prêmios nos
nossos melhores Salões de pintura, Camargo Freire, pintor da natureza de Campos
do Jordão, é um artista honesto, que sabe amar sua arte numa cativante modéstia.
Paulo Dantas – 1949 Camargo Freire foi o maior divulgador de nossas belezas naturais. Durante 50 anos suas telas reproduziram o verde das matas, os pinheiros erectos, o azul do firmamento as nuvens altas, as montanhas, os vales, os campos do Jordão. Suas paisagens, espalhadas pelo Brasil e Exterior, são mensageiras permanentes da exuberância da Estância. Um dia Camargo Freire apareceu no Palácio Boa Vista; havia recebido uma encomenda, de uma Galeria do Rio, de 25 quadros de montanhas de Campos do Jordão. E queria pintar a Pedra do Baú lá do Palácio, onde sabia, se descortina a melhor vista da Pedra. Coloquei à sua disposição o terraço do pavimento superior. Mas Camargo Freire não voltou: adoeceu e não teve mais condições de manusear o pincel. Ficou frustrado (talvez a única vez de sua vida) em não atender a encomenda. Arakaki Masakazu. Oração do Paraninfo Camargo Freire Certa vez, um orador, nesse mesmo palco, referindo-se à minha pessoa disse que eu sou uma pessoa simples. Confesso que nunca recebi maior elogio. Simplicidade é o mesmo que naturalidade, sinceridade. Principalmente, sinceridade é o que nós, artistas, procuramos transmitir aos nossos trabalhos. Sem sinceridade, não existe arte. Quando o grande Mestre Cézanne dizia:-“Não devemos copiar a natureza, mas apenas representá-la”, ele queria dizer que deveríamos simplificá-la ainda mais, embora a natureza seja, em sua essência, uma coisa simples; nós é que procuramos complicá-la. Há tempos um artista do Rio de janeiro, aqui estando de passagem, observou que muitas pessoas moradoras em Campos do Jordão não me conheciam como pintor; sabiam apenas que eu lecionava no Ginásio. Este meu colega ficou bastante admirado e disse:-“Você parece um caramujo, vive sempre dentro da casca”. Pois bem, este ano, senhoras e senhores, o “caramujo” saiu da casca. Acontecimentos relacionados com a minha vida artística forçaram esta saída e conferiram-me certa evidência, a ponto de me colocarem aqui, neste palco, dirigindo-vos a palavra. Se até agora tenho-me esquivado de receber as carinhosas homenagens que, em várias ocasiões, a vossa bondade me tem distinguido, não é por falsa modéstia , ou por ter outra razão que aqui não possa explicar. É, em primeiro lugar, por temperamento, ou melhor, por acanhamento, oriundo do ambiente austero em que fui educado; a exagerada autoridade dos meus responsáveis foi, pouco a pouco, restringindo, limitando, reprimindo as minhas expansões infantis. É possível que seja essa a razão que me impeliu para a pintura, onde, tranqüilamente, posso pintar os meus quadros, sem contato direto com o público. Admiro as pessoas comunicativas, entusiastas, prazenteiras, que, em qualquer lugar e por qualquer motivo, tomam conta do ambiente, alegrando-o e tornando-se o ponto de interesse. Acho que a educação de uma criança deve ser orientada no sentido de torná-la sociável, expansiva, prestativa, para que não venham a ser criaturas inibidas, embaraçadas durante toda a vida. Dirigindo-me agora aos meus afilhados, darei alguns conselhos, usando termos e elementos pertencentes à disciplina que leciono: o Desenho. Que leciono sem brilho,sem o preparo, sem a cultura dos meus ilustres colegas, que possuem um diploma de Filosofia, e cuja presença no corpo docente do Colégio é motivo de orgulho para todos nós. A emoção é grande potência da arte, a finalidade do artista é expressar emoções, a obra de arte surge quando o manancial de emoções do artista é expressar emoções, a obra de arte surge quando o manancial de emoções do artista está deliberadamente transfigurado pela sua arte. Ressaltando um acidente, submetendo