Chuveirinho - Década 1950


Chuveirinho - Década 1950 - FS284 - 01

Na foto histórica da década de 1950: o saudoso casal Sr. Eduardo Salles e sua esposa Dona Egídia, proprietários do tradicional e saudoso "Chuveirinho" - com sua tradição culinária e seu salão de bailes.

Em Vila Capivari, na Rua Dr. Ribeiro de Almeida, até meados dos anos setenta, durante aproximadamente três décadas ou mais, morava o casal de quituteiros mais famoso de Campos do Jordão, o seo Eduardo Salles (1886-12/02/1973) e sua esposa a Dona Egídia (1904 - 15/09/1973). Nesse mesmo local, hoje está sediada a badalada Boate Mister Jones.

Nesse local, além da residência do casal, havia uma enorme cozinha rústica, com enorme fogão de taipa movido à lenha, umas duas mesas grandes com bancos e cadeiras. Na parte de fora, em dois locais com cobertura própria, havia dois enormes fornos de barro, também movidos à lenha.

O casal, Eduardo e Egídia, ele natural de Itatiba, ela de Conchas, cidades do Estado de São Paulo, pessoas simples, praticamente caboclos brasileiros, sempre muito amáveis e de uma simpatia contagiante, ficou muito famoso por seus quitutes e iguarias, verdadeiras delícias de nossa culinária tradicional. Eram procurados, constantemente, por pessoas da cidade e turistas, amantes da culinária simples. Magistralmente, preparavam para atender aos inúmeros pedidos leitões, frangos, carneiros, cabritos e patos assados e, dependendo da exigência do freguês, desossados. Esses assados, cuidadosamente preparados nos fornos de barro supramencionados, eram solicitados e procurados, com maior freqüência, por ocasião das festas tradicionais de Páscoa, Corpus Christi, juninas, Natal e Ano-Novo, além das diversas outras festas, especialmente de aniversários e casamentos.

Além desses assados, que maravilhosa e divinamente preparavam, confeccionavam para atender aos pedidos ou para serem vendidos avulsamente, salgadinhos diversos, como coxinhas de galinha, empadas de frango e palmito, croquetes, bolinhos de bacalhau e muitos outros, para serem degustados no próprio local, acompanhados de simples, fraco e delicioso café que ficava no grande bule de ágata azul em cima da chapa do fogão à lenha. O café era especial, feito de grãos cuidadosamente torrados no local e socados no tradicional e velho pilão de madeira. Lá na casa do seo Eduardo e da D. Egídia tinha “café no bule”, como costuma dizer o famoso apresentador de programas de televisão “Ratinho” do SBT.

Fabricavam, também, com rara habilidade, deliciosas roscas, daquelas trançadas e cobertas com caldinha de limão e grãozinhos de açúcar cristal, pães de diversos tipos, bolos de fubá, doces tradicionais, como cocadas diversas, doces de abóbora, batata-doce, até curau e pamonha, além de muitos outros.

Tanto as roscas como os salgadinhos, pães e doces eram vendidos, também, pelo seo Eduardo, de porta em porta, das casas situadas nas principais vilas da cidade. Eram transportados a pé, acondicionados em enormes cestas de bambu e vime, ou, dependendo das grandes distâncias a serem vencidas, por intermédio dos ônibus circulares da Empresa Hotel dos Lagos.

O local, muito tradicional e muito concorrido, era tido como uma sala de visitas de jordanenses e turistas. Em quase todas as horas do dia e, às vezes, nas primeiras horas da noite, sempre alguém lá estava batendo um bom papo com o casal e seus ajudantes e se deliciando com as iguarias que iam preparando. Meus pais mantinham com o casal uma amizade muito antiga e duradoura. Numa determinada época, décadas de cinqüenta e sessenta, passamos a morar muito próximos. Constantemente, íamos visitá-los à noite, por volta das vinte horas. Ficavam conversando animadamente durante muito tempo. Eu, garoto entre treze e dezesseis anos, sempre ia acompanhando-os. Embora não participasse muito da conversa, ficava sempre à espera dos deliciosos salgadinhos e doces que o casal me oferecia. Pessoas importantes, industriais, empresários, políticos, profissionais liberais, de São Paulo, Rio de Janeiro e de diversas outras cidades, que mantinham casas de férias aqui em Campos do Jordão, eram freqüentadores assíduos da casa do seo Eduardo e da D. Egídia, quando de suas estadas na cidade.

Entre essas pessoas, lembro-me com muita clareza do conhecidíssimo, diplomata e político, advogado, industrial, professor, importante figura de nossa história brasileira, o benemérito e respeitado Embaixador José Carlos de Macedo Soares (06.10.1883 – 29.01.1968), de saudosa memória, admirador e assíduo freqüentador de Campos do Jordão, desde época primordial, dono de tradicional mansão situada na avenida que, posteriormente e merecidamente, homenageia-o com seu nome; local onde hoje está situado o “Center Suíço”. Sempre que podia estar na cidade, costumeiramente trajando seu tradicional terno escuro, colete do mesmo tecido, traspassado por uma corrente de ouro ou prata ligada ao famoso e elegante relógio que era transportado em um de seus bolsos, camisa branca e gravata, além do habitual chapéu “Prada ou Ramezzoni”, como habitualmente dizemos, ia bater o ponto lá na casa do seo Eduardo. Lá, passava horas e horas conversando, ouvindo casos e histórias da vida simples do casal, rindo e divertindo-se muito; enfim, fazendo um grande “relax”, aproveitando para saborear os quitutes e iguarias que iam sendo preparados nessas oportunidades, “delícias para se apreciar, saborear e degustar rezando”, como dizia um amigo de longa data.

