Nossa
luta pela posse da Guarda
Luta
pela posse da Fazenda da Guarda
Dada a situação irregular pela
posse da terra em Campos do Jordão, o senhor
Domingos Jaguaribe, grande possuidor de terras,
requereu a divisão judicial de toda a gleba.
Praticado os trâmites legais, iniciam-se os
trabalhos de campo pelo engenheiro José Magalhães,
o qual encontraria inúmeros obstáculos.
Já com os seus serviços quase
ultimados, Dr. Magalhães alcança as terras de João
Rodrigues da Silva, apelidado de João Maquinista.
De origem portuguesa, esse homem era rude, sem
cultura e vivia há anos ao lado da igreja, no
trabalho tranqüilo de seu armazém na Vila
Jaguaribe, fartamente abastecido para a época. O
engenheiro, desejando prosseguir nas suas medições,
atravessa cercas e avança em bens do João
Maquinista, que julgou um ultraje o pisar nas suas
propriedades e, após alterada discussão, mata o
profissional com um certeiro tiro a queima-roupa.
Só em 1907 retoma-se a demarcação das divisas
de terras, uma vez que esse triste acontecimento
trouxe a paralisação dos trabalhos por alguns
anos.
Nessa mesma época, a firma Société
Commérciale et Financière Franco-brésilienne,
proprietária
em São Paulo
da Casa Nathan, um comércio de máquinas agrícolas,
adquiriu uma área de terras que se localizava
onde hoje estão os remanescentes do Grande Hotel
e arredores e requereu que se retomassem as
demarcações.
Nesse processo de retomada das
demarcações, meu pai não foi citado no edital
de convocação dos condôminos, mas sim meu avô
que já não era mais proprietário em Campos,
sendo ele esbulhado de grande parte do que possuía,
pois os documentos rezavam a posse da citada parte
de Campos, integrando cada uma das duas fazendas
vizinhas, ambas compradas pelo meu bisavô, em um
só título, do filho do Brigadeiro Jordão, que
herdara a quarta parte de toda a área.
Formara-se um verdadeiro complô
para usurpar grande parte de nossa fazenda, a
Guarda; e os meus antepassados viram-se no dever
de, para assegurar os seus direitos, tentar a
nulidade da sentença que punha a termo a divisão.
Foram três anos de processos jurídicos e traições
diversas.
Em 1912 falece meu pai, deixando
minha mãe e dois filhos, um com 9 e outro com 7
anos. Não havia na época INSS e nenhuma outra
forma de proteção aos promotores de Justiça,
função exercida por meu pai em Mogi das Cruzes.
Então, o único bem que possuíamos,
a fazenda da Guarda, estava nas mãos do depositário
público fiel ao grupo ganancioso, que, como
conseqüência do ocorrido, já se considerava
dono e dispunha da propriedade a seu bel prazer.
Por informações obtidas no
Supremo Tribunal, na época no Rio de Janeiro,
ficamos informados de que a causa estava perdida.
Perdêramos os principais prazos. O julgamento não
entraria no mérito da viuvez de minha mãe e,
segundo as palavras de um dos julgadores, na causa
seríamos vencidos.
O nosso débito era mais ou menos
de 12 contos de réis devido pelo processo, como
pagamento do agrimensor na divisão. Mas, pela
solidariedade e fraternidade da família,
conseguimos recuperar a fazenda, ainda que nos
conformando com a perda de vultuosa área e de
outros bens constantes do esbulho.
A sede da Comarca era
em São Bento
do Sapucaí, é de se avaliar o quão penoso
tornava-se vir de São Paulo, montar a cavalo em
Pinda e ali chegar para fazer uma petição ao
juiz. Pois isso era feito com freqüência pelos
bacharéis Otaviano M. Machado e Trajano M.
Machado. O primeiro cunhado e o outro irmão de
minha mãe, Maria da Glória Ribeiro de Godoy,
conhecida por um longo tempo como Dona Sinhazinha.
Os dois trabalhavam pelo afeto devotado aos
sobrinhos e à minha mãe, e nada ganhavam nas
desgastantes idas e vindas a São Bento.
Satisfeitas as exigências
legais, obtido o alvará de destituição do
depositário público, viemos a São Bento e
ficamos esperando o momento exato, em uma fazenda
em Santo Antônio
, pertencente a um parente próximo, Cel. Jorge M.
Machado e, hoje, em mãos de herdeiros do
Engenheiro Magalhães. Tudo pronto, formou-se uma
caravana para retomar a Guarda. O grupo era
formado por meus dois avós, Manuel Ribeiro
Marcondes Machado e Amador Bueno de Godoy Moreira,
minha mãe, seus dois filhos, seu irmão Trajano,
o Oficial de Justiça, camaradas e burros de
carga.
Da Vila até a Guarda, o caminho
era mais ou menos o mesmo até o Ribeirão do
Fojo. Passado o vão, logo à direita, começava-se
a subir o morro e, assim, num desgastante sobe e
desce, passando por morros tão íngremes que um
deles era chamado de Corta Rabicho, alcançava-se
o Ribeirão do Meio ou Canhambora, em seguida o da
Casa Velha e, margeando o rio Sapucaí, divisávamos
a frente o imponente velho casarão da Guarda.
A nossa chegada imprevista causou
tremendo abalo e produziu espetacular corre-corre.
O depositário, parentes e amigos desfrutavam da
fazenda como donos. Sendo apresentada pelo Oficial
de Justiça a sentença que suspendia o seu
mandato, ele mal pôde se sustentar sobre as
pernas, pois tremia da cabeça aos pés.
Estavam ali, a convite do suposto
dono, um desembargador de São Paulo, seu filho
enfermo de tuberculose e sua família. Com a nossa
chegada, quis ele imediatamente sair, mas, a nosso
convite, ficaram, e tornamo-nos amigos, convivendo
em nossa casa por algum tempo.
Assim,
recuperamos a Guarda sob a chefia de nossa mãe,
valorosa mulher que se entregou bravamente à
administração da propriedade com energia e
desenvoltura invejáveis que lhe permitiram
granjear o respeito e a admiração de todos.
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