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Crônicas que contam histórias de Campos do Jordão.

 

Leite aos pés da vaca na Chácara Gabus Mendes 


Leite aos pés da vaca na Chácara Gabus Mendes

1- Pérsio tirando Leite - 2 -Mãe Odete criança, a avó Minervina, o padrasto e avô Pérsio .

 

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Minha saudosa avó materna Minervina, inicialmente residente em Campo Grande, Mato Grosso, Pavan pelo casamento com Mário, falecido no final da década de 1920, veio para Campos do Jordão no início da década de 1930, viúva, com duas filhas pequenas, desse casamento – Alice, com pouco mais de oito anos, e Odete, minha mãe, com aproximadamente três anos de idade.

Pelo que consta e pelas lembranças de minha mãe, foram morar na Fazenda Correntinos, especificamente na Fazenda da Guarda, hoje nosso maravilhoso Horto Florestal. Lá por aquelas bandas e por aqueles tempos, após a Revolução Constitucionalista de 1932, que marcou profundamente aquele rincão dos Campos do Jordão, ponto de fundamental importância em virtude de sua localização estratégica privilegiada, situada no limite das terras paulistas, na divisa com terras do Estado de Minas Gerais, território dominado pelo inimigo, possivelmente um dos primeiros pontos de ataque para a resistência paulista, escolhido para concentração de tropas constitucionalistas paulistas, criando obstáculos naturais para os possíveis invasores dessas divisas, facilitando a observação dos pontos mais altos para a defesa. Assim sendo, ali aconteceram alguns pequenos confrontos, até acirrados, entre tropas paulistas e mineiras – felizmente, sem resultados fatais, somente prisões de algumas lideranças pertencentes a uma e outra parte. Nessa ocasião acabou conhecendo o irmão de Rogério Feliciano de Godoy, sertanista e político mais procurado pelas tropas mineiras durante a Revolução de 1932, Celso Feliciano de Godoy, conhecido como Pérsio Godoy. Posteriormente casaram-se e foram morar na Fazenda do Retiro, de propriedade da família Godoy (Nhô Godoy). Tiveram cinco filhos: Maria Carolina, Celso Antonio, Mercedes, Milton e Pedro.

No final da década de 1940, início da de 1950, minha avó Minervina, Pérsio e filhos moravam, como se diz hoje, como caseiros da Chácara Gabus (pronúncia GABÍ), de propriedade da Sra. Judith Gabus Mendes, da tradicional Família Gabus Mendes, de São Paulo. Essa Chácara, hoje com área totalmente loteada, pertencente a diversos proprietários, estava localizada no caminho do Horto Florestal, logo após a Fazenda Lagoinha, de propriedade da Família Reis Magalhães, bem próxima à entrada da tradicional Usina Elétrica do Fojo, responsável pela geração de parte da energia elétrica distribuída e consumida em Campos do Jordão.

Minha avó Minervina e Pérsio, meu avô de direito, eram os responsáveis por toda a Chácara Gabus (GABÍ); ou seja, da manutenção da casa principal, da edícula denominada “Tapera”, local que a Sra. Judith, a proprietária, e sua irmã usavam para a confecção de suas obras de arte no campo da pintura, de toda a área externa, da mangueira e da criação de algumas cabeças de gado leiteiro, equinos para utilização em carroça para transporte de carga e charrete para locomoção por toda região e município. Além desses afazeres todos, meus avós ainda criavam por conta própria alguns exemplares de carneiros e ovelhas, galinhas, patos, gansos, perus e marrecos.

Lembro-me de que, nessa época, meus pais e eu morávamos em Vila Abernéssia, na chácara pertencente a meu avô paterno, Joaquim Ferreira da Rocha, hoje pertencente às Irmãs do Sagrado Coração de Jesus, sede da ASSISO – Assistência Social da Congregação, situada no início da atual Vila Fracalanza. Periodicamente, com uma charrete de rodas enormes, com aproximadamente um metro de altura, raios e estrutura de madeira, aros de ferro (naquela época, eram poucos os veículos desse tipo que usavam rodas de borracha pneumáticas), o avô Pérsio fazia uma verdadeira viagem lá da Chácara Gabus até nossa casa e nos levava para passar finais de semana lá na chácara. Realmente, era uma grande viagem. Além da distância, que não era tão pequena – aproximadamente dez quilômetros –, a estrada de todo o percurso era de terra batida, com muitas curvas, subidas e descidas, por um traçado a partir da Vila Capivari até a Fazenda Lagoinha, bem diferente do atual, passando pela tradicional Cachoeira do Véu da Noiva. Com todos esses obstáculos, essa viagem, hoje feita de automóvel em pouco mais de vinte minutos, naquela época, de charrete, levava quase duas horas ou mais. A viagem era muito demorada. O trajeto, na sua quase totalidade, era maravilhoso, primitivo, quase completamente inabitado. Eu, com meus quatro ou cinco anos de idade, chegava a ficar cansado e, com sono, dormia no colo de minha mãe.

As experiências desses finais de semana foram maravilhosas e deixaram muita saudade. Embora, naquele tempo, a vida cotidiana na cidade e em suas vilas principais não fosse muito diferente, nessas oportunidades especiais, vivenciávamos as alegrias e maravilhas de uma vida completamente simples e descontraída, através do contato direto com as coisas e hábitos campestres, da roça, propriamente dita.

