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Crônicas que contam histórias de Campos do Jordão.

 

O pão e a gratidão. Seu Antonio,um padeiro inesquecível. 


O pão e a gratidão. Seu Antonio,um padeiro inesquecível.

Seu Antonio, a carrocinha de pão, a Vila Fracalanza local mecionado na crônica.

 

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Lembro-me do longínquo ano de 1948, quando morava na chácara de meu avô Joaquim Ferreira da Rocha, situada aqui em Vila Abernéssia, posteriormente vendida para as Irmãs do Sagrado Coração de Jesus de São Paulo, atualmente sede da ASSISO – Assistência Social, próxima do atual Supermercado Paratodos, antigo local do posto de gasolina do saudoso seu Horácio Padovan.

Nessa época, como já comentado em outra crônica de minha autoria – “Meu Natal inesquecível”, a situação financeira de minha pequena família (meu pai, minha mãe e eu) era bastante preocupante e difícil, principalmente considerando que meu pai, de profissão carpinteiro, cabeça da família, estava adoentado, afastado do trabalho, recebendo pelo IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários um pequeno e insignificante auxílio doença que nem dava para o sustento da família. A situação era muito difícil e preocupante.

Jamais esqueci o que aconteceu em determinada oportunidade quando, no período da manhã, estava próximo ao portão principal de entrada da chácara de meu avô. Com certeza, não passava das 10 horas da manhã. Eu ainda estava em jejum. Por causa da difícil situação financeira, raramente tomávamos café da manhã acompanhado de pequeno e simples pãozinho.

Nessa época, os poucos padeiros existentes na cidade faziam a entrega domiciliar de pães, especialmente para aqueles clientes que mantinham cadernetas. Sim! Cadernetas, para anotação das entregas e quantidades diárias de pães, servindo de controle para a cobrança e pagamentos mensais.

Esses pães também eram vendidos, a granel, mediante pagamento à vista, a quem se dispusesse comprar durante o trajeto dos padeiros pelos principais bairros da cidade.

Esses pães eram transportados em pequenas carroças especialmente construídas para essa finalidade. Carrocinhas semelhantes eram utilizadas, também, para o transporte e entrega de leite, acondicionados em litros especiais feitos de vidro. Continham compartimento de tamanho padrão, talvez um metro e meio de comprimento, um metro ou um metro e vinte de largura, um metro ou pouco mais de altura, revestido externamente de chapa galvanizada especial, para proteção, evitando que a água da chuva viesse a molhar os pães. Na parte de trás, essas carroças continham uma porta – também revestida do mesmo material –, que era fechada externamente com trinco especial. Normalmente, essas carroças eram puxadas por meio de tração animal, dando-se preferência aos conhecidos burros ou mulas, devido à sua capacidade de força animal bem melhor que a dos cavalos e éguas.

Ao padeiro sempre estava reservado, na parte externa e superior das carroças, a denominada boleia, um acento para que pudesse se sentar e comandar, com habilidade, por meio de rédeas especiais, o animal que tracionava a carroça, pelas ruas da cidade.

Voltando à minha história, ali parado em frente ao portão da chácara de meu avô, observa a carrocinha da Padaria Santa Clara que, já naquela época, pertencia ao saudoso seu Victor Gonçalves que, muitos anos adiante, tornou-se meu grande amigo. Ela vinha descendo da atual Vila Fracalanza rumo à Vila Abernéssia.

Que vontade de comer um pãozinho crocante e delicioso! Parece incrível, mas era a pura e real verdade. Não tínhamos em casa um dinheiro sequer que desse para comprar um simples pãozinho.

O padeiro, que eu somente conhecia de vista, passou e acenou com a mão, ao que respondi prontamente. Ele passou por mim e – até acredito que tenha lido meu pensamento – parou alguns metros adiante. Desceu da carrocinha, abriu a porta traseira, pegou um daqueles saquinhos de papel especiais para acondicionamento de pães e dentro dele colocou dois pãezinhos. Fechou a porta da carroça, torceu a boca do saquinho de papel e chamou: “Menino, vem cá”. Fui até ele e, novamente, ele falou: “Estes pãezinhos são para você, o meu presente para um futuro amigo”. Agradeci com a emoção de uma criança que recebe o presente desejado, e ele foi embora,feliz e alegre, acenando-me até a carrocinha desaparecer na curva do final da rua.

Parece incrível, mas fiquei muito tempo sem ver esse padeiro inesquecível. Muito tempo depois, vi que passava em uma outra rua da cidade, agora não mais como padeiro, e sim como leiteiro, comandando uma das carrocinhas de entrega domiciliar de leite embalado em litros de vidro.

