- Foto do famoso quadro do grande pintor Expedito Camargo Freire, o pintor da paisagem de Campos do Jordão, mostrando a famosa, tradicional, histórica e importante Fazenda da Guarda, baseada em foto do início da década de 1920. Esse quadro era de propriedade do saudoso amigo Tom Eisenlohr e, com certeza, está com suas filhas.. A Fazenda da Guarda estava localizada na área que há muitos anos, desde a década de 1940, pertence ao tradicional Parque Estadual de Campos do Jordão - Horto Florestal.
O Quebranto da Guarda
1-A Fazenda da Guarda
1.1.
O professor Balthazar de Godoy Moreira, descendente de Balthazar de Godoy, Capitão-Mor e Governador da Província de São Paulo, nascido em Pindamonhangaba, em 13 de janeiro de 1898, filho do Cel. Antonio Amador Bueno de Godoy e Maria José Monteiro de Godoy, escreveu as suas “Memórias da Fazenda da Guarda”, editado em 1969, pela Sociedade de Amigos de Pindamonhangaba, com outra denominação .72
Não há melhor trabalho que o do professor Balthazar Godoy Moreira sobre aquele histórico posto avançado nas divisas de São Paulo e Minas Gerais.
“Já era então, o tempo de meu avô, Antonio de Godoy Moreira e Costa, que nasceu em 1785, antes do Martírio de Tiradentes. Viu o Brasil passar de Colônia a Reino, e de Reino a Império”.
O avô conhecera os Campos, como eram então conhecidos, desde a mocidade, e construiu a casa de Fazenda, entre a Galharada e o Sapucaí, vivendo os inesquecíveis tempos da Guarda.
“Antes que se instalasse a Guarda, já o nome Guarda pertencia ao lugar. Por que Guarda? Porque ali, em certa ocasião, se fixara um piquete de guardas, quando incerta ainda a divisa de Minas e São Paulo, em um ponto estratégico, uma vez que o Vale do Sapucaí era o caminho para o Alto da Serra e para o Paraíba”.
Seria um posto fiscal? indaga Balthazar.
É possível que fosse uma barreira, onde se cobravam os impostos nas fronteiras dos Estados.
No tempo da mineração, apesar da vigilância da Coroa, o ouro filtrava do sertão para o litoral, por caminhos desconhecidos.
Descoberto por ali, o tráfico de ouro, na divisa das Capitanias, a Coroa deve ter instalado um posto fiscal. Esta seria uma versão a aceitar. Há outras, porém.
Separadas as Capitanias de São Paulo e de Minas, perdendo São Paulo imenso território, descoberto pelos bandeirantes taubateanos e pindenses, os paulistas não admitiram que os mineiros “viessem espiar o Vale do Paraíba, dos cimos da Serra”.
Não desejavam os seus lares devassados, começando daí séria rixa, entre as Vilas Reais de Pindamonhangaba e Itajubá, com freqüentes atritos e escaramuças.
Geograficamente, a região era de Minas, mas os pindenses tinham posse ali, e dali não queriam sair.
Os mineiros chegaram a invadir Pinda, com duas escoltas, em abril de 1814, em momento de grave rebeldia.
Na realidade, a turra era mais de mineiros e pindenses, do que das Capitanias de São Paulo e Minas Gerais. Foi por isso que, em 11 de setembro de 1790, o Guarda-Mor, Ignácio Bicudo de Siqueira escrevia ao Capitão General da Capitania de São Paulo, “dando conta de sua diligência e da experiência que conseguiu em sua viagem aos Campos da Serra da Paraíba, e pedia ordens e beneplácito para repartir as terras devolutas, dando a cada família as suas posses, para terem as suas sesmarias, de conformidade com o que lhes tocava”.
Balthazar de Godoy Moreira ignorava os termos da resposta do Governador, mas é provável que, entre os contemplados, já se achava Ignácio Caetano, que, durante muitos anos, viveu ali, segregado com seus dois filhos, e que apesar de mineiro, reconheceu os direitos de Pinda, ficando ao lado de São Paulo.
Ignácio queria uma sesmaria de 6 léguas de testada. Foi nessa época que apareceu o taubateano Costa Manso, que tomou partido de Minas, acendendo velha rixa entre Taubaté e Pinda, e menos entre paulistas e mineiros.
No ano de 1790, quando era grande a exaltação, o Governador da Capitania de São Paulo oficiou à Câmara de Pinda, recomendando prudência, na questão das divisas, e em 7 de março de 1804, o Conselho Municipal de Pindamonhangaba oficiava ao General Governador da Capitania contra os moradores da Vila Itajubá, por violarem as divisas, em documento assinado por Manoel Paes Domingues, Felipe José da Silva e Antonio Roiz Ferreira.
