Alguns rótulos da coleção de cachaças da coleção de Francisco Honório da Silva, o Chico da Farmácia.
Colecionar cachaça também é cultura
Introdução
Nos mais diversos rincões mundiais existem pessoas que se dedicam a colecionar infinidade de objetos e coisas. Podemos dizer que colecionar é uma espécie de entretenimento ou simples e saudável “hobby”. Porém essa atividade é muito mais profunda e importante. Além de ser, realmente, um entretenimento, a atividade de colecionar é arte, ciência que desenvolve aprendizado, caracterizando excelente atividade cultural. Na maioria dos países, as diversas formas de colecionar são respeitadas e admiradas.
A arte e o hábito de colecionar algum objeto, artefato ou determinada coisa faz parte do cotidiano desde tempos remotos. É difícil afirmar que alguém nunca colecionou algo em sua vida, até com a preocupação de estar guardando verdadeiros tesouros.
A arte de colecionar pode até ser encarada como verdadeira mania ou loucura para muitos ou atividade plenamente saudável para outros. Essa arte trouxe inúmeros benefícios em todo o mundo. Por intermédio dela surgiram grandes, importantes e valiosas coleções, muitas vezes iniciadas por pequenas coleções particulares, várias de valor sentimental, outras de relevante valor histórico, preservando informações históricas de determinada época, dos mais diversos objetos e artefatos até informações importantes sobre grupos sociais, civilizações e culturas.
O colecionador não tem idade previamente estabelecida. Pode iniciar uma coleção desde tenra idade até idade avançada. Colecionar alguma coisa, portanto, é atividade plenamente saudável e cultural, que transmite ao colecionador agradável sensação de prazer, posse e até de poder. Na opinião de psiquiatras, colecionar é atividade absolutamente normal, proporcionando uma valiosa higiene mental. A arte de colecionar proporciona, também, excelente oportunidade para a descoberta de novos horizontes culturais e grande facilidade de intercâmbio, especialmente, ampliando amizades com inúmeros adeptos da mesma modalidade.
Existem coleções diversas, até exóticas, muitas que impressionam pela sua grandiosidade, simplicidade, tipo, tamanho, custo e outras peculiaridades dos objetos colecionados. Dentre algumas coleções podemos destacar: livros e revistas, relógios, selos ou filatelia, cartões telefônicos e postais, veículos diversos, discos, CDs, DVDs, sapatos, roupas, chaveiros, lanternas, fotografias, bebidas e muitas outras.
A coleção objeto deste trabalho é de cachaça, caninha, pinga e aguardente, como é conhecida a bebida destilada obtida do mosto fermentado de inúmeros frutos, cereais, raízes, sementes, tubérculos, etc. No caso, especificamente da fermentação da garapa da cana-de-açúcar, que é o elemento básico para a sua obtenção, originando vários tipos de álcool, entre eles o etílico. A cachaça pertence à nobre família das aguardentes, da eau-de-vie ou aquavit. Já a fermentação do melaço da cana-de-açúcar dá origem à aguardente.
A cana-de-açúcar é uma planta pertencente à família das gramíneas (saccharum officinarum), originária da Ásia, onde teve registrado seu cultivo desde os tempos mais remotos da história.
No Rio Grande do Sul, a cachaça, pinga ou canha são os nomes dados à aguardente de cana, uma bebida alcoólica tipicamente brasileira. Seu nome pode ter sido originado de cachaza, palavra da velha língua ibérica significando vinho de borra, um vinho inferior bebido em Portugal e Espanha, ou ainda, de "cachaço", o porco, e seu feminino "cachaça", a porca. Isso porque a carne dos porcos selvagens encontrados nas matas do Nordeste – os chamados caititus – era muito dura e a cachaça era usada para amolecê-la.
Pequeno histórico para explicar como surgiu, quase por acaso, essa bebida consumida por muitos, com grande e necessária moderação, por outros, através do vício incontrolado e lamentável. Muitos têm o prazer de colecionar essa bebida que vem acondicionada nas mais diversas e lindas embalagens, com rótulos interessantes e diversificados, mantendo-a em belas coleções que registram diversos aspectos da nossa cultura popular, regional e histórica.
