A
FAZENDA DA GUARDA (I)
Quadro
"Fazenda da Guarda" - Autoria Camargo
Freire
Era
formada por terras adquiridas de um herdeiro do
Brigadeiro Jordão. Pela morte deste, no inventário,
coube a um dos seus filhos, Amador Rodrigues de
Lacerda Jordão, a quarta parte da área conhecida
como Fazenda Natal, nome primitivo de Campos do
Jordão, em 1855.
Após
doações e alterações, esta quarta parte foi
dividida em duas metades iguais, passando o meu
bisavô (1) a ter a posse da oitava parte da
fazenda.
Iniciaram-se,
então, as pesquisas para levantar a morada e se
decidiu por uma elevação, local belo e aprazível,
onde se encontrava a Guarda, criada pela Comarca
de Pindamonhangaba.
Em
1803, para evitar os constantes atritos entre
fazendeiros vizinhos, nas divisas entre São Paulo
e Minas Gerais, principalmente nas glebas de Inácio
Caetano Vieira de Carvalho, hoje Campos do Jordão,
e nas de João da Costa Manso, incluídas na
Fazenda de Itajubi, o Capitão-Mor de
Pindamonhangaba determinou o estabelecimento da
Guarda de Capivari. Este nome era dado a toda a
extensão do Rio Sapucaí-Guaçu, hoje só
conservado para um dos afluentes, na Vila de mesmo
nome.
A
Guarda de Pinda era formada por cidadãos da
cidade e custeada pela Câmara local. Foi sediada
num rancho na confluência dos rios Galharada e
Sapucaí-Guaçu, onde hoje se localiza o pátio da
serraria do Horto Florestal.
Mais
tarde, de um acordo entre paulistas e mineiros,
fez-se desaparecer a Guarda de Capivari e, ao sair
de lá, seu Comandante, em reconhecimento à
acolhida recebida, presenteou meus antepassados
com uma espingarda de pedra de fogo a ser
carregada pela boca, usada pela guarda. Essa arma
permaneceu durante muito tempo em nossa posse,
mas, com a venda da Guarda, doamos ao Museu de
Pindamonhangaba. Julgamos que, tendo saído de
Pinda para defender Campos do Jordão, nada mais
justo que para ali voltasse e tivesse a merecida
preservação.
Na
fazenda da Guarda, o casarão era grande, bonito,
soberbo e tinha, ao seu lado esquerdo, uma secular
pereira, com um tronco tão grande que uma pessoa
adulta não conseguia abraçá-lo.
Na
entrada da casa havia uma porta colonial, larga,
alta e cheia de nomes – gravados a canivete –
de pessoas que por ali iam a passeio ou em gozo de
férias. Coberta toda ela com gravações, algumas
de alto valor histórico, passaram-se a fazer
inscrições nos portais de madeira maciça da
entrada na sala e dos quartos.
Havia
nomes de pessoas que mais tarde tornaram-se
grandes destaques na vida social e política, como
a do escritor Cornélio Penna, iniciador da
literatura moderna entre nós; do professor Pedro
de Alcântara, catedrático de Pediatria da
Universidade de São Paulo. Ambos, ainda jovens,
participavam conosco das maravilhosas férias em
Campos do Jordão.
Numa
das folhas do “escuro” das janelas da sala de
entrada, havia uma inscrição feita pelo
conhecido Juó Bananére, cujo nome verdadeiro era
Alexandre Marcondes Machado, que, passando uma
temporada na pensão dos Baker, na Vila Inglesa,
fora à Guarda com muitos cavaleiros. A inscrição
se destacava por ser verdadeira obra de arte e era
composta pelos nomes de Judith, Sara e Lia e, no
final destas palavras e, em sentido oblíquo, a
palavra Mesquita.
Cabem
aqui considerações pelo amargo destino dessas
relíquias. Certa ocasião, convidado a participar
da festa de São João, no Parque Estadual, tive a
dolorosa tristeza de ver, já com o casarão
destruído, os portais, janelas e batentes
formando uma enorme fogueira, num acinte ao que
aquilo representava.
A
água vinha de uma grota à frente da casa, em um
rego d’água que passava, a céu aberto, pela
mangueira das vacas, atingindo o jardim, onde
havia uma bica para servir às pessoas na toilette
matinal. Homens e mulheres tomavam banho no Ribeirão
da Galharada, com água fria, límpida e
encachoeirada. Lembro-me com saudade destes banhos
que eram um dos divertimentos da rapaziada pelas
guerras de água gelada.
Junto
à velha pereira havia um rancho grande e
comprido, o Rancho das Vacas. Ali, o negro Eusébio
ordenhava as vacas, fornecendo-nos leite em abundância.
Hoje
ficamos por aqui, mas voltaremos a falar da
Guarda, tantas são nossas recordações.
(1)
- Trata-se do bisavô materno, o alferes Manoel
Ribeiro do Amaral,
homenageado em Pindamonhangaba, na galeria do museu
daquela cidade.
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