Parece que nenhuma providência foi tomada.
Os pindenses, porém, inconformados e armados subiram a Serra para se postarem em algum lugar estratégico, que pudesse impedir a invasão dos mineiros.
Balthazar de Godoy Moreira fundamentou essa assertiva, no ofício que o Secretário do Governador da Capitania de São Paulo dirigiu, em 15 de julho de 1803, ao Capitão-Mor Ignácio Marcondes do Amaral, de Pindamonhangaba, aprovando a idéia da instalação da Guarda do Capivari (era assim chamado o rio Sapucaí, acima da Cachoeira dos Diamantes) na “extrema da Capitania”, e onde o Governador ordenara a prisão de João da Costa Manso, que fazia o jogo dos mineiros: “devendo o mesmo ser remetido para a Capital, seguro”.
Aqui, a origem mais correta da denominação da Guarda.
O contingente era constituído de jovens da sociedade pindamonhangabense, alguns dos quais receberam estudos militares, compondo a Guarda de D. Pedro I.
A Guarda cortou o avanço dos mineiros, mas as rixas prosseguiam, nas quais envolveu-se o próprio avô de Balthazar, Antonio de Godoy Moreira e Costa, que fora logo nomeado pelo Governador da Capitania de São Paulo, Ajudante do Capitão-Mor Ignácio Marcondes do Amaral, considerado por Balthazar o consolidador daquela região aos paulistas, e ao qual até hoje não se lhe fez justiça, em Campos do Jordão.
Em 1815, o Conde de Palma, Governador de São Paulo, oficiava novamente à Câmara de Pinda, pedindo calma para o conflito, que perdurava, e em 1820 remetia novo ofício: Pinda deveria protestar, mas cessar o conflito.
Já ao tempo da Província, em 1822, o Governador de S. Paulo ordenava ao Capitão-Mor da Vila de Pindamonhangaba para que “prenda os súditos que provocam conflitos com os mineiros, na questão de limites, de modo que sejam condenados na forma das Ordenações, Livro 5°, Titulo 67º”.
Esses acontecimentos todos motivaram a instalação da Guarda, à margem do Sapucaí, esclarece o prof. Balthazar de Godoy Moreira, em sua obra exemplar.
Os ânimos serenaram-se quando os mineiros se conformaram com a posse dos pindenses sobre o território de Campos do Jordão: “Campos do Capitão-Mor ou de Ignácio Marcondes é que deveriam ser. Bravo e indomável paulista! Foi o único que conseguiu tirar uma fatia do território mineiro, para lá da Serra da Mantiqueira!”
Antonio de Godoy Moreira e Costa desejava adquirir terras naqueles campos lindos; esteve em outros sítios da região, no vale da Tabatinga, nos Serranos, onde havia moradores esparsos, no Moreira, por onde passava o seu caminho para a Graminha.
Ignácio Caetano faleceu e seus filhos resolveram dispor das terras.
Como o Brigadeiro Jordão teria conhecido os Campos?
O Cel. Antonio Amador Bueno de Godoy informou que o Brigadeiro soube da existência dos campos através do Cel. Manoel Marcondes de Oliveira e Mello, 1° Barão de Pindamonhangaba.
É possível que o Cel. Manoel Marcondes, quando moço, estivesse na Guarda, conhecendo os Campos, durante a questão das divisas entre as duas Capitanias.
E era filho de Ignácio Marcondes do Amaral, o lutador. Conta Balthazar que, certa feita, corria o boato de que os mineiros iriam investir, mais uma vez, ao que o Cel. Marcondes, teria dito:
- Pois que venha, que eu subo a Serra!
Daí a origem da expressão “subir a Serra”, como significação de estado colérico.
Por outro lado, o Brigadeiro Jordão esteve em Pinda, em agosto de 1822, ficando hospedado no sobrado do Monsenhor Marcondes, pelo Barão de Pindamonhangaba.
Ali teria recebido informações sobre os Campos.
O Brigadeiro e o Barão devem ter se encontrado outras vezes, pois eram amigos, desfrutando das boas graças do Príncipe. Ambos acompanharam Sua Alteza, na jornada da Independência, ouvindo o grito histórico.
O Brigadeiro Jordão comprou, então, por 10 contos de réis, as terras, mandando edificar a sede da Fazenda, onde hoje é Vila Capivari, sendo que a residência existiu até 1920.
O Brigadeiro faleceu antes de conhecer a Fazenda.
Feito o inventário do Brigadeiro, por sentença lavrada pelo juiz de órfãos da Comarca de São Paulo, em 22 de setembro de 1830, a Fazenda Natal abrangia todo o Município de Campos do Jordão e uma parte de Minas,sendo avaliada em 20 contos, tocando 5 contos a cada um dos herdeiros: Ana Eufrosina, Amador, Manoel e Silvério, filhos do Brigadeiro.
