A
FAZENDA DA GUARDA (III)
Fotografia
da sede da Fazenda da Guarda - Década de 1920
Tínhamos
muito gado, bois de boa qualidade, criados à
larga, gordos e sadios. Na Vila não existia açougue
e o abastecimento de carne era precário, só se
fazia esporadicamente, quando alguém matava um
boi. Resolvemos então tentar a venda de carne.
Para
isso minha mãe e eu fomos para São Paulo a fim
de procurarmos aprender a arte de retalhar boi.
Na
ocasião, era fornecedor de carne para a casa de
meu avô o Açougue Di Giuglio. Na Rua das
Palmeiras, próximo da Alameda Glete. Aproveitando
essa circunstância, ali nos apresentamos e fomos
cordialmente atendidos. Por mais de uma semana,
aprendemos a retalhar os “quartos” de bois,
separando filés, alcatras, acéms, etc..
De
volta à fazenda, planejamos o negócio. Fizemos
saquinhos de algodão e placas de madeira com o
nome dos fregueses. Tudo seguiria no lombo do
burro, como já se fazia com a entrega do leite.
Assim começamos: o boi era escolhido, gordo e
sadio, e ficava fechado por 24 horas. Depois era
morto com uma martelada na nuca, como ainda se faz
hoje em alguns matadouros do interior. Em seguida,
era sangrado.
Todos
os trabalhos eram executados com precariedade e de
forma extremamente rústica. Com o chão coberto
de folhagem verde, eram abertos os animais,
serrados nos quartos, tudo pendurado nas travessas
do próprio rancho onde se fazia a ordenha das
vacas.
Picado
o boi, separadas as encomendas que eram colocadas
nos saquinhos de algodão, cuja boca era amarrada
com a chapinha de madeira, a carga era colocada em
jacás de taquara de forma que as encomendas dos
primeiros fregueses ficassem por cima e a dos últimos
no fundo do jacá.
Era
um bom negócio, mas deixava muito a desejar pelas
más condições de higiene, pelas dificuldades
advindas das trilhas mal conservadas e pelo número
de horas gastas no percurso até o centro
populoso.
Certa
feita, lá por 1923, estávamos na labuta, com um
boi para se esquartejado, quando surgiram alguns
cavalheiros estranhos, falando espanhol, dizendo
que tinham tido notícias de que a fazenda estava
à venda e que gostariam de conversar sobre o
assunto.
Examinavam
alguns carneiros que possuíamos para fornecer lã
para o inverno e demonstravam-se surpresos com a
excelente saúde dos animais. Tratavam palavras de
admiração e contentamento.
Mais
tarde, soubemos que um deles era o representante
da Família Kok, que realmente acabou comprando a
Fazenda da Guarda. Foram iniciadas as negociações
e combinamos a venda com a porteira fechada, salvo
objetos de uso pessoal, alguns animais e 100
alqueires de terra que, pela pertinência de minha
mãe que fincou pé na hora, ficaram em nossa
propriedade e hoje tem o nome de Rancho Santo
Antonio.
Saímos,
entregamos aquele talhão de terras que amávamos
e que fora amado pelos nossos antepassados, mas
conservamos a pequena área de época, hoje grande
pela nossa estima e pela de nossos descendentes e
amigos.
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