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Crônicas que contam histórias de Campos do Jordão.

 

A crônica da Cidade – Campos do Jordão antigo 


A crônica da Cidade – Campos do Jordão antigo

Vila Abernéssia na Década de 1930 e algumas das Pensões mais famosas de Campos do Jordão.

 

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No decorrer das festividades que marcaram o 106º aniversário de Campos do Jordão, um grupo de amigos batia descontraído “papo” sobre as grandes modificações havidas em nosso município, nos últimos quarenta anos, quando um nosso concidadão, cuja vivência entre nós é ainda recente, nos revelara o quanto lhe tem sido custoso habituar-se à idéia de que nossa cidade, hoje um dos mais importantes centros de turismo do país, tenha sido, em passado não muito remoto, também, um centro de tratamento de tuberculose. E, ao mesmo tempo em que nos fazia tal afirmativa, manifestava, também, sua curiosidade em saber como teria sido o “modus vivendi” daqueles que aqui se instalaram, antes do advento do turismo.

Sem pretender fazer história, cabe-nos em primeiro lugar esclarecer que essas pessoas viviam, antes do desenvolvimento turístico do município, dos parcos recursos conseguidos em torno da tuberculose, na época principal atividade econômica de Campos do Jordão; eram pequenos comerciantes, charreteiros, lenhadores, padeiros, verdureiros e uma infinidade de outros trabalhadores, quase todos ex-doentes, sem qualquer profissão qualificada e denominados “biscateiros”, isto é, faziam de tudo. Essa gente vivia, em sua grande maioria, em torno das chamadas “pensões de doentes” as quais, naquele tempo, eram o epicentro de onde se irradiavam todas as atividades econômicas do município.

Deixando de lado os dramáticos detalhes que marcaram aquela triste época, gostaríamos de nos deter, somente, naquilo que representaram para Campos do Jordão, as vidas de muitos desses doentes, que posteriormente aqui se radicaram; como foi dito acima, a vida econômica do município girava totalmente, em torno da tuberculose. Nenhuma atividade econômica de época poderia fugir a essa regra; sem um íntimo relacionamento com a tuberculose, nenhum ramo de atividade teria condições de sobreviver, em Campos do Jordão, àquele tempo.

A grande maioria das chamadas “pensões de doentes” situava-se nas ruas adjacentes à Brigadeiro Jordão no trecho compreendido onde hoje está instalada a Telesp e a Praça da Bandeira. Era dessas “pensões” que diariamente os enfermos saiam para conversarem, trocarem idéias, desabafarem sobre suas mágoas, falarem de seus futuros projetos, de suas melhoras ou recaídas e, também, bebericarem as suas “pinguinhas”... era uma incrível mistura humana de diferentes raças, nacionalidades, cores, religiões, profissões e tudo mais que caracteriza o homem dentro de uma sociedade que pouco espera da vida.

Esses grupos, como é óbvio, formavam uma sociedade à parte; muitos desses doentes, pura e simplesmente desapareciam, como por encanto, nunca mais deles se tendo notícia; outros, curados, voltavam a seus lugares de origem e, a grande maioria, desaparecia para sempre levados pela morte. Enquanto isso, novas levas vinham, diariamente, substituir aqueles que se tinham ido num constante rodopiar, como se tudo isso fosse um grande “carrossel” humano rodando, sempre no mesmo lugar.

Todavia, nesse constante vai e vem, grande parte destes doentes, obtida a cura, por aqui mesmo iam ficando; alguns, porque não tinham mais condições físicas para voltarem a seus antigos afazeres; outros, porque as próprias famílias não mais os queriam de volta; e muitos por já terem, por aqui mesmo, arrumado uma “namoradinha” e não desejarem mais se afastar dos seus amores...

Nessas condições, procurando reformular suas vidas, cheios de novas esperanças e, na perspectiva de melhores dias, começava para esses ex-doentes, uma nova odisséia: a procura de trabalho.

Isto porém não era nada fácil; cidade muito pequena, dotada de íntimas fontes de renda, não poderia oferecer a todos que iam obtendo sua cura grande possibilidades de trabalho: era tão comum ver-se pessoas, às vezes até de fino trato, sujeitarem-se a trabalharem nas “pensões”, muitas vezes servindo como arrumadores, garçons, ajudantes de cozinha e outros rudes afazeres, na expectativa de que algo melhor lhes surgisse. E, assim, como uma tácita combinação hierárquica, na medida em que uns iam arranjando coisa melhor, outros vinham ocupar seus lugares, e desse modo, numa escala de valores, inversa, todos iam resolvendo seus problemas.

Desse grupo de doentes que aqui foi fixando, e, através dos tempos, exercendo as mais variadas profissões, é que foi sendo sedimentada uma sociedade que, após terríveis sofrimentos e lutas, pode deixar como herança maior, esse espírito de trabalho e solidariedade humana que tem sido uma das mais ricas características da nossa terra. É evidente que, através dos anos, outras etnias foram também aqui se radicando, não mais no intuito de buscar a cura, mas de aqui se fixarem e com isso emprestarem, também, sua valiosa colaboração sócio-econômica e, muitas vezes, até cultural a Campos do Jordão. Todavia, o que não podemos perder de vista é o fato de que tudo que hoje aí está, deveu-se, principalmente, àqueles que, por força de circunstâncias, nem sempre muito favoráveis, aqui se fixaram quando tudo ainda era muito difícil e, muitas vezes ainda alquebrados pelas enfermidades, deram início a um tipo de economia, outrora denominada “indústria sem chaminés”, isto é, a nossa hoje super-desenvolvida indústria do turismo.

Por fim, esperando ter satisfeito a curiosidade, não só daquele amigo citado no início desta crônica, mas também àqueles que se interessam pelas coisas de nossa terra, é que lhe deixamos a saudade daqueles companheiros que já se foram, e não são poucos, lembrando ainda aos nossos concidadãos um fato curioso de nossa história: ao contrário da maioria de outros aglomerados humanos, formados, quase sempre, em função de enormes recursos materiais, Campos do Jordão tornou-se aquilo que hoje é, moldado muito mais na vontade férrea daqueles que, como sua maior riqueza, tinham apenas a fé e o amor que devotavam a esta terra.

João Martins de Aguiar Filho

Matéria publicada no jornal Evolução, 1980.- Interior News - Campos do Jordão - 05 a 12 de janeiro 1996

29/04/1980

 

Acesse esta crônica diretamente pelo endereço:

www.camposdojordaocultura.com.br/ver-cronicas.asp?Id_cronicas=216

 

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