Por escritura de 29 de maio de 1855, Manoel Rodrigues de Lacerda Jordão e sua mulher, venderam o seu quinhão ao avô de Balthazar, Antonio de Godoy Moreira e Costa, e seu irmão, José de Godoy Moreira e Costa.
Os dois irmãos, co-proprietários, tomando posse das terras, convencionaram, amigavelmente, que a gleba de Antonio iria do atual ribeirão do Ferradura, onde havia o Potreiro das Éguas, até as vertentes do Galharada, pela margem direita do Sapucaí, e pela margem esquerda do mesmo rio, dos Correntinos à bacia do ribeirão do Paiol.
A José caberia o resto, que era maior parte, a bacia de todos os afluentes da margem direita do Sapucaí, a partir do Casquilho, incluindo o Charco, onde havia a casa.
Não só o avô, mas também o pai de Balthazar, com um punhado de escravos, passaram a criar gado nas pastagens daquelas lombas. Não havia cercas: só a marca registrava a propriedade, o ferro candente e o corte nas orelhas.
O gado era tratado na Guarda, onde havia um retiro. Não havia lavoura, só criação de gado.
A Vila Capivari era chamada, naquele tempo, de “O Jordão” e os Campos eram a região toda, dobrando a serra.
A Guarda, para Antonio de Godoy Moreira e Costa ficava nos Campos, e não nos Campos do Jordão, e em Pinda, ninguém dizia: “Vou para os Campos do Jordão”, mas “Vou para os Campos”.
As trilhas foram se delineando, segundo as pegadas do gado para as querências, afora a estrada de Pinda, que, na realidade, era um carreiro para se trilhar a cavalo.
A estrada de Pinda descia até a Fazenda em reta. Outra trilha ia Sapucaí acima até a Casa Velha, e daí pelos vizos das lombas ao Potreiro das Éguas e ao Jordão, com uma derivação aos Correntinos e para a Água Santa e os campos do Serrano.
A outra, vadeando o Sapucaí, subia ao Capão dos Papagaios, ondulava pelos altos e ia até o Paiol.
Outra ainda, continuação da estrada de Pinda, subia a Galharada, cortava-o e galgando a lomba do Faxinal, atingia o Casquilho, e depois do Espraiado, do Serrote e da Serra Chorona, chegava-se, finalmente, ao Charco.
Eram os caminhos principais.
Antonio de Godoy Moreira e Costa e Antonio Amador Bueno de Godoy, avô e pai de Balthazar, não mantinham residência fixa na Guarda; passavam temporadas de dois meses, no máximo, afora as visitas curtas de vistorias, ficando o Retiro entregue a um capataz.
Os pretos que vieram a Campos, vinham da Fazenda Graminha, de Pinda.
“No tempo do meu avó, até o meio do século, havia missas todos os meses e o oficiante era o Padre João de Godoy, meu tio-avô. Depois de 1920, houve horta na Guarda.
Diziam que o clima não permitia a horticultura. Bobagem. Os campeiros só se alimentavam de leite e carne.”
Em novembro de 1889, o Cel. Antonio Amador Bueno de Godoy estava na Guarda. Depois do dia 20, desceu, e só então, na serra, cruzando com um seu amigo, ficou sabendo que o Brasil já não era mais Império.
Ficou revoltado, e disse:
- “Cachorros! Não esperava isso do Deodoro. Caduquice, não pode ser de outro modo. Vão acabar com o Brasil!”
Nunca perdoou os republicanos.
Uma das primeiras pessoas que esteve na Guarda, excluindo as do círculo familiar, foi o Padre Pedro Nolasco César, vigário de São Bento, que muitas vezes, visitou a Fazenda.
Também lá esteve o vigário de Pinda, o Padre Tobias, os Bueno de Pinda, da mesma família desse sacerdote (o coronel Benjamin, o Dr. Dino Bueno) sempre apareciam nos Campos.
Na Guarda não havia capela; só havia um oratório da família, tosco, que está no Rancho Sto. Antonio, de Oscar Ribeiro de Godoy.
Capela só houve depois de 1935, ou por aí, no tempo dos Kok.
Tornou-se costume gravar, à ponta de faca, o nome do visitante nas folhas das portas de entrada ou das janelas.
Tornou-se tradição. Quase todos da família inscreveram os seus nomes, Francisco de Godoy Moreira e Costa, formado pela Escola Politécnica de São Paulo, em 1899, Antonio de Godoy Moreira e Costa, bacharelem direito, em 1894.
Antonio de Godoy, poeta e delegado de polícia. Plínio de Godoy Moreira e Costa, mais tarde deputado estadual, federal e senador.
