José Bento Renato de Monteiro Lobato, filho de José Bento Marcondes Lobato e Olímpia Augusta Lobato, nasceu na cidade de Taubaté, situada no Estado de São Paulo, no dia 18 de abril de 1882. Foi registrado com o nome de José Renato Monteiro Lobato. Por decisão própria, de livre vontade, no ano de 1893, com 11 anos de idade, resolveu mudar o nome, adotando o nome do pai, com a intenção de usar a bengala que continha gravadas as iniciais JBML de seu pai.
No ano de 1898, com 16 anos de idade, perdeu seu pai, vitimado por congestão pulmonar e, no ano seguinte, com 17 anos, perdeu sua mãe, Olímpia Augusta Lobato.
Com a morte dos pais sua tutela ficou sob a responsabilidade do avô materno, José Francisco Monteiro (16/12/1830 – 29/03/1911), conhecido como Visconde de Tremembé.
Sua vontade era ter cursado a Escola de Belas Artes, considerando que, desde sua adolescência, descobre seu gosto pelo desenho, levando-o a executar várias caricaturas e desenhos diversos, enviados para jornais e revistas da época. Destacou-se como excelente desenhista, produzindo grande quantidade de cartões postais, e também um exímio pintor, tendo produzido inúmeras e maravilhosas aquarelas. Sua vontade inicial não veio prevalecer. Atendendo à vontade do avô, o Visconde de Tremembé, no ano de 1900, com 18 anos, entrou para a Faculdade de Direito de São Paulo, famosa pelas suas arcadas, situada no Largo de São Francisco, na cidade de São Paulo.
Formou-se em Direito no ano de 1904, com 22 anos de idade. A partir de 1907, com 25 anos de idade, nomeado, passou a exercer as funções de Promotor Público na pequena cidade de Areias, no Vale do Paraíba, Estado de São Paulo.
No ano de 1908, no dia 28 de março, Monteiro Lobato casou-se com a linda Maria Pureza de Castro Natividade (Purezinha) (018.08.1885 - 27.01.1959, com 74 anos de idade). Desse casamento teve quatro filhos: Martha, (março de 1909 - 30.06.1996, com 87 anos de idade); Edgard, (maio de 1910 - 13.02.1943 – portanto, com 32 anos de idade); Guilherme, (26 de maio de 1912 falecido em 10.01.1938), com 26 anos de idade), e Ruth, (1916 - 1972, com 56 anos de idade).
Pouco tempo depois, com a morte do avô em 1911, herdou uma fazenda localizada no local denominado Buquira (em linguagem indígena, “rio dos pássaros”), próxima à cidade de São José dos Campos. Assim surgiu, por pouco tempo, a figura de Monteiro Lobato como Fazendeiro e, por isso, posteriormente, a pequena Buquira, em sua homenagem, a partir de 24 de dezembro de 1948, pela Lei nº 233, passou a município, recebendo o nome de Monteiro Lobato. Nessa época, mudando totalmente seu estilo de vida, ele passou a escrever e publicar os primeiros contos em jornais e revistas. Devido a dificuldades e prejuízos causados pelas geadas, Monteiro Lobato vendeu, no ano de 1917, a fazenda onde escrevera um de seus maiores clássicos, “Jeca Tatu”, um símbolo nacional, e transferiu-se para a cidade de São Paulo.
Em São Paulo comprou a “Revista Brasil” e começou a editar, em 1918, livros para adultos, obras literárias de grande e inestimável valor, iniciando a série com Urupês, sua obra-prima. Seu último livro dessa fase, “O escândalo do Petróleo”, demonstra todo o seu nacionalismo, deixando absolutamente claro o seu posicionamento favorável à exploração do petróleo exclusivamente por empresas brasileiras.
Monteiro Lobato, um dos mais influentes escritores brasileiros, notável e maravilhoso, escreveu contos, geralmente, sobre temas brasileiros, cartas, prefácios, artigos, críticas, crônicas e um livro especialmente sobre a importância do petróleo e do ferro.