O tempo passou. A chácara que pertencia ao meu avô foi vendida depois de seu falecimento na cidade de Pindamonhangaba, onde estava morando. Depois da venda da chácara mudamos para outro bairro da cidade, e assim raramente via aquele grande e especial amigo.

Soube que seu nome era Antônio Ferreira de Andrade. Encontrava-me com ele com certa frequência aqui nas proximidades do saudoso BANESPA – Banco do Estado de São Paulo. Quase sempre estava ali no ponto de ônibus, sempre usando um paletó até surrado e com um saco de pano jogado sobre um dos ombros – nunca deixando de usar o seu tradicional boné –, esperando a condução que o levaria até as proximidades da Parada Grande Hotel onde morava e, mesmo com seus 82 anos de idade, trabalhava como guarda de um prédio de apartamentos em construção.

Sempre na época do Natal e do Ano Novo, eu levava para ele alguns presentes e algumas coisas que ele gostava de comer. Sabendo que queria por demais um rádio portátil, para que pudesse ouvir noticiários e músicas, de surpresa, dei-lhe de presente o tão esperado rádio. Ficou emocionado e feliz.

Em determinada oportunidade fiquei algum tempo sem ver o seu Antônio. Perguntei a um amigo comum, o Juca Furtado, se sabia do seu Antônio. Aí a lamentável surpresa. Disse-me o Juca que ele havia sito atropelado em cima da calçada existente ao longo da avenida principal, nas proximidades de onde morava. E o pior, havia sido abandonado no local, sem socorro, durante várias horas, até que alguém que passava pelo local chamou o socorro do resgate do Corpo de Bombeiros. Seu Antônio teve de ser transferido, com urgência, para a vizinha cidade de Taubaté e submetido a diversas cirurgias reparadoras – estava na UTI já há quase dois meses.

Disse-me também o Juca que havia escutado pela nossa radioemissora local um apelo de uma filha do seu Antônio, pedindo para quem pudesse emprestar uma cadeira de rodas para que o pai pudesse tentar se locomover depois que deixasse o Hospital de Taubaté.

Como não conhecia os filhos do seu Antônio, imediatamente fui saber quem era essa sua filha. Assim, pude conversar com ela. Disse-me, na oportunidade, que seu pai deixaria o hospital dentro de alguns dias.

Conversando com outro amigo e irmão, Eduardo Neme Nejar, o Dudu, contei essa história, e ele, sem maiores delongas, ligou para São Paulo para a grande e beneficente instituição denominada AMAMAIS, para a qual era espontâneo contribuinte. Instituição que socorre todos que necessitam de cadeiras de rodas. Graças a Deus, dentro de poucos dias colocaram à nossa disposição e da família do seu Antônio duas cadeiras de rodas, uma para locomoção e outra para banho e necessidades fisiológicas.

Com muita alegria levamos as cadeiras até a casa da filha do seu Antônio, que já estava de volta, porém, deitado em uma cama.

A partir daí passamos a visitá-lo com frequência, ajudando a família com remédios e alimentação. Graças a Deus, seu Antônio foi se recuperando e voltou até a andar com o auxílio de uma bengala.

O tempo passa muito rápido. Algum tempo depois, o seu Antônio, infelizmente, nos deixou para sempre.

Longe de pensar em qualquer retribuição pelos benditos e inesquecíveis pãezinhos com que ele me presenteou naqueles distantes e difíceis anos do início de minha vida, espero ter tido, de alguma forma, conseguido fazê-lo um pouco ou tão feliz como me senti naquela oportunidade maravilhosa.

Com certeza, onde ele estiver, estará sempre sendo aquele homem, aquele pai, aquele padeiro, aquele leiteiro, aquele guarda e aquele avô, simples e maravilhoso, a quem tive, um dia, a feliz oportunidade de conhecer e com ele conviver em mesma e determinada época de minha vida. Para mim, ele será sempre aquele que me fez sentir grande felicidade e tornou-se inesquecível por aquele seu gesto humilde de bondade, carinho e amor ao semelhante. SEU ANTÔNIO, UM PADEIRO INESQUECÍVEL. UM AMIGO QUE DEIXOU MUITA SAUDADE.

Edmundo Ferreira da Rocha

21/05/2006

 

Acesse esta crônica diretamente pelo endereço:

www.camposdojordaocultura.com.br/ver-cronicas.asp?Id_cronicas=50

 

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