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Crônicas que contam histórias de Campos do Jordão.

 

Da valentia à santidade 


Da valentia à santidade

Luiz Ferreira da Rocha e a esposa Francisca Carlquist Rocha, a Chica.

 

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O desenvolvimento da estância jordanense começou com a implantação dos trilhos da Estrada de Ferro Campos do Jordão, propiciando o segmento de habitações e depois povoados às suas margens, no sentido longitudinal da área do município.

Os núcleos embrionários das vilas Jaguaribe, Abernéssia e Capivari foram se expandindo, alargando conquistas e espalhando o progresso.

Muitas décadas depois, o desenvolvimento turístico e imobilíario desprendeu-se desse processo urbano de desenvolvimento, escapando do ímã de atração dos trilhos.

Foi graças a uma legião de portugueses destemidos, comandados por Sebastião de Oliveira Damas, que se deve a construção dessa estrada de ferro, única no Brasil, por simples aderência, operando em condições de tráfego de risco, nas montanhas da Mantiqueira.

Um desses lusitanos, oriundo de Castelo de Paiva, foi Joaquim Ferreira da Rocha. Chegou junto com a ferrovia, trabalhando na primitiva estrada de rodagem que, partindo do Toriba, demandava a Pindamonhangaba.

Atribui-se a ele a construção da primeira casa de alvenaria em Vila Abernéssia, onde hoje é a ASSISO.

Aqui na montanha, constituiu numerosa família e foi mestre de obras da Prefeitura, subdelegado e sócio da primeira construtora jordanense, com Floriano Pinheiro - a Rocha e Pinheiro.

Teve com a esposa Maria Gürtler Rocha 14 filhos. De um deles, o mais velho Luiz Ferreira da Rocha, é que vamos contar. Nasceu Luiz em São Paulo em 1898, tendo residido em Campos do Jordão de 1914 a 1955.

Era carpinteiro e marceneiro e com tais atividades, prestou serviços na construção dos sanatórios Santa Cruz, N.S. das Mercês, Divina Providência e nos hotéis Toriba e Umuarama.

Com seus irmãos João e Waldemar Ferreira da Rocha construiu todo o madeiramento do salão principal do Palácio Boa Vista.

Por mais de 10 anos, Luiz morou na Fazenda Campista, de Eduardo Ribeiro, dirigindo uma serraria lá existente.

Embora de pequena estatura, o dono Eduardo Ribeiro era homem bravo e briguento, segundo contam: proibiu a passagem dos moradores de Campos do Jordão que demandavam a Itajubá, alegando que o caminho passava em suas terras.

Só quem pagasse, passava. Imagine o leitor já nas primeiras décadas do século, já existia pedágio em Campos do Jordão, na Campista...

Na sua juventude,Luiz foi homem de força física extraordinária, pois levantava um Ford sozinho até a cintura com as mãos. Mas era brigador e violento. Quando bebia ninguém conseguia segurá-lo, seis homens eram poucos para detê-lo.

Muitas vezes, o pai Joaquim saía em seu encalço para tentar segurá-lo. O próprio delegado, o tenente Carlos Chaves, apanhou do Luiz.

Não tinha medo de ninguém, mas todo mundo o temia. Era ele, como capataz de Eduardo Ribeiro, que não deixava passar ninguém na estrada da Campista, sem pagar pedágio, em direção a Itajubá.

Relatou seu irmão, Waldemar Ferreira da Rocha, que, em 1932, nos baixos do Hotel Brasil, em Vila Abernéssia, havia o bar do "Barriquinha", um homem muito alegre, que era reformado do Exército.

Luiz chegou e pediu uma pinga.

- Não tenho - respondeu o dono do bar.

Ficando pelas imediações. Luiz assistiu alguém chegar, pedir uma pinga e ser atendido.

Voltou ao bar:

- Quero uma pinga!

- Não tenho!

Avançando sobre o "Barriquinha", Luiz desferiu-lhe uns sopapos, e aí começou a chegar um punhado de gente para acudir. À medida em que iam chegando, iam apanhando também.

Muito forte, certa vez, brigou em cima de uma ponte, pegando o desafeto e jogando-o no rio, à força.