Em 1926, foi nomeado pelo Presidente da República (15/11/126 a 24/10/1930), Washington Luiz Pereira de Souza (26/10/1869 – 04/08/1957), como adido comercial da embaixada brasileira nos Estados Unidos da América do Norte. No ano de 1931, voltando de visita dos Estados Unidos, passou a ser grande propagador da redenção do Brasil, por meio da exploração do ferro e do petróleo. Essa sua luta incansável, visando demonstrar a viabilidade petrolífera do Brasil e a necessidade da sua exploração urgente e imediata, para propiciar ao seu povo padrão de vida merecido, foi drasticamente combatida por interesse oficial contrário, no sentido de fazer prevalecer a ideia de que no Brasil não havia petróleo. Assim, foi severamente perseguido, preso por três meses e criticado. O resultado desse trabalho inglório acabou por deixá-lo pobre, doente e desgostoso.
Na verdade, Monteiro Lobato tinha razão, estava absolutamente certo quanto à existência de petróleo em abundância no Brasil. Acredito que o Brasil tem uma dívida de gratidão para com Monteiro Lobato, reconhecendo publicamente o grande valor de suas afirmativas que, sem dúvida, apesar de gerarem, a princípio, grandes discórdias, aborrecimentos, injustiças e humilhações, foram o início da grande e acertada caminhada para a prospecção do petróleo brasileiro que, cada vez mais, é a grande realidade para comprovar que suas previsões estavam totalmente corretas.
Na sequência, dedicou-se à literatura infantil. Com certeza foi o grande precursor da literatura infantil no Brasil, famoso, especialmente junto às crianças, por meio de suas inúmeras histórias escritas em linguagem simples, colocando lado a lado a realidade e a fantasia. Os personagens por ele identificados desde seus tempos de criança tornaram-se famosos e, eternamente, encantam crianças e adultos, entre eles estão: Dona Benta, dona do Sítio do Pica-Pau Amarelo, especialista em astronomia, história, física e geografia; tia Anastácia, negra assustada e medrosa, cozinheira e quituteira de raras habilidades. Foi de suas mãos que surgiu a boneca de pano Emília; Emília, neta de Dona Benta, uma simples bonequinha de pano que demonstrava com muita sutileza, sentimentos e ideias independentes; o famoso Visconde de Sabugosa, personagem com visual de espiga de milho, com suas atitudes adultas, mostrava toda sua sabedoria; a aterrorizante Cuca, que deixava todos os moradores do Sítio do Pica-Pau Amarelo morrendo de medo; o Marquês de Rabicó ou simplesmente Rabicó, um porco gordo e guloso; o Saci-Pererê, quase um molequinho negro, de uma perna só, que ficava pulando pelos ares, por todo lado; Pedrinho, neto de Dona Benta, primo de Narizinho, era menino corajoso e aventureiro, cujo único medo era de vespas.
Escreveu incríveis histórias infantis, entre elas: Fábulas do Marquês de Rabicó, Noivado de Narizinho, A menina do nariz arrebitado, As caçadas de Pedrinho, O Saci, O Poço do Visconde, A Chave do Tamanho, Aventuras do Príncipe, O pó de Pirlimpimpim, Reinações de Narizinho, O Pica-Pau Amarelo, Memória de Emília, Emília no País da Gramática, e Geografia de Dona Benta, este escrito em Campos do Jordão, na época em que aqui morou, na década de 1930, tentando a cura para a tuberculose de seu filho Guilherme.
Monteiro Lobato faleceu no dia 04 de julho de 1948, na cidade de São Paulo, com 66 anos de idade, vítima de um derrame cerebral.
