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Crônicas que contam histórias de Campos do Jordão.

 

Maria e a tarantela 


Maria e a  tarantela

Larry Coutinho

 

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A famosa Casa do Poeta, descrita na crônica - Descansóplis - Campos do Jordão

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Um dos belos trabalhos de Maria Bonomi

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Painel Etnias, de Maria Bonomi. Memorial da América Latina, São Paulo.

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Maria Bonomi em plena atividade

 

Fui apresentado à tarantela durante uma estadia de inverno na cidade de Campos do Jordão.
Quero lembrar aos paulistanos fanáticos que Campos do Jordão é um pedaço contínuo da cidade de São Paulo, só que foi colocado um pouco mais longe.
Por isso está aqui, entre minhas recordações da cidade plural.
Nesta espécie de homenagem.
Quero ver quem lembra.
Quando o grupo, tremendo de frio, se reuniu nas cavalariças do Grande Hotel para escolher os cavalos notei que todos passavam céleres e sem olhar pela baia de um lindo cavalo pardavasco que se mexia, nervoso.
Exibicionista, parei.
-Este! - indiquei ao cavalariço.
-O senhor não prefere outro? Temos trinta cavalos ...
-Não. Este está bem.
Entretanto, selado e pronto o animal, percebi um movimento desusado.
Todos os tratadores se aproximaram para me ver montar.
- Cortamos a rédea, pois ele não tolera que ela passe por cima das orelhas - alertou-me um deles, posicionando-se com a parte direita da rédea nas mãos.
Agarrei a rédea esquerda, coloquei o pé no estribo esquerdo e rapidamente lancei o corpo por sobre o corpo do cavalo.
Imediatamente recebi a rédea direita e o pardavasco empinou.
Muito.
Precisou dar uns passos, recuando para não cair de costas.
Depois escoiceou o ar e pulou para os lados.
Achava-me depositado sobre uma escorregadia sela inglesa bem engraxada, equilibrado precariamente no lombo de um vulcão temperamental!
Apertei os joelhos porém achei o apertão fraco.
Estava apavorado!
Notei que as alegres formiguinhas carregando folhas haviam desaparecido, bem lá embaixo.
O aroma forte da resina dos pinheiros enchia o ar.
Todos os outros já estavam montados e a comitiva partiu, de forma que o pardavasco resolveu segui-los.
- É um garanhão, cavalo inteiro! - gritou o tratador mais simpático - .. se vocês passarem por algum pasto e tiver uma égua pastando, ele saltará sobre o arame farpado, ninguém vai segurar... - e acrescentou - ... se perceber que não pode controlar o cavalo, pule e deixe-o seguir, que iremos buscá-lo depois!
Ótimas instruções, para serem recebidas antes de montar!
Pular, daqui de cima?
-Tem gente que vai voltar a pé ...
O comentário anônimo, em voz baixa, errou o tom e eu o ouvi perfeitamente.
Porém aquele cavalo não é o tema desta história.
O tema é a tarantela, um gênero da música popular. Italiana.
Duas horas depois eu ainda montava o pardavasco, e íamos enfronhados cada vez mais profundamente na zona rural.
Passamos pela chamada Lagoinha, onde algumas ovelhas pastavam.
Não vi nenhuma égua e sosseguei.
Então encontramos dois cavaleiros, na altura do Jardim do Embaixador.
Eram meus conhecidos, filhos do senador e colegas no Colégio Dante Alighieri.
Aproximaram-se, risonhos e afáveis.
O pardavasco relinchou, empinou as orelhas, e ensaiou alguns saltinhos rebeldes.
-Alguém de vocês está montando uma égua? Perguntei falsamente risonho.
- Estamos os dois, respondeu um deles.
Um suor frio começou a escorrer da minha testa, com outro tanto a rolar pela espinha dorsal. - Olhe - apontou o outro - ali é a nossa casa. O lugar é chamado de Descansópolis. Você está no Grande Hotel ? - e diante da assertiva, convidou - venha jantar conosco esta noite. E traga a comitiva! Vamos ter uma festinha italiana promovida pelo condomínio... Quanto mais gente, melhor ... E agora, até logo, pois o almoço está na mesa ... dez da noite - gritou, já distante.
