Dona
Sinhazinha
Foto
ilustrativa da Dona Sinhazinha no Rancho Santo
Antonio.
Foi
verdadeira heroína na luta pela vida. Após a
morte de meu pai, em 1912, ela ficou com dois
filhos menores e mais nada, pois não havia na época
a proteção da Previdência, nem para funcionários
públicos, como meu pai, que era promotor da justiça
em Mogi das Cruzes. Da noite para o dia, minha mãe
ficou sem qualquer meio de subsistência. Corremos
todos para a casa de meu avô, pai dela, que
morava
em São Paulo
, e ali ficamos.
Para
viver e nos educar ela contou com o gesto
fraternal e amistoso de uma prima D. Iaiá, que
trabalhava na fabricação de doce de leite e
tinha boa freguesia. Esta deu à D. Sinhazinha
todos os utensílios para o trabalho e passou-lhe
os compradores, num gesto maravilhoso de amizade e
compaixão raramente encontrado com tão grande
desprendimento.
Assim,
começou a fabricar o doce de forma artesanal.
Comprava o leite da Cia. Ararense, que fazia a
distribuição na cidade, em carrocinhas; leite de
primeira qualidade. Como fogão, usava um
fogareiro Primus a gasolina, que ficava no chão
para maior comodidade, em virtude do interminável
mexer para a evaporação da água do leite.
O
doce era feito em talhadas pequenas e finas que
depois eram colocadas em latas para melhor
conservação. A entrega era feita por meu irmão
e por mim, que disputávamos determinados
compradores, como a D. Berta, com bonbonnière na
Praça Antonio Prado, pois, cada vez que ali levávamos
os doces, ela nos brindava com um pacotinho de
balas de goma, para nós novidade, além de as
adorarmos. Fazíamos entregas em casas na Rua 15
de Novembro, esquina da Ladeira Gal. Carneiro e no
cruzamento das ruas Líbero Badaró e Direita,
antes da existência da Praça do Patriarca.
Com
o ganho do doce de leite, D. Sinhazinha deu-nos, a
mim e ao meu irmão Eulálio, um diploma dos mais
caros e que nos tem valido na nossa vida.
Na
espera da solução para o problema da penhora da
Guarda, que era a nossa única esperança, moramos
com meu avô, até meados de 1915. De posse da
fazenda, D. Sinhazinha resolveu abandonar a
fabricação de doce de leite e partir para a
exploração agrícola na área que recebemos com
1413 alqueires.
No
início, dada a sua compreensível inexperiência,
teve percalços. Contratou vários capatazes
indicados por parentes e amigos, entre eles
Otaviano Marcondes Machado e José Manoel M.
Machado, seu primo irmão. Mas a coisa não corria
como era de seu desejo e, então, ela resolveu
assumir a direção de tudo que se referia à
administração da fazenda.
Havia
sido senhora de escravos, quando ainda menina
vivia na Fazenda Guarandi, do seu pai, em
Pindamonhangaba e, como decorrência desse fato,
tinha um temperamento muito rígido, não
permitindo incertezas nos seus servidores.
Certa
feita, na Guarda, havia contratado um casal de
portugueses. Levou o casal de São Paulo, pagando
todas as despesas e providenciando tudo para sua
instalação na fazenda. Dois dias após a
chegada, ao dar-lhes uma ordem de serviço, o
português respondeu: - Diga!. Ela tomou essa
resposta como um desaforo e falta de respeito à
patroa e o despediu na mesma hora, apesar dos
insistentes pedidos meus e de meu irmão para que
fosse mais tolerante, dado o fato de se tratar de
uma expressão comum dos transmontanos. Não
conseguimos demovê-la do resolvido.
O
seu sacrifício foi grande para educar-nos e para
vencer a batalha da administração da Guarda.
Nunca a ouvimos lamentar, pois estava sempre
disposta a atender a tudo e a todos com boa
vontade e educação. Morou muito tempo sozinha na
fazenda, contando com nossa ajuda e com a colaboração
de empregados e amigos. Conseguiu vencer com
galhardia a todos os obstáculos surgidos e pôde
dar aos filhos a desejada educação e cultura.
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