O caboclo brasileiro: Jeca Tatu
Jeca Tatu é o estereótipo do caboclo brasileiro do século XX. Criado por Monteiro Lobato e imortalizado na figura de Mazzaropi, o personagem ganhou ares de identificação nacional.
O criador Monteiro Lobato
Nascido de uma rica família na cidade de Taubaté (São Paulo) em 1882, José Renato Monteiro Lobato, mais tarde José Bento Monteiro Lobato, se caracterizou por ser o maior escritor infantil do Brasil. Com destaque para a série do "Sítio do Picapau Amarelo" e pelo personagem Jeca Tatu. Alfabetizado desde cedo, logo desenvolveu gosto pela leitura e pela escrita.
Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1904, levou-o a prestar o Concurso e assumir o cargo de Promotor em Areias, no Vale da Paraíba. Durante este meio tempo, Lobato escrevia para jornais e revistas, fazia caricaturas e desenhos. Em 1911, volta para Taubaté com sua esposa Maria Pureza da Natividade e seus filhos para assumir o controle da Fazenda Buquira, deixada por seu avô, o Visconde de Tremembé.
Dono de personalidade agressiva e forte, Lobato em sua carreira acadêmica e pessoal, atacou e enfureceu muitas pessoas. No seu discurso de graduação, fez que vários presentes se ofendessem e se retirassem da sala. Em 12 de novembro de 1912 o Estado de S. Paulo publica a carta "Velha Praga", que Lobato enviara a redação.
Em "Velha Praga" Monteiro Lobato critica o caboclo brasileiro, a ignorância que o caracteriza e a responsabilidade social que torna-o incapaz de progredir a agricultura na região. A carta causou polêmica nos círculos sociais. Logo depois publicava "Urupês", o primeiro trabalho em que aparece a figura do Jeca Tatu.
O tipo Jeca Tatu
Jeca Tatu é o retrato do homem do interior. Sem estudos e sem conhecimentos, é incapaz de se desenvolver economicamente. Lobato em primeiro instante, critica a ignorância do tipo, acreditando que a situação socioeconômica se deve exclusivamente ao próprio caboclo, e classifica-o como praga nacional.
O Jeca de Lobato sofria com as doenças da época, como o amarelão, não possuía hábitos higiênicos, vivia descalço, plantava apenas o necessário para a sobrevivência. Alcoólatra e magérrimo, o tipo assustava todos que cruzavam com ele. Ao contrário da idealização que os caipiras brasileiros vinham sofrendo no período modernista da arte do país, Monteiro Lobato criou o personagem menos utópico e mais próximo da realidade.
Mas, conforme o escritor passou a estudar mais o caipira, ele percebeu que o homem do interior era assim devido ao descaso do Estado para com suas necessidades, sua educação, à mercê do atraso econômico e da miséria. Como ele passou a dizer mais tarde: "Jeca não é assim, está assim."
Almanaque do Biotonico, ilustração de J. U. Campos
Este conto foi adotado como peça publicitária do Laboratório Fontoura. Adaptado em história em quadrinhos ou na forma de folheto, ou ainda fazendo parte de almanaques, teve até os anos 60 uma tiragem de cerca de 18 milhões de exemplares. Há testemunhos de que sua leitura transformou a vida de muita gente.
Tal constatação levou esse escritor nada convencional e crítico a buscar pela modernização do país e pelas lutas sociais. Como mostra, por exemplo, as várias prisões que por suas polêmicas declarações e também por ser um dos primeiros a defender a construção de poços petrolíferos no país e a nacionalização destes.
Na quarta edição de "Urupês", Monteiro Lobato se desculpa com o homem do campo.
- Um país não vale pelo tamanho, nem pela quantidade de habitantes. Vale pelo trabalho que realiza e pela qualidade da sua gente. Ter saúde é a grande qualidade de um povo. Tudo mais vem daí. Monteiro Lobato
Um pouco da história do Jeca Tatu - Por Ana Lucia Santana
Jeca era um caipira de aparência desleixada, com a barba pouco densa, calcanhares sempre desnudos, portanto rachados, pois ele detestava calçar sapatos. Miserável, detinha somente algumas plantações de pouca monta, apenas para sua sobrevivência. Perto de sua habitação havia um pequeno riacho, no qual ele podia pescar. Sem cultura, ele não cultivava de forma alguma os necessários hábitos de higiene.