MONTEIRO LOBATO EM CAMPOS DO JORDÃO
De acordo com “Cartas Escolhidas”, escritas por Monteiro Lobato (com 13 anos de idade), uma delas, datada de 1895, endereçada à sua mãe, que, na época, encontrava-se em Santo Antonio do Pinhal, para tratamento de saúde, assim diz: “Engambelei o velho (o avô de Lobato, José Francisco Monteiro, barão, depois Visconde de Tremembé), contei-lhe muitas petas (mentiras) e ele vai logo lhe visitar, chegando até Jaguaribe. A casa aluga-se por 35 $ e ele vai aí para tratar da mudança. Creio que o velho anda com intenções de comprar casa ou fazenda em Jaguaribe, ficou encantado com o que contei dos Campos”.
Assim sendo, provavelmente, com boa dose de certeza, à vista do acima descrito, Monteiro Lobato deve ter conhecido Campos do Jordão desde criança, quando tinha apenas 13 anos de idade. Também, com boa dose de certeza, tanto ele como seu avô, o Visconde de Tremembé, sua mãe, D. Maria Pureza (Purezinha), e muitas outras pessoas, somente conseguiam aqui chegar montados em lombos de burros ou cavalos, considerando que, nessa época, não existia nenhum indício de estrada que ligava o Vale do Paraíba a estas paragens da Mantiqueira, somente trilhas rudimentares, de difícil locomoção.
Somente a partir do ano de 1914 foi facilitado o acesso a Campos do Jordão com a construção da Estrada de Ferro Campos do Jordão, com ponto inicial na vizinha cidade de Pindamonhangaba – SP, idealizada pelos médicos sanitaristas, Dr. Emílio Marcondes Ribas e Dr. Victor Godinho, por intermédio do empreiteiro Sebastião de Oliveira Damas, com o principal intuito de facilitar a locomoção das pessoas acometidas pela tuberculose, o mal do século, em busca da cura, unicamente por meio do clima privilegiado da região, considerando que ainda não existiam medicamentos para o tratamento.
Monteiro Lobato sempre foi grande admirador dos Campos do Jordão, um Jordanense por devoção. Em muitas oportunidades de sua vida, para cá veio a fim de curtir e desfrutar o seu clima privilegiado, a tranquilidade e a paisagem exuberante, que eram grandes responsáveis pela recarga de suas baterias de saúde e disposição para poder retornar ao seu trabalho cotidiano.
Certa vez, Monteiro Lobato escreveu: "Tenho nesse momento inveja dos que moram em Campos do Jordão".
No ano de 1937, comprou um lindo sobrado situado na Avenida Macedo Soares, em Vila Capivari. Na época, o sobrado tinha o número 33, posteriormente, com base em novas demarcações de toda área de Vila Capivari, passou a ser o número 400. Nesse tempo em que Monteiro Lobato morou em Campos do Jordão com a esposa e filhos, no final da década de 1930 e início da de 1940, em frente à sua casa, do outro lado da rua, estava sediado o maravilhoso sobrado pertencente ao benemérito e magnânimo embaixador José Carlos de Macedo Soares, assíduo frequentador de Campos do Jordão – com certeza, um dos grandes amigos de Monteiro Lobato.
Conheci muito bem esse lindo sobrado. Morei durante vários anos na mesma Avenida Macedo Soares, na casa de número 371, quase em frente à casa que, anteriormente, pertenceu a Monteiro Lobato. Nessa época, na casa de número 371 onde morei, estava estabelecida a Imobiliária Rocha, pertencente ao meu pai, Waldemar Ferreira da Rocha. No local, atualmente, está estabelecido o Hotel Europa, de propriedade da Sra. Marisa Pagliacci Bortoloni. Na casa de número 400 morava o saudoso amigo Geminiano Nunes da Silva Rondon Filho, com sua família, as saudosas D. Helena, esposa, e as filhas Cidinha e Marilena. Da família, somente permanece entre nós o filho caçula, o Victor Hugo. Nessa casa, o amigo Rondon instalou, na década de 1960, a concorrente de meu pai, a Imobiliária Rondon, que no local funcionou por vários anos.