As inscrições eram manuscritas ou em letras de forma, individuais, ou em casais ou grupos: Sinhô, filho do Dr. Gustavo de Godoy, Juca, Sinhozinho e Armantina, filhos e nora de Nhá Minica, Dino Bueno, lente e diretor da Faculdade de Direito de São Paulo, Presidente interino do Estado, Cel. Virgilio Rodrigues Alves, Francisco de Paula Rodrigues Alves, “o maior dos presidentes do Brasil”.
“Conheci-o velhinho, conta Balthazar, com o seu redingote de gola de cetim e o pincenez, feio como uma múmia, mas ainda ereto e cheio de dignidade”.
Martiniano de Godoy e Marieta, Alberto Godoy que se inscreveu na Marinha, e tomou parte na Revolta de João Cândido, em 1910. “Foi excluído, mas não sofreu muito, graças a tio Elias, que era amigo do Marechal Hermes”.
João Thomaz Monteiro, tio e dentista prático.
Feliciano era capataz, a muito tempo, do Retiro, e seus filhos eram Rogério e Pérsio.
Feliciano era casado com Minervina, uma mulata alta, e tinha muitos filhos. O Dr. Miguel de Godoy e seu genro, o embaixador Pedro de Moraes Barros.
No canto de cima da porta, lia-se Luiz Pereira Barreto, médico insigne de São Paulo, por volta de 1908 ou 1909. Morava na rua Apa, perto da praça, onde está a sua estátua, em modesta casa de porta e duas janelas.
“Era amigo de meu pai”.
Costumava dizer:
- “Amador, uma noite aqui, vale tanto como uma temporada na suíça. Isto é uma maravilha, Amador. Se formos vivos, vamos, daqui a trinta anos, quando houver meios de comunicação, assistir os milagres feitos por este clima”.
Foi o Dr. Luiz Pereira Barreto, dono de uma fazenda em Louveira, que mandou para a Guarda, mudas de ameixeiras, macieiras e pereiras.
Também mandou mudas de uvas que não deram resultado. Também os Marcondes Machado foram aparecendo depois de 1910, e se registrando na porta: o Dr. Manoel Ribeiro Marcondes Machado, pindense, chefe do Gabinete Médico Legal de S. Paulo.
Foi um patriarca, chefe de uma grande família.
Apanhou logo o misterioso quebranto da Guarda.
Um de seus netos, o Dr. Oscar Ribeiro de Godoy é dono do Rancho Sto. Antonio. Médico humanitário. Assistia aos pobres e era médico da família.
O Dr. Gustavo de Godoy esteve várias vezes nos Campos, e a última vez, pelos idos de 1896. Ficava no Retiro.
Conhecia o valor terapêutica do clima de Campos do Jordão.
Popular e benquisto, a medicina lhe dera lucros indiretos: elegeu-se deputado estadual, senador e vice-presidente do Senado. Foi um parlamentar que colaborou com Emílio Ribas para o saneamento de São Paulo.
Foi Secretário do Interior no Governo do Dr. Jorge Tibiriçá. Quando estava nos Campos os caboclos da redondeza, vinham consultá-lo. Receitava numa mezinha: chá disso, chá daquilo com gotas disso ou daquilo, pequenas intervenções cirúrgicas e fórmulas de pequeno custo.
E eles diziam:
- Doutor bão é o Dr. Gustavo, cura sem a gente ir na botica.
Outros nomes: Emílio Ribas e seus filhos Paulo, José, Felix e Ruth.
Entre os poucos livros que existiam na Guarda, destacava-se a História de Napoleão, em três volumes encadernados.
Outros nomes, também, estiveram na Guarda; Hildebrando, Abílio, Zuza, Jorge Marcondes Machado, Trajano Marcondes Machado e América, Camilo Pena e Zenobia, Cornélio Pena, autor de vários romances e que na Guarda vivia fazendo monjolinhos para o Oscar Ribeiro de Godoy. Faleceu no Rio.
Paulo Setúbal, querido do público daquele tempo, (até 1930) doente na Vila, escreveu “Confiteor”, Mario Canto, Ignácio Romeiro Judice, Braz Esteves, Alexandre Marcondes Machado, engenheiro, Octaviano Marcondes Machado e Pequenina.
Estiveram, ainda, José Antonio Marcondes Machado, Sinhá. Eugênio Bicudo. Antonio Judice, Pedro de Godoy, o Pedroca, que se suicidou, ferido de amor por Hebe.
Um dia em 1887, a tranqüilidade da Guarda foi abalada: ia chegar uma pessoa muito importante da Coroa, parente do Imperador. O Conde d’Eu, ouvindo maravilhas a respeito dos Campos, manifestou o desejo de conhecê-los. Foi convidado.
