Após magnífica campanha e excelente desempenho, a nossa querida Seleção Brasileira de Futebol, sob o comando austero, ao mesmo tempo amistoso, do Dr. Paulo Machado de Carvalho, o nosso saudoso Marechal da Vitória, conquistou, no ano de 1958, na Suécia, com muito brilhantismo, o título de Campeã do Mundo.
Em 1962, na próxima edição da Copa Mundial de Futebol, a nossa Seleção iria à busca de uma nova vitória, à busca do título de bicampeã da tão ambicionada “Taça Jules Rimet”, agora em Viña Del Mar, no Chile.
Para os preparativos iniciais e treinamento dos jogadores convocados, aceitando um convite especial do prefeito de Campos do Jordão, na época, o laborioso e dedicado Dr. José Antonio Padovan, a Comissão Técnica da Seleção resolveu trazer para Campos do Jordão os 41 jogadores convocados, com a finalidade de definir a equipe titular da Seleção Brasileira de Futebol.
A Comissão Técnica, jogadores e todos que, de alguma forma, estariam se envolvendo no treinamento e preparação necessária da equipe, ficaram hospedados nas dependências do maravilhoso, primoroso e fantástico Hotel Vila Inglesa.
Essa concentração da Seleção Brasileira de Futebol em Campos do Jordão, na época, com muita propriedade, foi chamada e batizada de “ESTÁGIO DE CAMPEÕES” pelo nosso querido e saudoso amigo Plínio Freire de Sá Campello, homem ligado à propaganda em geral, que dedicou grande parte de sua vida à divulgação das belezas e dos atrativos da nossa querida “Campos do Jordão, a 1.700 metros acima das preocupações” – frase também de sua autoria e amplamente usada até hoje.
Os convocados para o “Estágio de Campeões” chegaram no dia 22 de março de 1962 à “Montanha Magnífica”, cognome também muito utilizado pelo Campello, para divulgar os Campos do Jordão. O desembarque dos primeiros jogadores e dirigentes ocorreu no período da tarde, por volta das 15 horas, em frente ao Departamento Municipal de Turismo – DMTUR, então sediado no local onde hoje está a Telefônica, na Praça Marcos Damas Caldeira, em Vila Abernéssia.
Nessa concentração da Seleção Brasileira de Futebol, aqui em Campos do Jordão, ocorreu um fato muito interessante que passou a fazer parte da minha vida para sempre. Durante todos os dias em que a Seleção esteve hospedada no Hotel Vila Inglesa, eu e vários companheiros, colegas do curso ginasial de nosso saudoso CEENE - Colégio e Escola Normal Estadual de Campos do Jordão, em nossos horários de folga das aulas, não perdíamos a oportunidade de lá estarmos junto aos jogadores, dirigentes, radialistas e todos que faziam parte desse estágio preparatório para a Copa do Mundo de 1962.
Um fato muito importante e interessante aconteceu nessa época. Passarei a descrevê-lo a seguir.
Nessa oportunidade, durante os treinamentos da Seleção Brasileira de Futebol, acabei travando um bom relacionamento com o Dr. Mário Trigo de Loureiro, dentista, pai da odontologia esportiva, que já havia acompanhado, anteriormente, outras seleções de futebol e, também, agora acompanhava a Seleção de 1962.
O Dr. Mário Trigo, o eterno Homem Sorriso, sempre foi um homem muito carismático, alegre, jovial, brincalhão, eterno e excelente piadista. Aqui em Campos do Jordão, nas dependências do Hotel Vila Inglesa, em determinada oportunidade, brincava de jogar voleibol com alguns jogadores da Seleção. Por azar, acabou caindo e luxou seriamente um dos tornozelos. Não teve outra solução: precisou imobilizar o pé e foi obrigado a utilizar muletas para poder se locomover. Eu, ainda quase um garoto, fanático torcedor da nossa Seleção, frequentava o Hotel Vila Inglesa diariamente, acompanhando de perto os preparativos de nossos jogadores. Assim, acabei sendo escolhido pelo Dr. Trigo para ser a sua “muleta humana”. Apoiando-se em mim, ele se livrava das muletas convencionais. Colocando o braço em meu ombro, juntos caminhávamos mais rápido e confortavelmente. Percorríamos todas as dependências do hotel, sem dificuldades. Durante as caminhadas conversávamos um pouco e dávamos muita risada. Ele fazia piada de todas as coisas e ia me ajudando a colher autógrafos de alguns jogadores mais arredios, pouco amistosos e que evitavam parar para atender seus admiradores.