A bonita casa que pertenceu a Monteiro Lobato, lamentável e infelizmente, foi demolida na década de 1990, deixando de ser preservada, por meio do devido tombamento por iniciativa dos poderes Legislativo e Executivo municipais, em homenagem à passagem de Monteiro Lobato por Campos do Jordão. Estava situada no local onde atualmente está estabelecido o “Fort House”, ao lado do “Cadij Shopping Center”, em frente ao atual “Center Suíço”, local em que estava a casa que pertenceu ao saudoso e inesquecível embaixador José Carlos de Macedo Soares.
Durante todo período em que residiu em Campos do Jordão, com a família, de 1937 até início da década de 1940, Monteiro Lobato, grande admirador da linda paisagem desta região da Serra da Mantiqueira, não perdeu tempo. Com grande habilidade fotográfica, demonstrada e comprovada pelas lindas fotos exibidas neste trabalho, acredito, com boa dose de certeza, Monteiro Lobato, quase sempre com sua câmera a tiracolo, deixou importante, precioso e maravilhoso acervo fotográfico da época em que aqui viveu. Deixou valiosa contribuição para a história e cultura de Campos do Jordão, a cidade da paisagem encantada que o deixava maravilhado. Assim sendo é justa e merecida esta homenagem e o título inicial: MONTEIRO LOBATO, o Grande Escritor, fotografa Campos do Jordão.
Edmundo Ferreira da Rocha
Janeiro de 2010.
Consta do Livro “A Montanha Magnífica” da autoria do escritor e historiador Pedro Paulo Filho, 2º volume, página 145 a 151, “O Recado Editora Ltda.”- São Paulo. :
“Monteiro Lobato viveu um pedaço de sua vida em Campos do Jordão, precisamente na casa que adquiriu na Avenida Macedo Soares, 33, em agosto de 1937, hoje demolida.
Momentos trágicos o atraíram à "Montanha Magnífica" com o ânimo de ficar: seu filho Guilherme havia contraído tuberculose.
Há bem pouco tempo, os mais antigos jordanenses lembravam-se de sua figura austera, vindo a pé, de Vila Capivari a Vila Abernéssia, para comprar pão.
Documentos comprovam a sua presença na famosa Pensão Azul, localizada na quadra à esquerda da Igreja de Santa Terezinha do Menino Jesus, em Vila Abernéssia.
Ali se reuniam doentes de melhor posição social e financeira e a presença de Monteiro Lobato foi detectada nos saraus musicais, de que participava a pianista Guiomar Novaes. 2
Ali dizia: "É preciso acabar com a burrice nacional e aí seremos a grande nação."
Monteiro Lobato escreveu, pelas mãos do escritor Paulo Dantas, seu protegido, quando este estava minado pela enfermidade pulmonar: “Estou em Campos do Jordão. É agosto de 1935.
Moro num chalé suíço em Vila Capivari, o famoso 33, que já mandou muita gente boa para o infinito.
Espero que não me mandem já para lá, nem meus filhos.
Adoro o clima dessa montanha, terra santa e abençoada, verdadeira dádiva da natureza telúrica (brasileira), com seus enormes morros de um verde queimado pelo sol, morros que parecem dorsos mastodontes e erguidos em si mesmo.
Da janela do chalé, diviso o Morro do Elefante e penso na sabedoria popular, que assim esse elevado natural batizou. (grifo nosso)
Assim como o Universo é um bailado de estrelas no espaço, Campos do Jordão é um paraíso pousado na terra dos homens. Começo a ficar inspirado, e isso é bom para começar o meu novo livro.
Nenhum incipiente departamento de turismo (nada aqui existe nesse sentido) me encomendou as legendas douradas do calendário pagão do amor, que quero dedicar a esta montanha, onde no passado, nos seus campos, pastaram tantas boiadas.