É preciso ficar clara a grande diferença entre colecionador e apreciador de cachaça. Colecionador, normalmente, é aquele que coleciona a cachaça somente pelo prazer da preservação das suas diversas espécies, tipos, procedências, marcas etc., procurando manter viva toda uma história a ela relacionada. Apreciador é aquele que, ao invés de manter uma coleção de diversos tipos da cachaça, está preocupado em degustá-la ou bebê-la com certa frequência ou mesmo em determinados momentos que, muitas vezes, nem chegam a ser tão frequentes, mas pelo simples prazer de sentir seus diversos sabores. O apreciador, na realidade, é um consumidor e, como tal, nunca conseguirá ser um colecionador, mantendo uma coleção, no caso, de cachaça.
“Antigamente, no Brasil, para se obter o apreciado melado, os escravos colocavam o caldo da cana-de-açúcar em tachos de cobre e levavam ao fogo. Não podiam deixar de mexer até tomar consistência cremosa.
Em determinado dia, cansados de tanto mexer, com diversos outros serviços para terminar, os escravos deixaram de mexer e o melado desandou.
No dia seguinte, encontrando o melado azedo e fermentado, procurando esconder a falha dos feitores, não pensaram duas vezes: misturaram o melado azedo com o novo melado e os levaram ao fogo.
O azedo do melado antigo era álcool e, aos poucos, foi se evaporando, formando, no teto do engenho, diversas goteiras que iam pingando constantemente. Era a cachaça já formada que pingava. Daí o nome PINGA.
Quando a pinga caía nas costas dos escravos, marcadas pelas chibatadas dos feitores, ardia muito devido ao álcool. Daí o nome de ÁGUA-ARDENTE.
Quando caíam em seus rostos e escorriam até a boca, os escravos perceberam que, com a tal goteira, ficavam alegres e com vontade de dançar. Assim, sempre que queriam ficar alegres repetiam o processo.” – História contada no Museu do Homem do Nordeste.
A coleção de cachaça do Chico da Farmácia
Francisco Honório da Silva, o conhecido Chico da Farmácia, jordanense estimado, amigo de todos, pertence à grande e conceituada família de Campos do Jordão e começou a sua coleção de cachaça quase que por acaso.
Contou-nos que em 2004 ganhou de presente do grande e saudoso amigo João Guedes – ele mesmo, o seu João do Bar da Estação de Vila Abernéssia, bisavô materno de seu filho – uma garrafa da aguardente com o rótulo de “Caninha Pelé”. Começou assim sua nova coleção que acabou se transformando na mais importante, pois, desde criança, já colecionava moedas, selos, miniaturas de automóveis e motos e muitas coisa mais. Seu grande prazer com essa coleção só não virou um vício incontrolável devido ao seu pleno autocontrole e domínio.
Chico, bastante cuidadoso, de bom gosto inconfundível, organização esmerada, talvez oriunda das farmácias da família, pediu a experiente marceneiro para fazer algumas lindas e especiais prateleiras, colocando-as na sala de sua casa. Assim, aos poucos, foi acondicionando as garrafas de cachaça que ia ganhando de familiares e alguns amigos ou até comprando.
Com a coleção em andamento, foi aprimorando-se na atividade, aprendendo e tomando conhecimento sobre as diversas marcas e tipos de aguardente que existiam e sobre as muitas que já pertenciam à sua coleção. Assim, descobriu que a primeira garrafa pertencente à sua coleção, a “Caninha Pelé”, é uma verdadeira raridade, dificilmente encontrada no mercado. Brigas jurídicas procurando preservar direitos relacionados ao nome e à imagem do famoso e grande ex-jogador de futebol foram responsáveis pela grande procura dessa raridade pelos colecionadores, elevando o custo unitário de cada garrafa da cachaça, chegando alcançar preços até superiores a dez mil reais.
A coleção aumentou nestes sete anos. Para reunir os exemplares da sua coleção de cachaça, Chico foi obrigado adquirir mais prateleiras, bem planejadas e finamente acabadas, sempre, elaboradas por profissional altamente gabaritado.