Na chácara existia um pomar bem formado e variado, com diversos tipos de pera, ameixas, marmelo e até uma cerejeira de fruta, que produziam imensas quantidades de frutas nas épocas próprias do ano. Eram frutas deliciosas. Não posso me esquecer das ameixas vermelhas e extremamente doces daquele pomar, completamente diferentes das produzidas e vendidas atualmente.

O fogão era de taipa, localizado em cozinha com paredes escurecidas pelo alcatrão da fumaça da lenha utilizada como seu combustível; tinha uma enorme chapa de ferro onde eram acondicionadas panelas de alumínio brilhante, areadas à mão, com areia fina do rio, ou panelas, caldeirões e chaleiras de ferro escuro, quase preto, especiais para esse tipo de fogão. Em cima desse fogão, era comum manter pendurado, em pequeno varal, uma manta de toucinho carnudo, que ali ficava e, vagarosamente, ia sendo defumado pela fumaça do fogão. Na chapa do fogão, alvejada com pedras especiais, colhidas no leito despoluído, na época, do rio Capivari, que passa nos fundos da propriedade, muitas vezes, eram feitos deliciosos, suculentos e saborosos “bifes de chapa”.

Momentos inesquecíveis quando escutávamos o cacarejar das galinhas no galinheiro ou em seus ninhos externos, após botarem seus ovos. Muitas vezes, logo em seguida, lá íamos nós correndo, buscar o lindo ovo fresquinho que, muitas vezes, depois de previamente frito, comíamos com pão crocante.

Nunca nos esqueceremos da chaleira com água fervendo sobre o fogão, soltando fumaça pelo bico curvo e característico; daqueles saborosos e deliciosos arroz e feijão feitos pela vó Minervina, naquelas panelas de ferro, uma das quais ainda está em poder de minha mãe.

Inesquecível, também, o frango caipira, criado ali no terreiro da chácara, alimentado com milho, quirera, capim, pequenas pedrinhas e insetos, depois de cuidadosa e habilmente preparado no fogão à lenha, assado em seu forno ou devidamente ensopado com ou sem batatas, ou servido com molho de tomate acompanhando aquele macarrão saboroso e tradicional, polvilhado com queijo ralado.

Após o jantar, como a casa era desprovida das tradicionais lareiras de hoje, o vô Pérsio tirava todas as brasas que foram se formando com a queima da lenha no fogão e as colocava numa grande bacia, bem no meio do chão da cozinha. Ali em volta, ele e outras pessoas da casa iam se sentando e aproveitavam o calor emanado para ir se aquecendo, especialmente na época do inverno, quando o frio era muito rigoroso,

Lá dormíamos logo após o jantar que, normalmente, ocorria por volta das sete horas da noite. Levantávamos bem cedinho e, juntamente com quase todos da casa, cada qual com um copo na mão, acompanhados do vô Pérsio, tomávamos a direção da pequena mangueira onde ele, bem mais cedo ainda, já havia reunido algumas vacas e seus bezerros, deixando-os confinados à espera da ordenha. Minha avó, ou minha mãe, levava sempre uma lata com bastante açúcar e uma colher. Pérsio, com aquele palavreado especial para chamar as vacas, separava uma delas, amarrava suas pernas traseiras com uma corda, apartava o seu bezerro e o trazia para dar a sua merecida e necessária mamada matinal. Em seguida, munido de balde com água limpa, lavava as tetas da vaca e as enxugava em seguida, com um pano bem limpo. Aí começava a melhor parte dessas ocasiões. Cada qual com seu copo na mão ia onde estava minha avó ou minha mãe, e uma delas colocava uma ou duas colheres (de sopa) de açúcar em cada copo. Quando era possível, esse açúcar era substituído por uma boa dose de groselha. Pérsio, sentado aos pés da vaca, normalmente em um banquinho de madeira, às vezes amarrado em seu próprio traseiro, muito bem posicionado, ia recebendo cada um dos copos, diretamente das mãos de cada um dos presentes, e colocando, um por vez, embaixo de uma das tetas da vaca, começava a ordenha. Enchendo cada um dos copos com aquele leite que até parecia grosso, quentinho, maravilhoso, totalmente espumante, deixava todos com água na boca até que pudessem sentir aquele sabor delicioso, maravilhoso, único, quase indescritível do leite tirado na hora, aos pés da vaca. Com açúcar ou groselha, aquele momento se tornava inesquecível. O sabor do leite, com qualquer dessas adições, ficava por muito tempo em nossa boca, sempre desejosa, à espera da próxima oportunidade. As pessoas maiores de idade, além dessas adições normais, podiam escolher, dentre suas preferências, colocar uma boa dose de conhaque ou de alguma outra bebida.

Momentos inesquecíveis de nossa vida, de nossa cidade, de nossa infância, de muitos entes saudosos e queridos de nossa família, também de muitos e saudosos amigos. Momentos que nos enchem de muita saudade estão, a cada dia, infelizmente, tornando-se raros para nós, moradores das cidades.

Oxalá nossos descendentes tenham, em suas vidas, a oportunidade de sentir momentos tão maravilhosos ou até semelhantes, para que possam, algum dia, ter o inusitado prazer de poder contar essas histórias gratificantes e inesquecíveis.

Edmundo Ferreira da Rocha

20/11/2008

 

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