Lugar onde pasta o boi e passa a boiada sempre é um lugar abençoado.
Ocorreu-me a lembrança tantas figuras simpáticas, a começar por um brigadeiro, chamado Jordão, o médico Emílio Ribas, o velho patriarca Nhozinho São Thiago, que aqui chegou aos 84 anos, como "respirante", o Victor Godinho, o Damas, o benemérito João Rodrigues da Silva, vulgo João Maquinista e tantos outros.
Deixo a história de lado. Minha preocupação é agora com a natureza, com a geografia, com o espaço e com o chão. O céu sereno e límpido que se debruça sobre mim, parece mais ao alcance de minhas mãos, e eu quero, num gesto alado, tocar nas estrelas, bater meus ombros caídos no infinito, sendo possuído pelas suas sábias leis.
Universo e comando da astrologia, ciência de que vou precisar para iniciar as pesquisas do novo livro, que borbulha e explode dentro de mim, pedindo e exigindo a passagem da voz de dona Benta, que tudo vai contar e comandar.
Em Campos do Jordão me restauro. Descanso, carregando pedras. Rompido o meu cinqüentenário, percebo, mesmo com a altitude, que durmo bem, respiro bem.
Somente um sossego igual poderia corrigir certas pontas de um princípio de neurastenia, que começo a carregar comigo, depois que voltei dos Estados Unidos, com essa mania de lutar pelo ferro e pelo petróleo do Brasil.
Meu filho Edgard adoeceu lá, com uma pneumonia dupla, que acabou se agravando numa tuberculose.
Agora, o mesmo mal atingiu Guilherme. Com esses filhos queridos doentes, penso, seriamente em comprar uma casa na montanha.
Gosto tanto de Campos do Jordão, que já estou de olho numa casa maior, de esquina.
Abro o mapa-múndi, estendo-o sobre a mesa, como uma branca toalha de amor e carinho.
Como uma enorme fatia de pão, que precisa ser cortada em pedaços de universal amor.
Amor ao chão da humanidade inteira. Começo a escrever a geografia pitoresca e animada a moda de dona Benta, igual como fiz com a “História do Mundo para Crianças". 3
E depois narra:" Inundado de luz, giram as estrelas, girando sobre meus ombros. A "Geografia de Dona Benta" começa a me tomar e escrevo-a de uma só pancada, tipando-a nesta minha máquina leiteira, trazida de São Paulo.
Por falar nisso, o leiteiro acaba de deixar o leite no portão ciprestado do chalé; logo mais será a vez do padeiro Pinheiro.
Já sei como se chama o leiteiro. Tem um nome bíblico, nome de ressuscitado por essa bela natureza. Chama-se Lázaro.
Sinto que estou inspirado. Altamente inspirado.
Inspiração geo-sensitiva a mais de mil e setecentos metros de altitude (...) Campos do Jordão! Campos do Jordão! - exclamo".
Lobato vai escrevendo "Geografia de Dona Benta" e, pelas mãos de Paulo Dantas, anota: "Continuo em Campos do Jordão. Setembro chegou. É primavera, escute minha gente. Na janela do meu quarto tem uma trepadeira que já começou a florir demais.
A florada desta primavera vai ser lavada em luz.
Eufórico e retemperado por esses bons ares, tão elogiados por um Ribeiro Couto e muitos outros, acho-me com um leão da montanha, rugindo diante de uma máquina de escrever". 4
Mas, voltando ao filho morto: "O Guilherme sarou, teve alta, voltou para São Paulo e de lá foi veranear em Taubaté, onde tinha muitos amigos, parentes e namoradas.
E como Purezinha lhe havia dado um Ford, ele abusou e três meses depois, regressou em São Paulo, magro e decaído.
Voltamos para Campos do Jordão e não houve cura possível.
A causa da morte de Guilherme foi aquele Ford...