Residente no Vale do Paraíba, em São Paulo, região muito arcaica, era visto pelas pessoas como preguiçoso e alcoólatra. A questão da saúde transparece no enredo quando um médico, ao cruzar o seu caminho, passa diante de sua tosca residência e se assusta com tanta pobreza. Notando sua coloração amarela e a intensa magreza, decide examinar o caboclo.
O paciente se queixa de muita fadiga e dores corporais. O doutor então diagnostica a presença de uma enfermidade tecnicamente conhecida como ancilostomose, o famoso amarelão. Ele orienta Jeca a usar sapatos e a tomar os remédios necessários, pois os vermes que provocam este distúrbio orgânico introduzem-se no corpo através da pele dos pés e das pernas.
A vida de Jeca muda radicalmente. Ele se cura, volta a trabalhar, reduz a bebida, sua pequena plantação prospera e o trabalhador se torna um homem honrado pelas outras pessoas. A família Tatu agora só anda calçada e, portanto, saudável. É assim que Monteiro Lobato denuncia a precária situação do trabalhador rural; ele revela que medidas simples poderiam transformar este cenário sombrio. Este personagem se torna o símbolo do brasileiro que vive no campo.
COMENTÁRIO - de Edmundo Ferreira da Rocha
As páginas do Almanaque “Jeca Tatuzinho” que vou publicar a seguir, com a história da autoria do grande escritor Monteiro Lobato, são do meu exemplar adquirido no ano de 1963, quando da compra de um vidro do famoso “Biotonico Fontoura”. Nesse ano o livreto já estava na sua 32ª, com uma tiragem de 33 milhões de exemplares. Eu já conhecia esse livreto desde o ano de 1947. Foi o primeiro personagem de Monteiro Lobato que conheci. Não sabia ler, mas adorava ver as figuras do Jeca Tatu. Ficava sempre pedindo para meu pai ou minha mãe ler a história do Jeca Tatu.
Eu tomei o biotonico por recomendação médica do saudoso pediatra Dr. Nathanael Silva. Ele, durante as décadas de 1950 e 1960 prestou seu dedicado e competente serviço de médico pediatra junto à Casa da Criança de Campos do Jordão, pertencente ao Sanatório São Vicente de Paulo, o conhecido Sanatório do Padre Vita, onde foi Diretor Clínico. Posteriormente mudou-se para a cidade vizinha de São José dos Campos onde continuou seu sacerdócio médico, atendendo, inicialmente, na Clínica Prontil e depois, em sua Clínica e consultório médico. Na Casa da Criança de Campos do Jordão foi sucedido pelo grande e saudoso médico pediatra Dr. Franklin Alckmin Bueno Maia, de saudosa memória, que, fora amigo, discípulo e companheiro do Dr. Nathanael Silva até o fim da vida. O saudoso Dr. Nathanael foi um médico que dedicou sua longa e profícua vida à medicina, especialmente na área da pediatria. Para ele não existia dia ou horário para atender todos aqueles que necessitavam de seus categorizados serviços profissionais. Atendia em dias normais, em sábados, domingos ou feriados. Normalmente, começava a trabalhar por volta das cinco horas da manhã e somente parava para descansar, depois de atendidos todos que o procuravam para solução de problemas de saúde, com seus filhos, sobrinhos ou netos. Dificilmente deixava a clínica antes das dez horas da noite. Trabalhou nesse ritmo até pouco tempo, com mais de noventa anos de idade.
Na época em que me receitou o biotônico, no final da década de 1950, embora já sendo um adolescente, quase adulto, já havia me acostumado ao convívio e aos diagnósticos certeiros do Dr. Nathanael. Para mim, na época, o fortificante biotonico foi muito bom, fiquei, realmente, mais forte e disposto.
|