A Roleta Russa
José Schäffer
No início da década de 50, funcionava o Hotel Rancho Alegre, em Descansópolis, hoje desativado como hotel.
Era seu gerente um alemão enorme, de voz forte e forte sotaque, cheio de eres. Não sabia ou não podia falar baixo. Era um vozeirão. Homem de grande competência no ramo hoteleiro, trabalhava com a esposa Tekla que, ao contrário era pessoa doce e calma. Em meados dos anos 50, José Schäeffer foi ser gerente no antigo Hotel Vila Inglesa, atualmente Hotel Mazzaropi, logo tornando-se cidadão participativo e atuante, lutando pelo desenvolvimento do turismo jordanense. Transformou-se no Comendador José Schäeffer e um dos fundadores do Lions Club de Campos do Jordão, em 1957, cujos membros se reuniam periodicamente no antigo Hotel Vila Inglesa.
Fez parte do Partido Social Progressista, de Adhemar de Barros e candidato a vereador, chegou a ser suplente.
Mas, José Schäeffer tinha uma mania arriscada e perigosa. Gostava de fazer roleta russa, ou seja, colocava uma bala apenas no tambor do revólver, girava-o com força e puxava o gatilho. Se a única bala ficasse, por azar, na agulha, a arma disparava; se por sorte ela não parasse na agulha, o tiro não era disparado. Para o cronista, roleta russa é uma coisa de louco. Naqueles anos 50, dos quais sentimos saudade, entramos um dia na barbearia do Ramiro, no centro de Vila Abernéssia, onde trabalhavam também Zé Piteira, Domingos e o português Antonio. As cadeiras estavam todas ocupadas e muita gente esperando para cortar o cabelo e fazer a barba. Estava sendo barbeado Ulisses Pessanha da Silva, homem magro e atualmente grande escritor e romancista. Noutra cadeira, fazia a barba José Schäeffer, na época, gerente do Hotel Vila Inglesa, atualmente Hotel Mazzaropi. Com seus 1,80 metros de altura, o alemão quase não cabia na cadeira.
As pessoas que não o conheciam, se assustavam com o seu tamanho e vozeirão, mas ele era um homem bom, dinâmico e solidário. Quando a Seleção Brasileira de Futebol, em 1962, se hospedou-se no Hotel Vila Inglesa, ele se apaixonou pela cantora Elza Soares a quem não deu sossego, depois do “show” ela deu no hotel.
De repente, surgiu uma assustadora discussão na barbearia, foi quando Ulisses começou a elogiar Jânio Quadros, inimigo político de Adhemar de Barros. Não deu outra, da cadeira ao lado onde fazia a barba, levantou-se José Schäeffer, com seu corpanzil de Maguila germânico, com sabão de barba no rosto e toalha no pescoço, vermelho como pimentão, e ademarista roxo, passou a vociferar em altos brados contra Jânio Quadros. A um quilometro se ouvia seus gritos. Magérrimo e fazendo a barba, o pequeno Ulisses não se acovardou e disse: “Olha, “seo” Schäeffer, nós estamos discutindo política brasileira. A hora que começarmos a tratar de política na Alemanha, aí sim, o senhor pode começar a discutir, berrar e defender seus candidatos”. Com o “saco cheio”, Ulisses percebeu que o grandalhão, desceu da cadeira, deu um passo, empalideceu e sentiu o golpe. Passados alguns segundo, respondeu em altos brados: “Senhor Ulisses. Eu serr mais brrasilerro que o senhorr. Eu escolherr Brrasil como meu pátria, diferente do senhorr que nasceu no Brrasil porr acaso. Eu escolher cidadania brasileirra, por título declaratórrio assinado pelo Presidente Getúlio Vargas. Eu ser brasileirro por opção, o senhor por accidente!” Houve um silêncio de cemitério na barbearia. O velho alemão quase teve um enfarto ali mesmo, com sabão no rosto e toalha no pescoço. Um belo e trágico dia de 1963, José Schäeffer, com sua mania de roleta russa tentou novamente, à entrada da portaria do Hotel Vila Inglesa, pôs uma única bala no tambor do revólver, girou com força o tambor, mas, desta vez, a bala ficou na agulha e a arma disparou contra sua cabeça. Foi uma morte sentida e chorada. Por isso, lá em Vila Inglesa há uma via pública com seu nome: Rua José Schäffer
Dr. Pedro Paulo Filho
Advogado e historiador
20/01/2008
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