Chico lembra que, cada garrafa tem sua história peculiar, fazendo-o lembrar das inúmeras dificuldades enfrentadas para conseguir cada uma delas. Lembra também, depois que começou sua coleção, conheceu inúmeros tipos de cachaça e afirma, algumas marcas superam as melhores qualidades de uísque.
Durante esse tempo de colecionador de cachaças já percorreu diversos alambiques, muitos que produzem, unicamente, a pinga vendida para o comércio exterior, altamente procurada por diversos países no mundo todo.
Dedicado e estudioso, procurando valorizar sua coleção, procura aperfeiçoamento em livros, revistas e jornais, ampliando o seu conhecimento sobre o assunto.
Conhecedor de muitas histórias relacionadas à bebida e a esse tipo de coleção, as conversas com o Chico são bastante interessantes, históricas, divertidas e culturais.
Chico faz questão de esclarecer que é um colecionador de cachaças e não consumidor. As garrafas da sua coleção estão intactas e devidamente fechadas. Claro, mantém separadamente alguns poucos exemplares para oferecer uma pequena dose aos amigos que o visitam para conhecer sua coleção. Nessas oportunidades, para acompanhar os amigos, acaba degustando uma meia dose.
A coleção do Chico já está bem próxima de duas mil garrafas. Sua pretensão é concorrer e, quiçá, superar o grande colecionador mineiro Messias Cavalcante, da cidade de Alfenas – MG, recordista mundial inscrito no famoso Livro dos Recordes “Guiness Book”, como maior colecionador de cachaça do mundo, com mais de treze mil exemplares.
Na coleção do Chico, muito bem estruturada e organizada, existem prateleiras bem localizadas, imprimindo decoração especial, simpática e bonita aos ambientes da sua casa, com garrafas acondicionadas e expostas separadamente. Dentre os muitos títulos, podemos destacar garrafas com os seguintes rótulos: nomes de pessoas, raças de animais, times de futebol, luas, serras, rainhas e reis, santos, cores, símbolos diversos, bandeiras, Minas Gerais, cidades diversas, países, séries que já deixaram de ser fabricadas, diversos tipos não só da cana, cachaças tradicionais da série “ouro”, série exportação, embalagens padronizadas, carnaval, procedentes das regiões de Cristalina – GO, Salinas – AL, Paraty – RJ, Januária – MG e outras, premiadas pela Revista Playboy, importadas feitas de arroz, pisco, grapa, com embalagens tipo uísque.
Na coleção existem várias relíquias que já deixaram de ser fabricadas, portanto raras para muitos colecionadores. Dentre essas relíquias podemos destacar a famosa “Calvila”, um destilado, uma aguardente feita da sidra, suco fermentado de maçã, de finíssima qualidade e saborosíssimo paladar, o primeiro “calvados” brasileiro, produzido pela extinta Fazenda Belfruta, desde o início da década de 1950, até quase o seu final, em Campos do Jordão, cidade localizada na Região Sudeste do Estado de São Paulo. Também um outro destilado de maçã, talvez o segundo “calvados” jordanense e brasileiro, e também destilados de outras diversas frutas, denominados “Eaux-de-vie”, muito apreciados e distribuídos aos mercados do País, com a marca HOMEMADE, fabricados pela Fazenda da Agro Industrial Campos do Jordão Ltda., de propriedade do barão e da baronesa Von Leithner, por meio do esforço e dedicação do administrador Max Ambühl, um suíço radicado em Campos do Jordão. Na coleção, vários tipos de destilados de frutas como maçã, pera, pêssego e ameixa, da Marca NORMANDIE, que deixaram de ser fabricados após o falecimento do seu proprietário e produtor, o saudoso Marcos Palombini, da cidade de Vacaria – RG.
Desejamos sucesso ao amigo Chico, esperando que o seu desejo seja, realmente, concretizado, ou seja, superar o atual recordista e, oxalá, tendo o seu nome registrado no livro dos recordes “Guiness Book”, engrandecendo o seu nome e o da cidade de Campos do Jordão, mostrando ao mundo que colecionar cachaça, com amor, dedicação e esmero, também é uma forma de cultura.
Edmundo Ferreira da Rocha
15 de abril de 2011.
CONTATO: Francisco Honório da Silva - e.mail: franciscohonorio@ig.com.br
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