A Seleção Brasileira de Futebol, após essa primeira fase de treinamento, visando definir sua equipe principal e reservas, completou seu período do “Estágio de Campeões” aqui em Campos do Jordão e foi embora, para nova fase de treinamentos em diversos lugares.
Felizmente essa seleção sagrou-se campeã, pela segunda vez, conquistando o seu bicampeonato na Copa do Mundo de 1962, na citada cidade de Viña Del Mar, no Chile.
Após os contatos que mantive com o Dr. Mário Trigo, aqui em Campos do Jordão, somente tive notícias dele pelos jornais, revistas, rádio e, posteriormente, pela televisão, sempre guardando ótimas recordações dele e daquela época.
Como costumamos dizer: nosso mundo dá muitas voltas e não sabemos quais surpresas podem estar reservadas para cada uma dessas voltas.
No ano de 1971, se não me falha a memória, chegando em casa após um dia de trabalho, minha mãe falou que, à tarde, um casal e mais uma senhora haviam estado em casa me procurando, porém não se lembrava dos seus nomes. Haviam deixado recado para procurá-los à noite, informando que estavam hospedados em Vila Capivari, na casa do Wilson Florin – pessoa muito ligada ao esporte –, situada logo após o tradicional e conhecido Posto Esso, local onde hoje está situado o Edifício Araucária. Fiquei curioso para saber quem me havia procurado. Não tive dúvidas, fui lá e, para minha surpresa, quando bati à porta, recebeu-me D. Julieta, grande amiga de algumas temporadas de férias aqui em Campos do Jordão. Fiquei muito feliz. Imediatamente perguntei por sua filha, a Vâni (Vanilde Shirley Mantovani), igualmente grande amiga de muitas tardes no nosso Tênis Clube de Campos do Jordão. Nem bem havia acabado de perguntar, apareceu a Vâni e ao seu lado o Dr. Mário Trigo. A princípio fiquei um tanto confuso, sem entender o que estava acontecendo. Só entendi quando ela me apresentou o Dr. Trigo como seu marido. Aí eu disse: “Já conheço o Dr. Mário desde 1962, quando da concentração da Seleção Brasileira de Futebol de 1962. Fui sua ‘muleta ambulante’ lá no Hotel Vila Inglesa quando machucou o tornozelo”. Ele, como sempre, já emendou com algumas de suas piadas hilárias. Conversamos muito e demos muita risada. Marcamos vários encontros para os demais dias que aqui ficaram. Numa dessas voltas que o mundo deu, jamais poderia imaginar que, um dia, iria ter a satisfação de reencontrar o Dr. Mário numa situação desta, casado com uma grande e querida amiga.
Alguns anos depois dessa oportunidade, encontrei o Dr. Mário Trigo juntamente com a Vâni, seus dois filhos e D. Julieta, no Restaurante “Frango Assado”, situado na Rodovia Presidente Dutra, nas proximidades de Jacareí - SP.