Fiquei observando os traseiros arredondados das éguas que se afastavam em trote largo, e sussurrei para o pardavasco:
- Deixe pra lá! Elas não são grande coisa! Muito magras...tem coisa muito melhor, no lugar para onde nós vamos..
Deslavada mentira: as duas éguas eram magníficas!
Não jantamos no hotel.
A perua do senador foi buscar quem quisesse participar da festa no domínio dos Perroy, que se estendia para os lados do Horto Florestal.
E lá fomos nós, onze rapazes e moças, todos apertados no espaço onde caberiam nove.
Simpatia, macarrão e porpetas, refrigerantes e vinho tinto.
Depois, um bailinho na Casa do Poeta.
Uma ampla construção, redonda e simples como certas cabanas dos africanos.
No centro, uma espécie de chaminé, onde ardia o fogo alegre, equipada com prateleira baixa que sustentava a rádio-vitrola e os discos de setenta e oito rotações por minuto.
Duas canziones criaram o clima romântico e pronto: a tarantela!
Eu nunca havia escutado coisa semelhante.
Uma canção alegre repleta de energia contagiante!
Aprendi a dançar em menos de cinco minutos.
O tempo passou sem que eu desse por isso.
Perto da meia-noite pedi um momento de descanso à bela Maria, moça robusta alta e bonita com quem eu dançava desde o início.
Uma deusa dominadora!
Ela nem ao menos ofegava!
Conversamos fora da cabana por alguns minutos.
Ela era italiana, da aldeia de Meina.
Nascida em mil novecentos e trinta e cinco, chegou a São Paulo em mil novecentos e quarenta e seis. Festejava os dezoito anos naquele julho, dia oito.
Estudava desenho, pintura, gravura ...
E, chega de prosa!
Lá vinham os sons da tarantela, e embarcamos no ritmo fácil:
-Funiculi, funiculi, funiculi... funiculá!...
A uma da manhã a perua do senador levou o grupo de volta ao hotel.
Não dormi.
Passei a noite rolando na cama, revolvendo a lembrança e a imagem daquela linda Maria. Nunca mais a vi.
Provavelmente ela não faz a menor idéia de quem eu sou.
Porém segui, pelos jornais, a brilhante carreira.
E ontem, sessenta anos depois daquela noite eu a vi na Internet, num vídeo recente.
Mulher bonita, forte, espigada, decidida, cavando com goivas e formões imenso pedaço de madeira já bem trabalhado.
Empregava no ato de criação a mesma energia que empregara na dança.
Maria Bonomi, a importante artista plástica brasileira - pois naturalizou-se - enriquecendo com suas obras gigantescas e belas a nossa merecedora cidade de São Paulo.
E fiquei pensando como algumas das obras da Maria Bonomi parecem combinar com Campos de Jordão.
Desculpem, demorei na homenagem.
É que ao vê-la naquele vídeo lembrei de tudo isto, do aroma dos pinheiros, do frio na estrada de terra, do fogo da lareira na Casa do Poeta, da adrenalina provocada pela cavalgada, do macarrão com porpetas, dos nossos dezoito anos, de Campos do Jordão e... da tarantela!
E nem mesmo falei das baciadas de pinhões descascados, quentes e macios, pedindo uma pitada de sal!
Larry Coutinho



_____________________________________________________________________________ Larry Coutinho mantém um blogue sobre a cidade vde São Paulo e vizinhanças. Acesse, no endereço a seguir e veja suas crônicas e lindo trabalho: cidadepluralcronicas.blogspot. com - ou simplesmente abra no Google cidadeplural crônicas.



Maria Anna Olga Luiza Bonomi (Meina, Itália, 1935) é uma renomada artista plástica ítalo-brasileira. Gravadora, escultora, pintora, muralista, curadora, figurinista, cenógrafa e professora, Maria Bonomi veio para o Brasil em 1946, fixando-se em São Paulo. É neta de Giuseppe Martinelli, construtor do primeiro arranha-céu da América Latina, o Edifício Martinelli, datado de 1929. (Informações colhidas na internet)

15/07/2011

 

Acesse esta crônica diretamente pelo endereço:

www.camposdojordaocultura.com.br/ver-cronicas.asp?Id_cronicas=116

 

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