Meu
irmão Eulálio
À
esquerda Oscar Godoy e a direita seu irmão
Eulálio.
Com
a morte de meu pai em 1912, ficamos minha mãe, eu
e meu irmão Eulálio Ribeiro de Godoy. A nossa
existência foi sempre muito unida. Nunca nos
separamos, a não ser em férias escolares ou
viagens para Campos do Jordão.
Em São Paulo
, morávamos em casa de meu avô e tínhamos um
quarto no porão da casa. As casas não eram
assobradadas, mas tinham um pavimento inferior com
pé direito muito baixo, perfeitamente habitável.
Ali vivemos até que, recebida de volta a Guarda,
minha mãe veio nela morar para administrá-la, e
meu irmão e eu ficamos
em São Paulo
para estudar.
Eulálio
estudou em colégios para as primeiras letras e
depois fez exames parcelados no segundo grau,
obtendo, assim, o diploma de curso secundário. Não
quis prosseguir nos estudos e logo procurou
trabalhar, entrando para a Polícia Civil.
Quando
jovem, meu avô exigia que chegássemos em casa,
no mais tardar, às 9 horas da noite. Desejosos de
freqüentar bailes e festinhas, quase que
diariamente procurávamos meios para burlar o seu
código moral, certo, para ele, mas muito rígido
para dois menores em plena adolescência. Assim,
nos servíamos de uma portinhola, usada para a
entrada de carvão e lenha. Eu e meu irmão entrávamos
em casa pela porta principal no horário
estabelecido, esperávamos um pouco e, logo em
seguida, saíamos pela porta do porão. Esta fuga
tinha a proteção de nossa tia Frederica, que nos
avisava o momento adequado, quando o meu avô já
dormia.
Eulálio,
desde jovem, revelava notável pendor para ser
artista de teatro e a tudo que se referia ao mundo
das artes. Quando menino, comprou uma máquina
manual de projeção e logo começou a organizar
espetáculos no porão onde vivíamos. Depois
organizou um circo, sendo artistas todos os primos
da mesma idade. Nós trabalhávamos durante a
semana para montar o espetáculo. Havia picadeiro,
trapézio e outras animações de circo, tudo
cercado com papel de jornal colado em postes de
madeira.
O
artista que trabalhava nas argolas tinha a proteção
de uma rede feita com enxergão de arame de cama,
que se usava muito em tempos passados, as meninas
dançavam e cantavam, outros primos trabalhavam
como equilibristas ou como palhaços. Enfim, cada
um de nós tinha a sua função dentro do espetáculo.
Ficávamos
indignados quando, terminado o espetáculo, os
espectadores, que eram nossos tios e amigos, não
saiam pela porta, mas sim pelas paredes de jornal,
levando-as no peito. Necessitávamos fazer tudo de
novo para o próximo espetáculo.
Enjoado
do circo, o empresário, que era meu irmão,
resolveu partir para a exploração do teatro, que
era sua verdadeira vocação. Então, ele montou
um palco no porão da casa de meu avô Amador, de
sociedade com meu tio Baltazar. Todos passamos a
ser artista de teatro, mas o protagonista de todas
as peças era sempre o próprio Eulálio.
Ele
fazia sucesso representando papéis de caipira em
trabalhos dirigidos por Baltazar e contracenava
com nossas primas nos papéis femininos. Nasceu
para ser artista, mas, na época, não eram
consideradas boas pessoas aquelas que optavam por
essa profissão. Em geral, tinham má fama e esse
conceito impediu-o de realizar seu mais alto
sonho.
Para
compensar, Eulálio não perdia espetáculos e
conhecia, como poucos, os artistas da época. Não
perdia representações de Leopoldo Fróes,
Sebastião Arruda, Procópio Ferreira e Jaime
Costa, pelos quais tinha profunda admiração.
Durante a vida colecionou programas de teatro de São
Paulo e formou uma biblioteca sobre o assunto. Após
sua morte, doamos tudo ao Departamento de Cultura
de USP.
Frustrado
em seu maior anseio, foi trabalhar no Serviço de
Identificação de São Paulo, onde se
especializou na pesquisa de impressões digitais,
trabalhando até se aposentar no Arquivo Dactiloscópico.
Foi sempre cumpridor de seus deveres, realizando o
seu mister com honradez e eficiência.
Na
Guarda e no Rancho Santo Antônio foi companheiro
fiel para sempre e de todos. Gostava de montar e
sempre possuiu bons cavalos e selas que mandava
confeccionar na Selaria Marcondes
em Guaratinguetá. Mais
recentemente costumava, nos fins de semana ou
feriados prolongados, levar companheiros do Serviço
de Identificação para gozar as delícias de
Campos do Jordão. Entre estes, é de se destacar
Abelardo da Cunha Lobo, Fernando Castro e Tinoco
Barbosa. Todos já se foram, mas vivem em nossa
memória pelo amor que dedicavam a Campos e pela
fraterna amizade dedicada ao meu irmão.
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