Esse encontro foi interessante e surpreendente. Acompanhado de amigo e colega de trabalho, da gloriosa e saudosa Companhia Energética de São Paulo - CESP, empresa em que trabalhávamos aqui em Campos do Jordão, estávamos de um lado dos amplos balcões que emolduram a parte central e operacional da lanchonete. Em determinado momento, olhei para o outro lado dos balcões e percebi que um grupo de pessoas olhava para o nosso lado, e um deles conversava com os demais e sorria muito. A princípio, sem fixar totalmente minha atenção e visão, não reconheci nenhuma daquelas pessoas e, ficando até meio intrigado, deixei de olhar para aquele lado. Continuei conversando com meu colega de trabalho, mas percebendo com o “rabo dos olhos”, como costumamos dizer, que o grupo de pessoas ainda continuava na mesma posição, olhando para nosso lado. Resolvi olhar novamente, agora com maior atenção e olhar fixo. Para minha feliz surpresa, de imediato, reconheci meus queridos e estimados amigos, acima mencionados. Aproximei-me deles, nos abraçamos, matamos nossa saudade, conversamos por algum tempo e, como sempre, contagiados pela alegria e piadas do Dr. Mário, demos muita risada. Estavam em viagem de férias, com destino à cidade de Caraguatatuba - SP. Trocamos endereços e telefones, prometendo encontros em próxima e prévia oportunidade.
Infelizmente, perdi a papeleta onde havia anotado os endereços e telefones dos amigos. Tentei, por diversas vezes, junto às listas telefônicas do Estado de São Paulo, recuperar os endereços e telefones, sem sucesso.
Perdi totalmente o contato.
Com muita alegria e felicidade, lendo o caderno de Esportes da “Folha de São Paulo”, do dia 07 de maio de 2008, deparei-me com reportagem sobre o Dr. Mário Trigo, mencionando o nome da Vâni que, durante a entrevista realizada, lembrava vários detalhes relacionados à participação do marido durante o convívio com diversos jogadores da Seleção Brasileira de Futebol. A reportagem mostrava foto do Dr. Mário Trigo, aparentemente muito bem fisicamente, com seus 96 anos de idade. Na reportagem encontrava-se a informação que eu procurava. Estavam morando na nossa Capital da República, a linda Brasília.
Não esperei um minuto. Entrei na internet e no GOOGLE, acessei a lista telefônica de Brasília. Procurei pelo nome completo do Dr. Mário Trigo e, infelizmente, nada encontrei. Procurei pelo nome completo da Vâni, de solteira e depois acrescentando o sobrenome do Dr. Trigo – lá estava o telefone e o endereço completo dos amigos queridos.
Imediatamente, no mesmo dia 07 de maio de 2008, liguei para Brasília. Imaginem minha emoção quando ouvi a voz do grande e querido amigo Dr. Mário Trigo atendendo ao telefone, na distante Brasília. Após minha informação, dizendo que era uma ligação de Campos do Jordão, sem titubear ele disse: “Olá, Edmundo, como vai você? Há quanto tempo não nos falamos”. Percebi que também, havia ficado muito feliz e até emocionado. Conversamos por algum tempo, relembrando alguns detalhes da sua estada em Campos do Jordão quando dos preparativos para a Copa do Mundo de 1962.
Perguntei pela Vâni e ele me disse que estava trabalhando e que só retornaria no final da tarde. Pedi que anotasse meu telefone e passasse para ela. Ele, como sempre, muito espirituoso, alegre, descomplicado disse: “Não vou anotar o seu telefone. Venha aqui. Quero te dar um grande abraço pessoalmente”. Ao que respondi: “Dr. Mário, estou em Campos do Jordão e o senhor está em Brasília. É muito longe”. Ele me respondeu dizendo isto: “Hoje nada é distante. Pegue um avião e venha aqui que quero te dar um abraço”. Respondi: “Vou fazer o possível para, dentro em breve, dar uma chegada até Brasília e cobrar esse abraço amigo que há tanto tempo venho esperando”. Em seguida nos despedimos (não sabíamos que era uma despedida para sempre).
Depois dessa oportunidade fiquei pensando: “Quando a Vâni retornar no final do dia, ele irá contar sobre nosso contato; porém, ela não tendo meu telefone, não poderá ligar”. Continuei pensando: “Vou esperar alguns dias, depois ligo novamente no horário da noite ou no final de semana e, com certeza, vou encontrá-la em casa.
Contei esta história a um médico amigo.
Nessa ocasião estava trabalhando com grande afinco, preparando homenagem merecida e necessária ao grande e querido professor, Mestre maior da nossa pintura jordanense, o grande e saudoso Camargo Freire que, no dia 13 de junho de 2008, estaria completando cem anos de nascimento. Por isso, visando dar conta do compromisso assumido com a coletividade e autoridades jordanenses, desliguei-me dos noticiários da televisão e até dos jornais.