Era o genro do Imperador, um ídolo lá no Rio e era esposo da Princesa Herdeira do Trono.
O Conde cobriu, de uma sentada, à distância de Pinda à Guarda. O almoço seria na Graminha, onde saltou do carro, curioso da paisagem, o chapéu alto, o guarda-pó de alpaca, as calças de xadrezinho, as luvas cinzentas.
A viagem, serra acima, foi pelas Bicas, tendo chegado à Guarda, à tardinha. S. Alteza ficou no quarto da frente, dos donos da casa. Um banho quente foi tomado no bacião, a troca de roupa e o hóspede se apresentou para o jantar.
Um dos aparadores que figuravam neste histórico jantar, encontra-se em São Paulo, em casa do Dr. Oscar Ribeiro de Godoy.
“Meu pai teria dito:
- Sua Alteza deve estar cansado.
- Não Capitão. A jornada foi longa, mas não me fadigo facilmente. Habituei-me durante os penosos dias...”
E passou a falar sobre as exaustivas marchas no Paraguai, na campanha das Cordilheiras e na batalha de Peribubuí.
Era um homem pouco expansivo e isolado.
À noite, bem dormida, reanimou o ilustre visitante, e achou ele que a região era digna de ser conhecida.
Bebeu leite com algumas gotas de conhaque, ao pé da vaca.
Passeou a cavalo com o anfitrião, vadeando pelo Sapucaí, pelos lados do Capão dos Papagaios e do Paiol.
Fez uma caçada.
Dois dias passou o consorte da Princesa na Guarda, querendo tudo saber da região. Não se soube das razões que o levaram à Guarda.
Quando um membro da família Godoy visitou o Castelo D’Eu, neste século, perguntou se o Capitão Amador de Godoy estava vivo.
Revogado o exílio, ele esteve mais tarde no Brasil, tendo Amador de Godoy o visitado no Grande Hotel, à rua São Bento.
Sobre esse episódio, o Capitão Amador dizia:
-A visita para uma coisa me serviu. Para eu criar coragem, forrar e retocar a casa, serviço que eu queria fazer, mas estava sempre adiando.
A Guarda dos antigos dias, cheirando a mangueira, ia desaparecendo. Era, então seu proprietário, o industrial H.J. Kok, de Piracicaba.
Administrava-a o jovem André Kok, que se casou com Maria Bela, coincidentemente, da família Godoy.
A alma de algum Godoy deve ter propiciado a aproximação.
Reformaram a residência, sem nada perder de suas linhas coloniais.
O Visconde do Rio Branco também foi hóspede ilustre da Guarda, fazendo a viagem em dois dias, vindo do Rio e pernoitando na Fazenda Graminha.
Ao contrário do Conde D’Eu, procurava alívio para a enfermidade, vindo acompanhado de seu médico, Dr. Bandeira de Mello.
Foi de caleça de Pinda à Graminha, e a cavalo da Graminha até a Guarda.
O anfitrião, Antonio Amador Bueno de Godoy, não sabia o seu mal; se tuberculose ou câncer.
Pernoitou na Graminha, e logo cedo, subiu a serra pelas Bicas. Houve grande correria na Guarda para preparar a casa do ilustre visitante.
Ficaram, ele, a Viscondessa e a filha uns vinte dias na Fazenda. Foi comemorado na Guarda o aniversário do importante visitante. O Visconde, apesar da alta posição, era muito afável.
Durante a festa, houve uma efusão de brindes e até uma champagne francesa - a única que estourou na Guarda no século XIX.
Notava-se, porém, que após os brindes, as pessoas, escondendo os rostos, levantavam rápido, e saíam da mesa.
Indagado, o Dr. Bandeira de Mello, respondeu:
- Não se incomode, Capitão. Não é nada com o Senhor.
É que este, é, talvez, o último aniversário do Visconde. Eles sabem, ficam comovidos e não se podem conter.
O Visconde não recuperou a saúde na Guarda, mas readquiriu forças e esperanças, com o ar oxigenado das montanhas.
Avistando, do Vale do Casquilho e do Retiro, a paisagem, o Visconde dizia:
- Isto é uma maravilha, Capitão. É lindo. Pena que não seja conhecido. Mas tome nota: tempo virá em que todas essas montanhas, como as da suíça, estarão cheias de herdades e de hotéis, para a vilegiatura dos ricos.
Trilhos de ferro cortarão esses vales e o apito das locomotivas acabará com esse gostoso silêncio.
Escreveu Balthazar de Godoy Moreira que, a menos de meio século, veio a Estrada de Ferro Campos do Jordão, confirmando a profecia do Visconde do Rio Branco.
A mais remota lembrança de Balthazar, sobre a Guarda, data de janeiro de 1907.
