Entre as décadas de 30 e 70, Campos do Jordão foi o Paraíso das Pêras.
Em quase todos os quintais, de ricos e pobres, no mínimo havia um pé de pêra, uma pereira.
Inúmeras propriedades tinham enormes perais (pomares de pêras), com diversos tipos de pêras. Algumas propriedades tinham perais com mais de mil pereiras.
Também, nesse período, algumas propriedades se dedicaram ao cultivo da maçã, com diversos e bem formados pomares dessa fruta, importantíssima para Campos do Jordão.
Alguns dos pioneiros na plantação das pêras e das maçãs em Campos do Jordão foram, entre muitos outros, a família dos Fracalanzas, em sua Chácara Fracalanza, situada na entrada de Vila Abernéssia, família Rocha, família Dubieux, a família Domingues Pereira, a família Bockmann, na Fazenda Belfruta, a família Sirin, a família Abrantes, a família Gabus Mendes, a família Reis da Cunha.
Na primavera, nos meses de setembro, época das floradas, os perais mais pareciam enormes véus brancos, lindos, maravilhosos, que mais lembravam os véus usados pelas noivas em seus trajes nupciais.
O perfume da florada era maravilhoso. A quantidade e a movimentação das abelhas de diversos tipos, que vinham desfrutar das flores para extrair o néctar precioso para a fabricação do alimento dos Deuses, o mel das floradas das pereiras, eram indescritivelmente intensas. O zumbido das abelhas podia ser percebido a muitos metros de distância dos perais.
À época dos frutos, nos meses de fevereiro e março, a quantidade de pêras que eram colhidas aqui em Campos do Jordão era indescritível.
Muitas eram cuidadosamente encaixotadas e enviadas para os grandes mercados dos centros urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro e cidades diversas.
Uma outra grande quantidade era utilizada para a fabricação de doces diversos, consumo “in natura”.
Nas décadas de 40 e 50, a pêra também foi muito utilizada para a fabricação do destilado de pêra puro, ou utilizada em conjunto com a maçã, um destilado misto que, acabou sendo denominado CALVILA.
A calvila, nome derivado de calvados, é um destilado único e especial, feito exclusivamente das maçãs. A calvila, portanto, foi o primeiro calvados produzido no Brasil, aqui na cidade de Campos do Jordão.
Todos esses tipos de calvila eram fabricados pela Fazenda Belfruta, de propriedade do Sr. Paulo Bockmann e do Dr. Adhemar de Barros.
Nas décadas de 30 a 70, tínhamos vários tipos de pêras aqui em Campos do Jordão. O mais famoso deles era a pêra dura, cujo nome real era “pêra Kieffer”, de sabor e textura inigualável, tanto quando colhida no ponto exato, como quando colocada para amadurecer embrulhada em papel jornal. Dependendo do ponto do amadurecimento, a textura e o sabor eram muito diferentes.
Quando amadurecidas da maneira embrulhada uma a uma, adquiriam um perfume e um sabor especial, nada ficando a dever para as atuais e famosas pêras importadas da Europa e da Argentina.
Quando o peral era bem tratado e adubado, com o adubo natural, feito com as próprias folhas das pereiras que caíam ao chão no outono, juntadas e armazenadas em enormes buracos feitos na própria terra, acrescentando-se somente a água para que ocorresse a fermentação, chegava-se a colher frutos que se aproximavam de um quilo de peso.
Essa pêra era chamada, por muitos, de pêra de quilo. Era muito comum colher pêras com peso de 500 gramas ou mais.
Tínhamos, também, a famosa pêra-maçã, com formato muito próximo ao da fruta que lhe deu o sobrenome, porém de casca com a coloração verde e a poupa branquinha que nem coco. Era uma pêra ideal para se comer “in natura”, para fazer o destilado e especial para fazer a deliciosa geléia e doce de pêra em calda. Depois de preparados, tanto a geléia como o doce em calda adquiriam uma coloração extremamente rosada e maravilhosa, em virtude da sua grande acidez natural, a pectina, tão necessária para a elaboração dos mesmos.
Além dessas pêras, outras ficaram muito conhecidas pelas suas texturas próprias e inconfundíveis, formatos, colorações e sabores próprios, diferentes entre uma e outra.
Tínhamos a pêra d´água, a pêra conde, a pêra mulatinha, de coloração amarronzada por fora e com poupa, também, com a cor do coco; a pêra Joaquina, semelhante à pêra mulatinha, e muitas outras que não me recordo do nome.
Enfim, como disse no início, Campos do Jordão era o Paraíso das Pêras.
Hoje, lamentavelmente, devido aos loteamentos que surgiram, os grandes, médios e pequenos perais desapareceram, dando lugar às construções de casas e prédios.
Um fator que muito contribuiu para o desinteresse e a extinção de nossos perais foi a doença que os atacou a partir do final da década de 50. Segundo algumas pessoas mais ligadas ao ramo da agronomia, a doença era causada por um fungo produzido nas grandes plantações do tipo reflorestamento e que se proliferaram naquela época, quando foram plantados vários tipos de “pínus”, dentre eles o chileno, o “pátula” e o “Eliotis”, segundo esses entendidos, este último, o pior deles.
Assim, aconteceu lamentavelmente e infelizmente.
Hoje, algumas poucas propriedades ainda mantém, em seus quintais, talvez mais por saudosismo e por paixão às pêras de outrora, alguns exemplares plantados.
Campos do Jordão, 10 de novembro de 2005.
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