No dia 09 de junho de 2008, feliz por ter completado os trabalhos para homenagear o Mestre Camargo Freire, cuja exposição estaria fazendo na data do seu centenário de nascimento, no Espaço Cultural da cidade, conversando novamente com o médico amigo a quem havia contado sobre os contatos mantidos com o Dr. Mário Trigo, ele me perguntou: “Você soube o que aconteceu com aquele seu amigo de Brasília?” Após minha negativa, ele disse que havia lido, na Folha de São Paulo, a notícia sobre seu falecimento. Quase não acreditei. Até, sem falar nada, duvidei e esperei que a notícia não fosse confirmada. Infelizmente, a dolorida e infausta notícia foi confirmada. Procurei o jornal daquela data e li entristecido sobre sua derradeira viagem, ocorrida no dia 02 de junho de 2008, a menos de um mês depois de ter conversado com ele ao telefone.
Muito triste e inconformado, me recriminei diversas vezes, pensando e me perguntando: “Porque não fui a Brasília atender ao convite do querido amigo que queria me abraçar pessoalmente?” Como ele mesmo disse: “Venha até aqui. Hoje é tão fácil. Pegue um avião e em poucas horas você estará aqui”. Realmente, ele com toda sua sabedoria e experiência de vida, estava completamente certo. Teria sido muito fácil ter ido lá abraçá-lo. Porém nunca poderia imaginar, isso nunca passou por minha cabeça, que o desfecho dessa linda história poderia estar tão próximo. Com certeza, se tivesse ido, ao menos teria o conforto, a grande lembrança de ter abraçado, mesmo que pela última vez, um grande e querido amigo. Agora só me resta a saudosa lembrança do seu largo, feliz, alegre, sincero, constante e lindo sorriso, que ficará eternamente gravado em minha memória.
Depois desses acontecimentos, já tive a oportunidade de me reunir com a Vâni, sua irmã Elisa, a mãe Dona Julieta e, envoltos em muitas lágrimas, relembramos momentos gratos, históricos e inesquecíveis, passados ao lado do querido Dr. Mário Trigo, para mim, o eterno Dr. Mário.
Nessa oportunidade fiquei sabendo que, assim como procurei reencontrá-los, também procuraram me reencontrar em diversas ocasiões, sem sucesso. Numa dessas tentativas, vendo na antiga TV-Senac reportagem sobre meu trabalho de preservação da história de Campos do Jordão através da fotografia, chegaram a ligar para a emissora de TV na tentativa de obter meu endereço, também sem sucesso.
Ganhei, li e guardo com muito orgulho um exemplar do livro “O eterno futebol”, de autoria do Dr. Mário Trigo. Uma raridade, por ele autografado, que conta um pouco da vasta e grandiosa história da sua vida, da sua participação nos esportes, da sua carreira inteiramente dedicada à Odontologia, em especial à Odontologia esportiva, dos anos de ouro na Confederação Brasileira de Desportos - CBD, como membro da Comissão Técnica da nossa Seleção Brasileira de Futebol, das histórias hilárias envolvendo jogadores de nossas seleções de futebol, da sua paixão pelo turfe, hipódromos e cavalos de corrida, da sua maravilhosa família, esposa, filhos, noras e netas; enfim, somente lendo para sentir e vivenciar um pouco da vida desse maravilhoso homem e querido amigo.
Com certeza, o eterno homem sorriso deve estar em algum lugar especial deste nosso grande, infinito e desconhecido Universo, transmitindo aos anjos, arcanjos, querubins e outras castas, até aos grandes jogadores de futebol de nossas gloriosas seleções brasileiras de futebol que já nos deixaram, a sua eterna alegria, felicidade, entusiasmo, jovialidade, amizade, que sempre foram suas grandes marcas registradas, eternamente inesquecíveis.
Edmundo Ferreira da Rocha - 20.12.2008 |