Depois regressou, por volta de 1914, e se pôs a decifrar os nomes gravados na porta, ainda uma vez, e eis que lá encontrou - Quissak.
Ernesto Quissak, pintor e escultor. Morreu como professor de desenho na Escola Normal de Guaratinguetá. Júlio Mesquita Filho, Dr. Victor Godinho, Assis Brasil.
Balthazar registrou que na Guarda, saía um jornalzinho “A Guarda”, precursor dos jornais de Campos do Jordão; era manuscrito, com figuras e registrava acontecimentos locais, com mais brincadeiras que fatos.
Mesmo as notícias, eram quase todas apócrifas, e foi uma pena que ninguém de numerosa família Godoy houvesse guardado um exemplar.
Além do jornal, conta da Companhia Peru: não era uma empresa comercial e tampouco teatral, ainda que tivesse ido ao palco várias vezes.
“Era uma empresa de fuzarcas, da qual faziam parte os rapazes da geração, quase todos parentes”. Pessoas importantes, assistiam as nossas comédias e até Guiomar Novaes assistiu-as, rindo e divertindo-se.
Contando 86 anos, o Cel. Antonio Amador Bueno de Godoy, pai de Balthazar, foi pela última vez ao Retiro, e passou pela Guarda, que já não mais pertencia à família.
“Olhou para tudo aquilo pela última vez, com que saudade, com quantas lembranças em sua alma, com quantas velhas e queridas visões em sua retina?
Caçou veados na Galharada. Não deu um tiro, mas foi com sua espingarda, a bandoleira, velha também, de muitos anos, de muitos tiros...
A Guarda também estava a findar-se. Depois de minhas funções de inspetor escolar, arremata Balthazar de Godoy Moreira, cheguei um dia, outra vez à Guarda.
A manhã estava linda. Uma daquelas manhãs inaugurais de Campos do Jordão, que parecem agora empreitadas pelo Departamento de Turismo.
Manhã em que se sente a alegria de Deus.
Fui encontrando tudo alinhado, manso, a mata, o capim, a estrada, tudo edificadinho. As beiras do Sapucaí, um jardim.
A grama saída de um instituto de beleza. O auto dobrou, passou a ponte, fez a curva e oh!...
Não estava mais ali a casa. Não havia mais a Guarda. Um montículo de gramado e era tudo.
Fiquei comovido, como diante de um túmulo querido. O túmulo da Guarda e de tudo que ela conteve e foi.
Cem anos de nossa família estavam ali sepultados, no pé das paredes derruídas, na poeira daquele chão, onde soaram os passos de todos os meus queridos ancestrais.
Espectros deveriam pairar ali, no sitio que tanto amaram, onde em criança brincaram, moços sorriram e amaram, tiveram alegria e tristezas, e elevaram preces a Deus.
Pensei neles todos e rezei baixinho, pedindo que nos perdoassem a nós todos, seus filhos, netos, bisnetos, que não pudemos, ou talvez não soubemos conservar na posse de alguém da família, o teto que foi o seu lar, o seu querido lar. Acabou-se a Guarda!”
Deus guarde a alma gentil e extraordinária do prof. Balthazar de Godoy Moreira, pelo perfil magnífico que traçou da Fazenda da Guarda, extraindo-a do silêncio e guardando-a na memória dos homens.
1.2.
Outra publicação rememorou a visita do Conde D’Eu 73 à Fazenda da Guarda: a 17 de abril de 1875, o Conde d’Eu, acompanhado de Domenico Barral e do Conde Carlos d'Ursei, Secretário da Legação Belga, dirige-se a Pindamonhangaba, em São Paulo, com destino à Fazenda da Guarda, em Campos do Jordão, onde, a convite de seu proprietário, Tenente Coronel Antonio Amador Bueno de Godoy, tomou parte numa caçada de veados, efetuando-se o seu regresso a Petrópolis, em 28 do mesmo mês.
A Fazenda da Guarda situada em Campos do Jordão, fazia divisas, no cume da Serra da Mantiqueira, nas vertentes do Rio Sapucaí-Guaçú; possuía a área aproximada de 2.000 alqueires, e era inteiramente dedicada a pecuária.
Na região, abundavam quase todas as espécies de animais selvagens, e daí o grande interesse da caça, principalmente do veado, um dos grandes atrativos da propriedade, tornados ainda mais agradáveis pela fidalguia do proprietário.
Por ocasião da visita do Conde d’Eu, foi feita completa remodelação do solar, sede da Fazenda, com a colocação de soalhos e forros, com tábuas de pinheiros serrados, à mão, no próprio local.
Para as caçadas, dispunha a estância de excelente cavalhada, boas selas, numeroso canil, formado de cães “veadeiros” e pessoal habilitado para a orientação da “corrida”, com o toque das buzinas e trombeta de caça.