O Guilherme passou em pleno sono. Dormiu e não mais acordou para esse mundo. Já o pobrezinho do Edgard sofreu muito e com que estoicismo! Com que filosofia de grande filósofo! Tiveram tratamento e todo conforto, mas morreram!
Vítimas da tuberculose!"
Inúmeras cartas Monteiro Lobato escreveu a Paulo Dantas, quando o autor de "Cidade Enferma" esteve internado na sanatório da "Legião Brasileira de Assistência" (depois "Pensionato Maria Auxiliadora") no período de 1946 a 1947, as quais foram publicadas em livros. 5
Em uma das cartas, Monteiro Lobato escreveu: "Se a "Legião" deixar largados ao relento os seus assistidos (o que não me parece que vai acontecer) nós aqui organizaremos uma "vaca" e nos poremos no lugar da "Legião" !"
Em outra, observava: "Não tenho dúvidas sobre tua cura, sobre a vitória nas letras. Paulo Dantas é um nome que resplandecerá na grande Plêiade".
Revelando espírito de solidariedade, revelou em uma das missivas: "Purezinha e Marta sabem o que é o frio de Campos do Jordão - e mandam a malha que a primeira teceu e mais alguns agasalhos que a segunda agregou.
Isso vai levado pela família Souza Lima - Dr. Pedro de Souza Lima, que vai ficar em Jaguaribe, na casa dum Coronel Faria."
Curado, mas recaído da tuberculose, o escritor Paulo Dantas recebeu animadora carta de Lobato: "Essas recaídas são muito freqüentes na vida dos tuberculosos, e quando não se matam, contribuem para a cura, como que desenvolvendo no organismo novas defesas".
Certo dia, Paulo Dantas enviou, para a apreciação de Lobato, os originais do livro "Romance de um Pároco", de um colega de pensão, ao que o autor de "Cidades Mortas" observou que a obra "prende e mostra aspectos da vida privada e social desses morcegos humanos", e, mais tarde, anotou: "Procure em Capivari o Lázaro, vendedor de leite e especula como ele sarou. Se o Lázaro sarou, por que não há de sarar você também?".
Lobato recebera também cópia do livro de outro colega de pensão de Paulo Dantas, registrando: "Estou aqui com o original de Samuel Soares da Silva, que apenas cheirei, não tive tempo de ler, mas me parece bom". Referências a Campos do Jordão, pode-se encontrar em inúmeras cartas escritas por Monteiro Lobato: a Lino Moreira (12.2.36 e 26.6.35), a Arthur Coelho (21.6.36), a Cândido Filho (21.8.36), a Nelson de Rezende (11.9.36) e a David Pimentel (13.1.35).
De Buenos Aires, Lobato referiu-se ao clima de Campos do Jordão:" Aí também deve andar a primavera, iniciando as suas proezas, e dela se beneficiarão todos os que fazem fila à espera da tal estreptomicina. E nada mais posso eu fazer senão votos para que teu lugar na fila seja bem na frente, e logo que chegue por cá essa maravilha, um dos primeiros a usá-la seja você. Tenho neste momento inveja dos que moram em Campos do Jordão (...) Ora, quem conhece essas serras e agora está no nível do mar, suspira, sobretudo, à noite, em que, em vez de dormir, suamos".
Em depoimento na Academia de Letras de Campos do Jordão, Paulo Dantas registrou: a única casa que Lobato comprou na vida foi essa aí, na Avenida Macedo Soares. Ele era um homem muito caridoso, recebeu a visita de Paulo Gracie, então alugou a casa. Paulo Gracie a transformou em pensão. Virou até uma coisa chata porque Lobato queria despejá-lo e não conseguia, tinha pena de Paulo Gracie. Na pensão veio morar Pancetti. Outra curiosidade: Pancetti ocupava o quarto da frente. Ele até fez um auto-retrato; parecia Van Gogh, só faltou, cortar a orelha dele. E o Pancetti morou na casa até passar à filha Ruth, de Lobato. Antes de morrer, Ruth fez péssimo um negócio. Para se desfazer dessa casa que estava cheia de problemas, vendeu-a baratíssimo, por 48 contos naquela época. Vendeu-a a Geminiano da Silva Rondon."
