O
RANCHO SANTO ANTÔNIO
O
Rancho Santo Antônio.
I
Assim
que foi vendida a nossa fazenda da Guarda, tínhamos
prazo para sair e precisávamos construir, na
gleba que reservamos para nosso uso, no mais breve
tempo possível. Estabelecida a demarcação da área,
começamos a procurar um lugar que fosse saudável
e ao mesmo tempo amplo.
Procura
daqui, procura dali, optamos por uma elevação
servida pelo riacho Três Barras e constituída
por terreno mais ou menos plano. Então, construímos
um rancho pequeno, de acabamento precário para
logo abrigar móveis e pertences. A vivência no
local, desde logo, nos convenceu da
impossibilidade de ali ficar, tal o grau de
umidade da região. A casa que fizemos era de
madeira serrada no local e coberta de capim
retirado dos arredores. Tinha poucas condições
de conforto, pois não havia água encanada e as
instalações sanitárias ficavam do lado de fora,
num córrego.
Feita
uma pequena mangueira para a ordenha das vacas, em
pouco tempo aquilo virou um lamaçal. Ali ficamos
até 1930, quando resolvemos mudar daquele charco.
Conversando
com um empregado, Chico Pedro, que nos servia
desde os tempos da Guarda, indaguei a existência
de um lugar mais adequado para levantar a nossa
casa e ele nos indicou um morro com uma bela vista
e amplo para construções. O morro era alto: como
obter água lá em cima? Na época, nem se falava
em luz elétrica.
Achamos
uma nascente com altura suficiente para obter água
por gravidade.
Eu
e meu irmão Eulálio, com a ajuda de camaradas,
levantamos as paredes e iniciamos assim a construção
do atual Rancho Santo Antônio, que tem esse nome
numa singela homenagem ao meu pai: ele – Antônio
Amador de Godoy Moreira – morreu lutando pela
posse de suas terras em Campos do Jordão.
Marquei
o traçado da estrada com teodolito emprestado de
meu tio Alexandre, desde o local escolhido até o
rio Sapucaí, onde hoje está localizada a ponte
que nos dá acesso à fazenda. Durante algum tempo
não tínhamos ponte e deixávamos o carro na
margem do rio. Deste ponto, subíamos a pé por
mais ou menos um quilômetro. Atravessávamos o
rio por um pinheiro caído da margem, formando uma
verdadeira “pinguela”, e o carro ficava sob as
árvores, no local onde hoje está o sobrado do
Sr. Alexandre, nosso vizinho e amigo.
Nestes
tempos de assaltos e roubos, isso parece até
irreal, mas os veículos ali permaneciam, às
vezes, por todo o período de nossas férias e
ninguém, apesar da proximidade da estrada, os
tocava, tendo em vista o respeito à propriedade
alheia.
Assim
foi feito durante anos até que contratamos, com o
Juquita, a construção da ponte que durou cerca
de 50 anos.
Desde
então, lutamos para acompanhar o progresso
vertiginoso de Campos do Jordão e colaborar, por
todos os meios, para que esta terra seja
acolhedora e atraente.
II
Em
1930, já instalados na nova casa onde estamos até
hoje e, após a proibição do corte de madeiras,
resolvemos partir para a produção de leite e
derivados.
Possuíamos
várias reses de má qualidade trazidas da Guarda
com a nossa saída e precisávamos melhorar o
rebanho para aumentar a produção. Então,
financiados pelo Banco do Estado, adquirimos em
leilões, em Ribeirão Preto, algumas cabeças de
vacas Gir Leiteiro e um touro da mesma raça de um
criador de Jacareí, nas margens da Via Dutra.
Assim,
iniciamos a produção de leite passando logo a
fabricar manteiga que entregávamos uma vez por
semana no Grande Hotel. Era um bom negócio, porém,
o único consumidor em certa escala da nossa
cidade, além do consumo muito irregular.
Filiamo-nos
à Cooperativa Agrícola de Cotia e passamos à
cultura de batata durante dez anos. Chegamos a
fazer sociedade com cinco famílias do Sul de
Minas. O empreendimento foi bom e tivemos ótimos
resultados, mas a impossibilidade de estar à
testa do negócio por exercer a minha profissão
de médico em São Paulo nos levou a abandonar a
produção.
Partimos
para a criação de frangos de corte. Construímos
galinheiros para 10.000 cabeças e chegamos a
tirar por semana cerca de 1000 frangos com 60
dias, e recebíamos, no mesmo período, 1000
pintos de um dia de granjas especializadas. Nos
associamos a uma família de japoneses, mas sempre
enfrentando o problema de não estar diariamente
acompanhando a produção. Logo verificamos a
dificuldade de tocar o negócio estando o proprietário
ausente.
Fomos
uns dos primeiros a vender frangos limpos. Recebíamos
a encomenda do Grande Hotel, em geral de
50 a
80 cabeças, e iniciávamos o serviço. Pagávamos
os funcionários por ave limpa e o trabalho era
feito à noite. Após o término das atividades
rotineiras da fazenda, a turma jantava, e se
iniciava a matança, depena e limpeza, tudo feito
à unha. Compramos materiais adequados para
facilitar um pouco o trabalho que seguia pela
noite. Pela manhã, num pick-up, fazíamos a
entrega. Também não acertamos com os sócios
nessa lucrativa produção e tivemos que abandonar
o negócio.
Certo
dia, estando na mangueira examinando algumas
reses, surgiu na estrada uma senhora elegante, bem
trajada, denotando tratar-se de turista. Ela nos
pediu um copo de leite, pois vinha a pé desde a
frente da casa Nolima, onde morava. Tratava-se da
Sra. Troiko que adquirira a chácara que
pertencera ao Dr. Luiz dos Anjos Câmara Lopes,
nosso prezado amigo. Depois de tomar o leite que
lhe oferecemos, a Sra. Troiko perguntou-nos por
que não fazíamos aquilo diariamente para atender
os turistas.
Surpresos
com a idéia, passamos a avaliar as possibilidades
de nos organizarmos para atender diariamente o
fornecimento de leite no copo tirado na hora, por
onde nos enveredamos até hoje.
Resolvemos,
bem mais tarde, criar cavalos da raça
manga-larga, ampliando as instalações para um
haras moderno e eficiente. Por último, montamos
uma pensão para cavalos, aproveitando o grande
conhecimento de nossos auxiliares na especialização.
Recebemos animais de pessoas que não dispõem de
área para criá-los e nos deixam para tratamento
e exercícios, vindo montá-los nos fins de
semana.
Temos
nos esforçado para facilitar, por todos os meios,
o progresso da região e o desenvolvimento do
turismo entre nós. A nossa contribuição é
pequena, modesta, mas leva no âmago o amor por
essa terra e pelo dever de preservar da melhor
forma possível o patrimônio que nos foi legado.
Tenho
no meu sítio, Rancho Santo Antônio, um pequeno
museu, onde são conservados alguns troles da época
em que não havia automóvel: uma carroça, que
nos ajudou a construir muitas de nossas estradas;
um carro de boi, que adquiri em Brasópolis,
cidade no Sul de Minas e algumas peças raras,
como lampiões, litros de leite de vidro, silhão,
etc., que conservamos para o deleite dos turistas.
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