Os preparativos iniciaram-se antes da data marcada, pois havia necessidade de ferrar os cavalos, pôr em ordem as celas e amestrar os cães.
Na véspera, era cuidadosamente preparado o farnel, com virado de feijão, carne de veado, farofas, etc... depois conduzidos pelos cargueiros, que partiam antes do sol raiar.
Os componentes da caçada, recebiam instruções dos mais experimentados para a perfeita colocação dos “carreiras” ou “esperas”, pontos de passagem obrigatória da caça.
Havia “esperas” de maior probabilidade e estas eram reservadas para os convidados ilustres, facilitando dessa forma a possibilidade de êxito. Solta a cachorrada que vinha da Fazenda, atrelada de dois a dois, pouco depois levantava-se o veado, e começava assim a “corrida”, permitindo, pelo latido dos cães, que ela fosse acompanhada na direção seguida pelo veado".
1.3.
Antonio Amador de Godoy Moreira, antes de falecer, teve o cuidado de mostrar a seu neto, o Dr. Oscar Ribeiro de Godoy, para conhecimento das gerações por vindouras, um local na Fazenda da Guarda, onde não nascia capim ou qualquer tipo de vegetação.
- “Aqui foi instalada a Guarda montada pelos Pindamonhangabenses, para defender as divisas de Campos do Jordão contra o ataque dos mineiros!”
Nesse local, em 1980, propôs o Conselho de Cultura de Campos do Jordão por sugestão do autor deste trabalho a construção de um marco histórico para registrar a memória de tão alevantado feito dos paulistas.
O ilustre médico, cioso das tradições de seus antepassados, ainda conserva uma espingarda, que fora usada pelos soldados da Guarda; carregada pela boca, de pedra de fogo e cuja doação foi prometida, logo que instalado o museu municipal.
Relembrou, também, o neto de Amador de Godoy Moreira, a enorme porta instalada no casarão da Fazenda, onde se viam gravados, a canivete, centenas de nomes; depois, que não havia mais lugar para qualquer inscrição, passaram a deixar os nomes gravados nas portas internas, portais e janelas, e lembrou alguns nomes que a memória guardou, como o do pintor Ernesto Quissak, que fez um lindo desenho: uma palheta, contendo o seu nome, como se fosse pincéis, e a inscrição deixada pelo Conde d’Eu.
A porta, que era um monumento histórico, desapareceu ou foi deitada ao fogo pela ignorância ou irresponsabilidade, mas o Dr. Oscar ainda guarda consigo, um envelope; que lhe foi dado por um membro da Família Real Brasileira, em Petrópolis, de grande valor histórico.
Trata-se de um envelope, subscritado, de próprio punho, pelo Conde D’Eu, quando ele esteve na Fazenda da Guarda e remetido à França, pois nele consta o carimbo dos Correios, datado de 1884, da repartição de Pindamonhangaba.
Quando estivera na Fazenda, depois de escrevê-la, o Conde pedira a alguém que a postasse em Pindamonhangaba.
Reavivando a memória, o Dr. Oscar lembrou-se de inúmeros personagens que passaram pela Guarda: de um almoço, havido na Fazenda, em que esteve presente Assis Brasil, que seguia viagem para Itajubá; do famoso jornalista satírico |Juó Bananeri, pseudônimo de Alexandre Marcondes Machado, que ali estivera acompanhado de membros da família de Júlio Mesquita, as irmãs Judith, Sarah e Lia; do Dr. Camilo de Oliveira Pena, famoso tisiologista.
Seu pai, Antonio Amador de Godoy Moreira falecera em 1912.
1.4.
O Ministro Miguel de Godoy Moreira e Costa Sobrinho foi casado com Dona Isabel de Godoy; tiveram grande fastígio social e político em Vila Godoy, nos anos 20, em São Paulo, de onde saíram até Presidentes. Eram seus filhos, Beatriz de Godoy Moreira e Costa Ladeira, casada com Manoel Rodrigues Ladeira, Judith de Godoy, Embaixatriz lsabel de Moraes Barros, Paulo de Godoy Moreira e Costa, casado com Maria Ramos de Godoy, Marcelo de Godoy Moreira e Costa, Maria Bela de Godoy Kok, casada com André Jensen Kok e Maria Antonia de Godoy Martins Cruz.75
1.5.
Os antigos acessos às Fazendas eram difíceis, pois de Pindamonhangaba, viajava-se, a pé, até o sopé da Serra, descansando-se na Fazenda Graminha, e só no dia seguinte, prosseguia-se no percurso, vindo-se pelo Ribeirão Grande, através da Mata Comprida, e descia-se pelas vertentes do rio Galharada até atingir as fazendas do Retiro e da Guarda.