Como mencionamos, morávamos nas proximidades da casa do seo Eduardo e da D. Egídia, eqüidistante também do Embaixador, como costumeiramente era tratado (as distâncias não excediam duzentos metros uma da outra); em diversas oportunidades encontrava-me com ele, elegantemente vestido, no trajeto entre sua casa e a casa dos amigos que, com certeza absoluta, muito estimava. Em todas essas oportunidades, mesmo sendo eu apenas um garoto, sempre me cumprimentava muito gentilmente. Além dessas históricas e saudosas atividades do casal, como gostavam de festas, mantinham com muito carinho e dedicação, em frente a essa cozinha e fornos, um grande e simples salão de madeira, inclusive piso, com cobertura de telhas de barro, com madeiramento à vista. Era fechado nas laterais e fundos. Na lateral direita de quem olhava de frente, havia duas janelas que, nas épocas mais quentes, eram abertas para dar maior ventilação ao salão. Sua frente, parcialmente fechada em toda a sua extensão a uma altura aproximada de um metro do chão, era arrematada com tábuas de trinta centímetros de largura, na posição horizontal, tomando a forma de um quase balcão, e contava com duas pequenas portas, uma dando acesso ao salão propriamente dito e outra, a um pequeno palco onde, às vezes, um pequeno conjunto musical se exibia.

Nesse salão, em diversas oportunidades previamente agendadas, eram realizados muitos bailes tradicionais e comemorativos, especialmente de festas juninas, carnaval, fim de ano, aniversários e outras datas. Na época das festas juninas, além dos bailes típicos, como o casamento caipira e a dança da quadrilha, havia a tradicional fogueira, queima de fogos, batata-doce assada, pipoca e quentão. Os bailes, normalmente, eram abrilhantados ao som de músicas de discos feitos de massa especial, de 78 rotações e, posteriormente, LPs (long-plays) feitos de vinil e, em algumas oportunidades especiais, por pequenos conjuntos musicais locais e de cidades vizinhas.

Aquele quase balcão, mencionado, existente na frente do salão, era muito disputado pelas pessoas que iam somente apreciar as festas. Nesse balcão se debruçavam e ficavam horas a fio observando a movimentação e a animação dos dançarinos. Como o madeiramento que suportava o telhado desse salão era à vista, estava facilmente visível, bem no centro do salão, a tesoura principal de madeira, suporte de todo madeiramento e telhado. Um detalhe importante: entre essa tesoura e o piso, a altura era de aproximadamente um metro e oitenta. Normalmente, a maioria daqueles que iam lá dançar e se divertir não tinha nenhum problema em passar por debaixo da viga longitudinal da tesoura. Ela não representava para estes o mínimo problema.

Um fato a registrar, muito comentado e aguardado na época, por todos aqueles que ficavam debruçados somente apreciando o baile. O Hélio Manoel Fernandes, o conhecido Helião, esportista e caminhoneiro daquela época, pessoa de estatura privilegiada, com um pouco mais de um metro e oitenta e cinco, quando ia aos bailes e saía dançando, sempre que ia passar sob essa viga de madeira, era obrigado encolher as pernas e abaixar a cabeça, evitando batê-la na dita cuja viga. Esse fato era motivo de muito riso e muita brincadeira por parte de todos os seus amigos. Essa viga ficou conhecida como a viga do Helião.

Outro detalhe importante que, na realidade, é parte importante do nosso título e que tornou o local muito mais conhecido, está também relacionado a essa cobertura do salão desprovida de forro. Na época das chuvas, aqui denominada época das águas, que vai dos meses de setembro a março, aproximadamente, era muito comum a ocorrência de diversas goteiras naquele salão. Daí, não escapando da boca dos “gozadores” que passaram a chamar o lugar de Chuveirinho, razão do nome constante de nosso título.

Lamentavelmente, essas e outras relíquias importantes e maravilhosas de nossa cidade, de nossa história e cultura vão, aos poucos, desaparecendo, dando lugar para coisas novas, muito diferentes, sofisticadas e modernas, desprovidas daquela simplicidade, do carinho, do aconchego e da amizade que encantou as gerações passadas. As atuais não nos dão a certeza de que estarão, no futuro, sendo relembradas com admiração e saudades, como as de nossa época.

O Helião, pessoa maravilhosa e amiga, felizmente, ainda se encontra entre nós. É uma das valiosas testemunhas daquela época inesquecível.

Infelizmente, o seo Eduardo e a D. Egídia, há muito tempo, foram convocados para auxiliar na elaboração e confecção de banquetes especiais, para alegria de todos aqueles que, juntamente com os querubins e anjos, estão radicados no Universo celestial à espera daqueles que foram bons e se distinguiram em alguma especialidade, profissão ou atividade, durante todo o tempo em que ficaram aqui nestas paragens terrenas. Para nós que aqui permanecemos por prazo desconhecido, resta somente a nossa eterna saudade.

OBS: Foto gentilmente cedida pela amiga Iracema Soares (Esposa do saudoso José Soares, mais conhecido como Zé do Caruso)

 

 

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