outro, eliminando o que não é essencial e desenhando tudo isso com ritmo, o seu trabalho é simplesmente uma reação emotiva, criada pela sua impressão visual. Vemos isso nos grandes artistas do passado. Rafael nos emociona pela elegância e suavidade de suas linhas. Miguel Ângelo pelo impressionante volume de suas formas. Rembrandt pelo mistério de suas luzes e sombras. Veronês pela exuberância de sua cor. Velásquez pelo grandioso equilíbrio de seus espaços. Vocês, também, meus afilhados, dentro da esfera de suas atividades, no campo de ações, poderão igualmente despertar emoções como Rafael, pela elegância e suavidade no trato para com seus colegas, para com os seus companheiros de trabalho e até para com seus concorrentes. Como Miguel Ângelo, pelo impressionante volume de boas ações que podem e devem pôr em prática. Como Rembrandt, pelas suas luzes e sombras; mais luz do que sombra; muita luz para clarear suas atitudes; um pouco de sombra para ocultar da mão esquerda o bem que, com a direita, podem e devem fazer. Como Veronês, pela exuberância do colorido, podem e devem colorir suas ações, colorido adequado e bem matizado. O simbolismo das cores é grande e belo, mas cuidado! Não pintem tudo de azul. Há o verde da esperança, o vermelho que tanto simboliza o amor, como a guerra, o roxo, que é paixão – e o homem apaixonado é perigoso. Ainda que a paixão seja benigna, é um estado mórbido: cuidado! Como Velásquez, pelo grandioso equilíbrio de seus espaços. Nas suas vidas também há espaços para tudo, mas saibam preencher esses espaços com trabalho, estudo , perseverança, divertimentos, descanso e com um pouco de boa vontade para com seus semelhantes. Assim como as cores têm seu significado, a linha, um simples traço feito a lápis, tem também sua força de expressão e, conforme a forma que damos a esse traço, assim estamos exprimindo, graficamente, as nossas emoções. Caríssimos afilhados, a circunferência é o símbolo da igualdade e perfeição. Em suas ações, lembrem-se dessas qualidades da circunferência. Tracem com mão firme uma reta e procurem segui-la. As curvas surgirão, mas uma concordância perfeita poderá evitar as inflexões da direita ou da esquerda. Situações angulares, obtusas ou agudas, devem ser contornadas. O ângulo reto é seguro e positivo; com ele devemos regular nossa vida. Esbocem uma ampla perspectiva do futuro, transponham a linha de Terra e com os olhos fitos na linha do horizonte, sigam! Não pelo ponto acidental de fuga, mas pela linha que conduz ao ponto principal! Os romanos, conhecendo a força expressiva da linha vertical, erigiam os obeliscos ou altas colunas para comemorar os seus grandes feitos. Simbolicamente, podemos dizer que a linha vertical é traço de união entre o céu e a terra, linha de ascensão, de estabilidade, de permanência, de permanência, de dignidade e força. A linha horizontal é a imagem da paz, tranqüilidade e descanso, é a linha que nivela.Tudo o que se apóia na linha horizontal não está nem mais alto nem mais baixo, mas no nível. Isto nos ensina que somos da mesma origem e que participamos da mesma essência, dos mesmos direitos, que somos todos irmãos. Se tratarmos estas duas linhas – a vertical e a horizontal – cortando-se perpendicularmente, o efeito desse desenho tão simples é de uma vigorosa expressão dramática, não só pelo que cada uma delas significa, mas também pela imagem da Cruz que ambas representam no desenho. A Cruz, que é símbolo sagrado do Cristão, que através dos séculos inspira e orienta os que têm fé. Vocês, prezados afilhados, mantenham-se firmes em vossas crenças, mantenham-se firmes em vossa fé, sigam pela vida imitando os exemplos daquele que, dignificando a Cruz, sobre ela expirou. Camargo Freire -
Resumo Biográfico Cronológico GOUVEA, Carlos. Biografia de Camargo Freire |