Na foto de junho de 1984, tocando acordeão, com certeza, uma animada polca alemã, o saudoso alemão de nascimento e jordanense de coração Werner Ruhig. gentilmente cedida pelo amigo Peter Böhme.
Werner Ruhig foi um dos tripulantes do famoso navio alemão Windhuk que, no dia 21 de julho de 1939 partiu da Alemanha com destino à África do Sul, transportando 400 passageiros e 250 tripulantes. Os passageiros tinham como objetivo participar de safáris ou negócios comerciais. Já em plena África do Sul terrível a notícia do início da Segunda Guerra Mundial no dia 01 de setembro de 1939. Em plena Guerra o navio Windhuk passou a ser perseguido e teve que fugir das embarcações da marinha inglesa e, por isso, acabou por desviando a sua rota de retorno, aportando primeiramente em Angola e depois, acabou ancorando no porto de Santos no dia 07 de dezembro de 1939. Terminada a guerra no dia 02 de setembro de 1945, depois de ficarem aprisionados em campos de concentração no Vale do Paraíba, muitos, no de Pindamonhangaba de 1942 a 1945, foram libertados. Vários desses tripulantes vieram para Campos do Jordão para trabalhar nos tradicionais e maravilhosos - Hotel Toriba e Grande Hotel. Cada um tripulante do navio tinha as suas especialidades profissionais.
Vários desses alemães que pertenciam à tripulação do navio Windhuk vieram para Campos do Jordão – 34 ao todo. Para cá vieram graças à intervenção do também alemão Henrique Hillebrecht, visando ao aproveitamento da mão de obra ociosa dos alemães do Windhuk. Destacaram-se no ramo da hotelaria, especialmente nos hotéis Toriba e Grande Hotel, na época de sua propriedade comercial, como músicos, barmen, cozinheiros, garçons, maîtres d´hotel, gerentes de hotel, cabeleireiros, confeiteiros. Graças ao Sr. Henrique Hillebrecht, esses alemães fincaram as primeiras estacas da infraestrutura hoteleira de Campos do Jordão. Trabalharam em diversas atividades ligadas ao ramo da hotelaria e do bom atendimento ao turista.
Os tripulantes do navio alemão de 17 mil toneladas, com 176 metros de comprimento, 22 de largura e 9,6 de calado, da Deutsche Afrika Linien e da Woermann Linien, denominado Windhuk, que zarpou de Hamburgo, na Alemanha, em 21 de julho de 1939, para iniciar sua rota normal, oceano adentro, jamais poderiam imaginar que, por alguma fatalidade, muitos anos mais tarde, haveriam de interligar-se à história de Campos do Jordão.
Werner, também, trabalhou por algum tempo no Grande Hotel de Campos do Jordão. Posteriormente, a partir do início da década de 1950, juntamente com sua esposa D. Euphida Ruhig, montou aqui em Vila Abernéssia a saudosa, tradicional e inesquecível “Boate 1.003”. Era uma casa noturna, com bar e pista de dança. Foi estabelecida na Rua Brigadeiro Jordão, 1.003, responsável pelo nome famoso. Foi um local muito conhecido e procurado pelos boêmios e amantes da boa música, da dança, da tranqüilidade, dos lanches especiais, dos encontros amorosos e até dos encontros de amigos para bater um bom papo, tomar alguma bebida e degustar iguarias especialmente preparadas pelo casal. Permaneceu em pleno funcionamento durante mais de duas décadas, aqui em Campos do Jordão.
No interior dessa casa noturna denominada Boate, três cômodos interligados abrigavam várias mesas e bancos, normalmente duplos, para que os casais pudessem se sentar juntos, ouvir uma boa música da época – Ray Conniff, Billy Vaughan, Paul Mauriat, Glenn Muller, Pat Boone, Ray Charles, Frank Sinatra, Johnny Mathis, Dick Farney e Lucio Alves, Nelson Gonçalves, Silvio Caldas, Carlos José, Agnaldo Rayol, Agnaldo Timóteo, Francisco Petrônio, Cauby Peixoto, Renato e seus Blue Caps, Sérgio Mendes, Ângela Maria, Elizeth Cardoso, Maria Bethânia, Gal Costa etc.
Na sala do meio, a mais ampla de todas, havia uma pequena pista de dança, onde os casais apaixonados podiam dançar de rostos colados e até dar uns beijinhos furtivamente, sempre se escondendo dos olhares atentos e rigorosos do Werner que, sempre, se preocupava e muito, em manter a boa reputação da sua casa noturna.
Nessa sala, no teto, havia um céu especialmente desenhado, com uma pequena lua e várias estrelinhas, que também iluminado por uma pequena luz azulada, dava um efeito bastante bonito e inesquecível.
Nessas salas, a iluminação já era bem diminuta, com lâmpadas coloridas e acondicionadas em lustres feitos com pequenas rodas de carroças.
O Werner, além de ser o dono da Boate 1.003, trabalhava com a Frida, sua esposa, praticamente sozinhos no local.
A Frida comandava o bar e a música através do pequeno amplificador de som e de um antigo toca-discos que executava as músicas dos discos LP e compactos de vinil, e também ajudava na preparação dos drinques e lanches preparados hábil e maravilhosamente pelo Werner.
A Frida era uma pessoa boa e gentil, porém muito séria e que se mantinha quieta em seu local de trabalho, não dando muita oportunidade para conversas.
Na época, os drinques mais solicitados e que eram preparados com maestria pelo casal eram: cuba-libre (mistura de rum com coca-cola), HI-FI (mistura de crush ou suco de laranja e vodka), Gin-Fizz (mistura de gin, suco de limão e soda), whisky souer (mistura de whisky, suco de limão e açúcar, servido em taça de coquetel incrustada de açúcar), Dry Martini (vermute seco, gelo e uma azeitona espetada no palito), Daikiry (rum branco, limão e açúcar), Bloody Mary (vodka, gotas de limão e molho inglês, sal, pimenta-do-reino branca moída a gosto) e muitos outros, além da tradicional cervejinha servida em garrafas pequenas, para não ficar com aquele aspecto de botequim barato.
A parte comestível era preparada, também, com muito carinho e habilidade. Para acompanhar qualquer bebida, o Werner sempre servia os seus famosos amendoins torrados e salgadinhos, preparados por ele com maestria, com um segredinho que, uma noite, ele muito discretamente me contou: antes de serem colocados na assadeira para torrar, eram passados em clara de ovo batida em neve e adicionado o sal, tomando o cuidado para não torrar em excesso. O misto-quente, o churrasquinho servido no pão francês, o bauru e o americano, todos eram divinos. Uma iguaria servida magistralmente e com o toque de um “chef” alemão, disputadíssima nas madrugadas, era o Beef-Tartar, iguaria feita com carne moída crua, temperada com salsinha, cebola, pepino em conserva, alcaparra, mostarda e azeite e era servido com pão de forma ou pão francês cortado em fatias e manteiga.
Que saudade do 1.003, do Werner e da Frida. Lá passei bons momentos de minha vida e, tenho certeza absoluta, muitos, igualmente, passaram momentos inesquecíveis naquele local maravilhoso. Werner foi uma pessoa maravilhosa e um grande amigo.
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