Sexta-feira,
manhã brumosa e fria.
Ruas
desertas, casas fechadas e mudas.
Aos
pés do Templo a cidade dormia,
Pairando
sobre ela a páscoa de Judas.
Jesus
levado a Pilatos
Para
confirmação da sentença.
Ia
sob injúrias e maltratos,
Escoltado
pela turba imensa
De
mercenários a serviço de Caifás.
Examinava
Pilatos o processo
Da
fracassada revolta de Barrabás,
Quando
Jesus a ele teve acesso.
O
comandante da guarda imperial
Informava-o
sobre a situação.
Subornado
pela casta sacerdotal,
Acusara
Jesus mentor da sedição.
Deixou
de lado os papeis em despacho.
Ergueu
os olhos empapuçados e baços,
Examinando
Jesus de alto e baixo.
Levantou-se
e, cadenciando o passo,
Pôs-se
a andar pelo salão.
Corpulento,
meia idade, orgulhoso.
Denotando
preocupação,
As
franjas do manto repuxava, nervoso.
De
soslaio observava o réu, surpreso.
A
túnica branca manchada de sangue
Dava-lhe
postura de mártir e não de preso.
Alto,
formas ideais, rosto exangue.
A
resignação patética do Nazareno
Modificou-lhe
a atitude.
O
olhar esquivo tornou-se sereno,
Seu
aspecto menos rude.
-
“És tu rei dos judeus?”
-
“Tu os dizes”.
Clamor
sinistros dos saduceus.
-
“Te acusam e não contradizes?
Não
vês quanto testeficam contra ti?”
Jesus,
impassível, deu de ombro.
Atitude
igual a tua nunca vi.
Por
Baco!... Causas-me assombro!
Voltando-se
para a multidão ululante:
“Admira-me
que este homem tanto vos revolte!”
Silêncio
expectante.
“Qual
quereis que vos solte?
Barrabás
ou este chamado Cristo?”
Dúvida,
perplexidade.
Culpa
não lhe vejo, por isso insisto.
Os
sacerdotes impuseram sua autoridade,
Convencendo
a multidão
Preferisse
Barrabás a Jesus.
-
Para Barrabás, perdão!...
-
Para Cristo, a cruz!...
Pilatos
podia anular a decisão
Do
Sinédrio ou de qualquer tribunal
No
âmbito da sua jurisdição.
Estava
num dilema infernal,
Sem
poder evitá-lo.
Sua
vontade de ser justo
Esbarrava
na decisão de condená-lo
Forçando-o
a todo custo.
Atônito
ante um mísero inocente,
Por
isso todos querendo-o na cruz,
Sentia-se
impotente
Para
decidir o seu e o destino de Jesus.
Crucificar
cometeria injustiça,
Não
crucificar apelariam a Tibério.
Implacáveis
como corvos na carniça,
Sobre
Jesus a ele as garras do império.
Pilatos
hesitava.
A
turba acionada por Caifás
Histericamente
gritava:
Barrabás!...
Barrabás!... Barrabás!...
-
“Pois que mal tem ele feito?”
-
Seja crucificado!...
Reconhecendo
não haver outro jeito,
Jesus
estava mesmo condenado,
Lavou
a mão dizendo:
-
“Estou inocente do sangue deste justo”.
Da
responsabilidade assim se desfazendo
E
evitando futuro susto.
Fitou
Jesus, abanando a cabeça
Com
desânimo cheio de enfado.
-
Por incrível que pareça,
Julgo-te
apenas um obstinado.
Nada
mais posso fazer.
Entrego-te
a teu destino.
Sabes
o que vai te acontecer?
-
Volto ao Reino Divino.
-
“Tu és rei?”
-
“Pra isso nasci”.
Meu
reino não é deste mundo, já declarei.
“Para
dar testemunho da verdade vivi.”
-
“O que é a verdade?”
Perguntou
Pilatos, ironizando.
Jesus
sorriu com piedade,
A
cabeça abanando.
Ele
sabia que cada um tem,
Como
padrão de valor absoluto,
A
verdade que lhe convém,
Desde
o juiz ao dissoluto.
-
Queres saber o que é a verdade...
Para
ti, a lei romana.
Para
mim, lei do amor, da paz e da liberdade.
Lei
de Deus à redenção humana.
Barrabás!...
Barrabás!... Barrabás!...
-
Há três verdades, então.
A
minha, a tua e a de Caifás.
Por
Baco!... Quanta confusão!
-
Há muitas verdades, eu sei.
Mas
uma só verdadeira.
A
Lei de Deus, eterna Lei!
Permanecerá
sempre inteira.
-
Na verdade, precisas então saber,
Agindo
estou com toda imparcialidade
Para
te condenar ou absolver.
Não
crês na minha sinceridade?
-
O verdadeiro juiz julga à luz da razão.
A
justiça é a consciência da verdade
E
o Direito seu instrumento de ação.
Na
verdade lavaste as mãos, Pilatos.
Na
toga da justiça enxugaste.
Não
és senhor dos teus atos,
Como
acreditar que me julgaste?
-
Duvidas de mim?
-
A dúvida é tua.
Não
me iludo, cheguei ao fim.
Não
ouves o clamor da rua?...
-
Cristo à cruz!...
-
Pilatos, cumpre teu dever!...
Pilatos,
acuado, fitava Jesus.
-
Vês?... A verdade é fácil de saber.
Saibas
também que teu império vai cair
A
golpes da minha verdade...
Meu
caminho a humanidade vai seguir
Para
viver em paz ao sol da liberdade!...
Pilatos
desviou o olhar, recalcando o desgosto.
Vendo
os sacerdotes açulando a multidão.
O
orgulho romano avermelhou seu rosto.
Resolveu
dar-lhe inesquecível lição.
Mandou
por em Jesus coroa de espinho
E
o letreiro O REI DOS JUDEUS.
Pegou-o
pela mão e com riso escarninho
Apresentou-o,
reverente, aos hebreus:
“EIS
O HOMEM!”
A
revelação da verdade
Numa
frase que os séculos não consomem
Porque
gravada na eternidade.
Olhava-os
com ar maroto.
Quando
viram o Rei, o seu Rei,
Todo
ensanguentado e roto
Viram
também cumprir-se a Lei.
Entreolhavam-se
estupefatos.
Quem
lhe inspirava a insólida decisão?
Indagavam-se,
olhando para Pilatos,
Ódio
corroendo-lhes alma e coração.
E
quando viram Jesus levado a Herodes,
De
lá voltando vestindo manto real,
Puxavam
os cabelos gemendo: isso não podes...
Debandaram
como de cortejo funeral...
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