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Crônicas que contam histórias de Campos do Jordão.

 

A gente era feliz e não sabia - II 


A gente era feliz e não sabia - II

Serenata no alto do Morro do Elefante. Nessa época, no topo do morro,só existia uma cruz de concreto.

 

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Campos do Jordão ficou uma cidade violenta. Agora, todo cuidado é pouco, pois os assaltos se fazem à luz do dia. Imagine, então, à noite! Antes, o marginal entrava na casa do cidadão na ausência deste, agora, entra junto com ele. Pobreza, desemprego, migração desqualificada, vagabundagem, drogas e falta de vergonha na cara estão misturados na eclosão da violência que se desencadeou na antiga e pacata terra jordanense. Outro dia, vendo o volumoso pacote de ocorrências policiais de uma única noite, fiquei pasmo e me lembrei da década de 60, quando Campos do Jordão era um paraíso diurno e um presépio noturno. Os boêmios e seresteiros eram os únicos marginais da vida naquele tempo inesquecível.

Certa vez, naquela época, juntamo-nos todos: o saudoso Pedro Cintra e seu irmão, o hoje octogenário Daniel Cintra, a voz metálica da Mantiqueira, o encantado Mario Colla Francisco, Nilo Conde, a voz de ouro e Nelito, grande violinista. E saímos, noite adentro, em serenatas. Não sabendo cantar e nem tocar nenhum instrumento, o colunista frustrado era somente o motorista da turma no lendário Ford 1951, azul claro, do saudoso Pedro Paulo, a transportar os grandes seresteiros de Campos do Jordão. Uma seresta lá no alto do Morro do Elefante, outra em Vila Capivari, mais uma em Vila Jaguaribe e que delícia quando a homenageada por aqueles jovens, acendia e apagava seguidamente as luzes de seu quarto. Era o sinal evidente de que, acordada, ouvia e aprovava o seresteiro, pedindo nova canção. A turma caprichava no acompanhamento e todos, todos, até mesmo o motorista, vibravam de alegria. Aí, alguém teve a péssima sugestão de encerrar a serenata em Vila Abernéssia, pois já era madrugada. Seria debaixo da sacada do antigo Hotel Brasil, do saudoso Emílio Ballion. Ali morava uma belíssima funcionária do Ginásio Municipal... põe bela nisso! Mário Colla cantou “Último Desejo”, Daniel Cintra com seu vozeirão, entoou “A Deusa do Cassino”, Pedro Cintra explodiu com “Nada Além”, todos com os acordes maravilhosos do violão do Nelito. Quando Nilo Conde começou a levantar a voz para cantar “Violino Cigano”, apareceu o guarda-noturno, cheio de autoridade, falando: “Todos para a Delegacia!” Um dos seresteiros respondeu: “Mas, seu guarda, nós estamos fazendo apenas uma serenata!”. O guarda, já meio nervoso, retrucou: “Não tem mais, nem menos. Os senhores estão fazendo baderna noturna, perturbando o sossego publico. Todos prá Delegacia!” Aí, eu disse: “Seu guarda, sou vereador!” A resposta veio rápida: “Aqui não tem vereador, nem governador! Vamos prá Delegacia de Polícia!” O fato é que tivemos mesmo de acompanhá-lo à repartição policial, onde o delegado foi chamado, furioso, pois estava dormindo em sua casa. Percebendo que não eram malandros e tampouco perturbavam o sossego publico, dispensou a todos, choramingando porque não fora chamado também para participar da serenata. Naquele longínquo tempo, bom e inolvidável, seresta era caso de policia e seresteiro transgressor da lei. A gente era feliz e não sabia!

Pedro Paulo Filho - Escritor, historiador e advogado jordanense

24/10/2012

 

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www.camposdojordaocultura.com.br/ver-cronicas.asp?Id_cronicas=176

 

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