Em correspondência de 18 de março de 1937, o escritor desculpava-se, de sua casa de Vila Capivari, a René Thiollier, em São Paulo, pelas constantes faltas nos seus compromissos perante a Academia Paulista de Letras, "empenhado que estava na tarefa de dar petróleo ao Brasil."
Escreveu: "Campos do Jordão, 18.3.1937. Meu caro René. Só agora recebi sua carta de 17 de janeiro sobre graves assuntos acadêmicos e não sei que "via sacra" andou correndo ela para vir ter às mãos com exatamente dois meses de atraso, realizando assim um recorde de rapidez às avessas. Nela você me pede dados biobibliográficos, etc, sobre o patrono da cadeira, que eu tão dignamente ocupo e sobre meus antecedentes, etc - uma coisa comprida. René, René, você está ironizando!... Pois então é ocupar dignamente uma cadeira sentar-se nela por hipótese, como faço?"
Depois de alegar intensa ocupação na sua luta de dar petróleo ao Brasil, que o absorvia completamente e que o impossibilitava de cumprir suas missões acadêmicas, justificou-se: "Se agora me distraio nessas cogitações, o inimigo me pega pelas costas e ai da Pátria! (...) "Oil is hell", dizem os americanos - e estou vendo isso, com este achar-me em pleno inferno, sem nenhum Virgílio que me leve pelas mãos.
Mas hei de sair dele e então ingressarei solenemente no paraíso acadêmico que você secretaria, tomando-me a sério, e também ao meu nobilíssimo patrono, seja lá quem for esse coitado. Adeus. Lembranças de Purezinha e um abraço oleoso. a) Monteiro Lobato." 6
Armando Caiuby, seu companheiro de viagem a Campos do Jordão, escreveu: "Nessa comunhão espiritual, tivemos vida mais íntima por ocasião da moléstia e morte de seus queridos filhos.
Tínhamos casa em Campos do Jordão e eu o levava toda a semana para lá.
Recalcando angústias e remoendo n'alma as apreensões, muitas vezes viajamos sozinhos, eu guiando o automóvel, ele ao lado, a satirizar a vida.
- Olha, estamos no rebenque da ditadura. Poucos, pouquíssimos não dobrarão a cerviz à cornucópia do Catete.
Posições e propinas em substituição da própria liberdade..." 7
Paulo Dantas relatou como conhecera o grande escritor taubateano. Enfermo do pulmão, procurou-o em sua residência na rua Alabastro,na Consolação, mantendo o seguinte diálogo:
- Quem é você, que deseja?
- Quero falar com o senhor.
- É da Bahia?
- Sou, sim senhor.
- Que deseja?
- Dr. Lobato, o senhor tem que me ajudar. Necessito muito da sua ajuda. Só o senhor pode me ajudar. Queria uma carta de apresentação para visitar o senhor, mas ninguém me deu, receoso de incomodá-lo nesta hora difícil.
Magro e pálido, o visitante tirou do bolso um livro meio preto, meio cinzento e ofereceu a Lobato.
- Sou escritor. Autor desse trabalho, um troço que escrevi em Minas e que, por sorte, ganhou prêmio na Academia Brasileira. Mas isto não tem a menor importância. Meu assunto com o senhor é outro. estou doente. Tuberculoso. Viajo, cuspindo sangue nos trens. Fugi do Mandaqui e agora estou num hotel no Brás. Sem dinheiro, venho de Minas, de Belo Horizonte, passando pelo Rio. Fiz a viagem toda com direito a hemoptises e num noturno sem leito.
Monteiro Lobato encontrou traços de semelhança entre Paulo Dantas e seu filho Guilherme.
