A
FAZENDA DA GUARDA (II)
Quadro
"Fazenda da Guarda" - Autoria Camargo
Freire
Minha
mãe (1), que fora senhora de escravos, tinha
invejável capacidade de mando e organização.
Recebida a fazenda, após a penhora judicial, começaram-se
os problemas e lutas para obter rendimento, o que
era difícil na época. Mas o espírito
empreendedor de Dona Sinhazinha a empurrava para
frente em busca de meios e modos para obtenção
de lucro e aquisição de recursos e reservas para
viver e educar os dois filhos menores.
Começaram-se
as tentativas. Iniciamos com a venda de bois
erados, pois tínhamos muito gado vacum, e uma vez
por ano retirávamos a boiada. Era um bom negócio.
Vendíamos os animais na mangueira, e, para sair
pelas trilhas e matas com o gado acostumado à
vida livre, era necessário colocar em cada um
deles os “paus de chifre”.
Cortavam-se
paus de metro e meio e amarravam-se nos chifres
com embiras ou cipó. Em parte, essa providência
impedia a entrada no mato, o que tornava o serviço
mais fácil. Quando o caminho atravessava as
florestas, a boiada conservava-se na trilha, pois,
na tentativa de fugir, os paus batiam nas árvores,
causando dor na cabeça do animal que voltava
incontinente para seu lugar na trilha. Vendíamos
o gado para os Farias no Charco, e para
compradores de Pinda e Guará.
No
bairro denominado Paiol, numa das extremidades de
nossa área, cedemos as terras para vários
colonos que pagavam o arrendamento em espécie –
milho ou feijão –, garantindo assim o consumo
de todos, inclusive dos animais de trabalho. Recebíamos
em média de 200 a 300 sacos de milho em palha e
alguns sacos de feijão.
Também
engordávamos os porcos e os vendíamos na Vila,
entregando-os nos armazéns – os supermercados
da época – já limpos, em duas bandas ou
metades do animal. Todo o transporte era feito no
lombo de burro e pelas trilhas das montanhas.
Não
existindo açougue ou leiteria na cidade, começamos
a tentar outro negócio. Construímos ao lado da
sede um comprido rancho coberto de sapé que
passou a chamar-se Rancho das Vacas. Às três
horas da madrugada, começava o serviço dirigido
pelo preto Eusébio, fiel servidor de muitos anos
e muito amigo de umas “branquinhas”. Duas
horas depois, todas as vacas estavam ordenhadas, e
o leite era colocado em litros de vidro,
previamente limpos de véspera. Eles eram postos
em caixas de cerveja que levavam cada uma de 12 a
15 garrafas e, em seguida, essas caixas eram
ajeitadas uma de cada lado da cangalha do burro.
Dois rapazes, que se revezavam diariamente,
partiam montados a cavalo no sobe e desce dos
morros. Saíam cedo com os dois burros, que também
se revezavam, levando as caixas de litros de leite
e, na Vila, seguiam de porta em porta, fazendo a
entrega.
Na
volta, em conseqüência da péssima estrada, ao
prestar as contas, sempre havia quebras de litros
e, às vezes, acidentes mais graves. O leiteiro
tinha por obrigação, na chegada, tratar dos
animais. Havia um burro apelidado de Topázio que,
de tanto realizar o trabalho diário, passou a
conhecer a Vila, a casa dos fregueses e
praticamente não precisava ser guiado, ia
sozinho.
Hoje,
tenho a impressão de que esse serviço era
recebido com satisfação pelos compradores, pois
eram freqüentes os pedidos, e chegamos, em
algumas ocasiões, a encaminhar os dois burros com
duas caixas cada um, mais ou menos sessenta litros
de leite. Das sobras do leite, fazíamos manteiga
e doce que eram distribuídos pelos leiteiros aos
nossos fregueses. Não satisfeitos com a renda do
leite, partimos para mais um empreendimento: a
venda da carne retalhada.
(1)
Maria da Glória Marcondes de Godoy, Sinhazinha. Ela
era irmã de Alexandre Manuel (o engenheiro de que
tratam os contos A estrada ligando a Guarda à Vila
e A queda no rio Sapucaí), Manuel Alexandre,
Francisco (Nenen), Frederica, Eulália (Pequenina),
Risoleta, Trajano, Tarquínio (Tati) e Zenóbia.
|