A ligação com Campos do Jordão se fazia por uma trilha, através das lombadas, até atingir os Correntinos, onde já existia uma estrada.
1.6.
Em 1923, depois da morte do Comendador Antonio de Godoy Moreira e Costa, sua viúva, desgostosa com o desfecho da ação de divisão judicial da Fazenda Natal, vendeu a Guarda para H. Kok, que ali montou uma serraria.
1.7.
Por volta de 1934, era assustadora a devastação de pinheirais, em Campos do Jordão o que provocou grave revolta contra o funcionamento de criminosas serrarias, que atuavam, impunemente.
Depois de diversas denúncias formuladas à Secretaria da Agricultura, medidas oficiais foram adotadas pelo Secretário Adalberto Bueno Netto, o Chefe do Serviço Florestal, José Camargo Cabral, e pelo Diretor Geral da Secretaria, Eugênio Lefèvre.
Logo foi designado ilustre silvicultor, eng. Mansueto Koscinski, que, “in loco”, veio constatar a predatória derrubada de matas, apresentando excelente trabalho, onde sugeriu a organização imediata de uma reserva florestal, com área de 600 alqueires, à semelhança dos parques nacionais dos Estados Unidos.
O relatório, elaborado com grande realismo, impressionou muito o Governo, onde Koscinski concluía: a) o homem derruba as matas, sem reflorestar; b) o fogo queima as capoeiras; c) o gado arranca as mudas e come as sementes.
O Governo do Estado de S. Paulo, através do decreto estadual n. 9716, de 9 de novembro de 1938, que dispunha sobre medidas para o reerguimento do Vale do Paraíba, preconizava a implantação de hortos florestais em Campos do Jordão.
Em seguida, por via do decreto-lei n.11.908, de 27 de março de 1941, o Interventor Adhemar de Barros, adotava resolução de vulto, criando o Parque Estadual de Campos do Jordão, destinado a construir um vasto reduto de reservas e de reconstituição da fauna e da flora na região.
Em 8 de outubro de 1941, o Interventor Fernando Costa assinava decreto, desapropriando 1193 alqueires de terra, para o fim de incorporação ao Parque Estadual.
O decreto federal 27.314, de 17 de outubro de 1949, assinado pelo Presidente Getúlio Vargas, declarava protetoras, nos termos do art. 4°, letras “a”, “b”, “e” e “g” do Código Florestal, as florestas nativas, tanto do domínio público, quanto do particular, existentes em Campos do Jordão e São Bento do Sapucaí.
A medida federal adotada, a pedido do Governador de São Paulo, objetivava a guarda, fiscalização, conservação e regeneração das florestas, através do Serviço Florestal do Estado.
1.8.
Daí em diante, o Governo de São Paulo iniciou a implantação do Parque Estadual de Campos do Jordão, através de várias aquisições e desapropriações: Corina Duvivier Kok (1941), Maria L. Godoy (1943), Alice Pegado Vidigal (1943), José da Costa Sobrinho (1943), Balthazar de Godoy Moreira (1943), Marcelo Godoy Moreira e Cássio Martins da Cruz (1961), André Emílio Kok (1961), Paulo Godoy Moreira e Costa e Manoel Rodrigues Ladeira (1965), no total de 8.286,30 ha.
O Parque Estadual de Campos do Jordão, constitui Unidade do Instituto Florestal do Estado, integrando a Coordenadoria da Pesquisa de Recursos Naturais da Secretaria da Agricultura, de São Paulo.
A partir de 1957,o Parque Estadual iniciou o reflorestamento de suas áreas, com o plantio de Araucária e Pinus, em maior escala.
Dentre as pináceas, destacam-se o Pinus Elliotii e Pinus Taeda com milhões de pés plantados.
Segue-se o plantio de Araucária Augustiolia (Pinheiro brasileiro) com milhares de árvores, perfazendo uma área reflorestada de 2.618,54 ha.
O naturalista Frederico Hoehne esteve na antiga Fazenda da Guarda, em 1924, estudando as plantas de Campos do Jordão; também o botânico Arthur Loffegren, ali esteve bem antes, em 1898, pesquisando a vegetação, e muito antes de todos, em 1893, Theodoro Sampaio, ali escreveu sobre as condições físicas de Campos do Jordão.”
O Parque Estadual dista 14 km do centro comercial de Vila Abernéssia, por via asfaltada, e em seu interior, acha-se instalado um Posto de Salmonicultura, pioneiro na Estância, destinado à criação de trutas.
OBS: Do livro: “História de Campos do Jordão”, da autoria do advogado, escritor e historiador Pedro Paulo Filho, Editora Santuário - 1986, páginas 94 a 105. (Grifos de minha autoria)
|