- Quero subir para Campos do Jordão. Não agüento mais este clima úmido de São Paulo. Só Campos do Jordão e o senhor podem ser a minha salvação. O instinto me diz isso.
- Quantos anos tem?
- Vinte e quatro.
Era a mesma idade de seu filho Guilherme, pensou Lobato, que, depois de breve conversa sobre literatura, voltou à carga.
- Não atinei bem com o que você quer de mim. Tenho uma casa em Campos do Jordão, mas já está alugada. Já virou pensão. 8
- Quero um vaga para morrer. Um hospital qualquer. Não tenho dinheiro para pagar pensão. Estou cuspindo fogo.
- Mas estás vivo e bem falante. E o meu filho, que teve todo o conforto, morreu...
- São coisas da vida, do destino, Dr. Lobato.
- Acho que já nos entendemos. Seria bom o moço se retirar. Não quero que Purezinha o veja, senão vai lembrar-se de coisas e cair em choradeira. Deixe seu endereço aí... 9
No meio da década dos anos 30, o centro social de Vila Capivari, muito rústico, resumia-se no antigo armazém de Simão Cirineu Saraiva, que já pertencia a Braulio de Almeida Ramos, pai.
Situava-se na confluência das ruas Victor Godinho e Roberto Geffery, onde, mais tarde, instalou-se um depósito de lenhas, nos fundos do atual Posto Shell, na Parada Damas.
Dos muitos freqüentadores do armazém do Simão, destacavam-se Willie Davids, Roberto Jeffery, André Kotchekoff e Monteiro Lobato.
Um dos rapazinhos da época, Hanaud de Almeida Ramos ouvia, encantado, os adulto conversarem, e, sempre que podia, mostrava os escritos seus a Lobato, que, pacienciosamente, passava uma vista d'olhos e os aprovava, balançando a cabeça, como que a estimular o jovem, como era seu costume. 10
O autor deste livro possuiu um traslado de procuração, outorgada por José Bento Monteiro Lobato no1º Tabelião de São Paulo, em 2 de agosto de 1937, a Maurício Pereira Machado, a quem conferiu poderes para "assinar escritura de compra de um terreno de 20 x 35 metros, anexo à casa que o outorgante possui em Emílio Ribas, na avenida Macedo Soares".
O procurador era o tesoureiro da Prefeitura de Campos do Jordão, onde se radicou de 1927 a 1952, quando se transferiu para São Paulo.
Ambos mantiveram farta correspondência, que, infelizmente, consumiu-se ao ensejo da mudança de Maurício Pereira Machado.
Sua Filha, Carmem Sylvia Machado de Souza contou-nos que entre a Parada Damas e a estação ferroviária de Vila Capivari, mais ou menos à altura do atual Hotel J.B., havia uma pequena plataforma de parada de automotrizes da E.F. Campos do Jordão.
Foi ali - disse ela - que Monteiro Lobato escreveu "Geografia de Dona Benta".
2 . Obra inédita de José Benedito Bicudo Junior, confiada ao autor.
3. “Geografia de Dona Benta” e “História das Invenções” foram datadas em Campos do Jordão (1935) com se vê em “Vozes de Lobato”, de Paulo Dantas, Traço Editora, 1982.
4 . “Presença de Lobato”, de Paulo Dantas, Editora do Escritor, S. Paulo, 1973.
5. “Cartas Escolhidas”, Brasiliense, S. Paulo, 1969.
6. Revista da Academia Paulista de Letras, nº 102, de abril de 1983.
7. “O Estado de São Paulo” de 26 de fevereiro de 1956.
8. Fora alugada para Adelaide e Paulo Gracie que ali instalaram uma pensão para doentes de boa situação social e econômica.
9. “Estórias e Lendas do Povo de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, O Recado Editora, S. Paulo, 1988.
10. “Lobato Jordanense”, de Pedro Paulo Filho, “Folhetim da Serra”, nº 30, de abril dede 1982.
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