Contou Edmundo Ferreira da Rocha que, quando capataz da Fazenda Campista, já casado com Francisca Carlquist Rocha, a quem chamava afetuosamente de Chica, por lá apareceu um homem desconhecido na região, de aparência assustadora, mal trajado, provavelmente vindo do Sul de Minas.

Vendo dona Chica à porta da casa, o andante foi logo dizendo, de maneira grosseira:

- Ô dona! Tô cum fomi. Me arranja logo um prato de comida. E vê se não demora, que eu não tenho tempo prá perder. Amedrontada, dona Chica respondeu:

- Sim senhor, já vou arrumar alguma coisa para o senhor comer. Dentro da casa, Luiz ouviu a conversa, saindo para fora. De forma mansa e também temerosa, disse à esposa: - Chica, não demora! O homem está com fome e não pode perder tempo!

Virou-se para o desagradável visitante:

- O senhor faça o favor de entrar e sentar-se à mesa da cozinha, que a comida não vai demorar.

- É bom não demorar mesmo, senão acabo perdendo a paciência. Logo dona Chica trouxe a comida, pôs sobre a mesa, encheu um prato fundo e o homem foi comendo.

Nesse ínterim, Luiz deixou a cozinha, foi ao quarto pegar a carabina e voltou à mesa, sobre a qual depositou a arma.

O visitante indesejado ficou meio ressabiado, olhou de soslaio, esvaziou o prato, preparando-se para levantar, quando Luiz disse:

- Chica, põe mais comida no prato que ele ainda está com fome. Agora, amedrontado, o homem se disse satisfeito: - Não, muito obrigado, não quero mais comer.

Luiz insistiu com o andarilho e dona Chica colocou mais comida no prato fundo.

O homem comeu silenciosa e rapidamente, dizendo: - Agora, estou muito satisfeito, já vou indo embora, muito obrigado. Luiz retrucou:

- Não vai embora não! Agora, vou-lhe servir a sobremesa - e levantando-se da mesa, pegou a carabina a apontou para o homem. Apavorado, o visitante saiu correndo em desabalada carreira, deixando a mochila e tudo, sem olhar para trás.

Luiz saiu para fora da casa, deu uns três tiros para o alto, enquanto dona Chica via o homem sumindo na encosta do morro, correndo como um serelepe.

Sentado à soleira da porta, Luiz começou a rir a bandeiras despregadas da triste sorte do convidado à mesa.

Depois, deixou a Fazenda da Campista, indo morar na rua Álvaro Alvim, no bairro da Usina, ao longo de 15 anos.

De seu casamento com Francisca, nasceram 10 filhos, mas nenhum vingou. Todos morreram no parto, à exceção de Walter que sobreviveu uma semana.

Esses dolorosos episódios mudaram os rumos de sua vida. A partir de então, Luiz aderiu à doutrina espírita, da qual foi praticante convicto e ativo divulgador, tomando-se um homem sério e respeitado, calmo e pacato, incapaz até de matar uma formiga.

A sua alegria na vida era praticar o bem ao próximo e ajudar os semelhantes aflitos.

Durante anos, nas horas de folga, dedicava-se a fabricar brinquedos, com a sobra de madeira das construções, aproveitando as latas de óleo, com as quais confeccionava carrinhos e caminhões, enquanto dona Chica, com as amigas, fazia bonecas de pano, com retalhos de tecidos.

Na época do Natal, distribuíam grande quantidade de doces, sanduíches e brinquedos às crianças pobres.

Mudando residência para Lorena, em 1955, prosseguiu nesse trabalho social até os anos 60. Nessa cidade valeparaibana, fundou o Centro Espírita "Maria de Nazareth" com seus próprios recursos e algumas doações, construindo um anexo, o Abrigo do mesmo nome e o Albergue Noturno "Bezerra de Menezes", que funcionam até hoje, prestando importante serviço social e espiritual à pobreza.

Os que lá o conheceram, insistem em dizer que Luiz Ferreira da Rocha faleceu em 1980, em estado de santidade.

Crônica do livro “CONTOS BEM CONTADOS” - Autoria de Pedro Paulo Filho

16/01/2009

 

Acesse esta crônica diretamente pelo endereço:

www.camposdojordaocultura.com.br/ver-cronicas.asp?Id_cronicas=37

 

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