A lágrima do Médico na tarde Jordanense
Dr. Sylvio da Costa Rios - O Médico da lágrima na tarde Jordanense
Eram quatro, os amigos, que se reuniam com certa frequência na lanchonete do Campos do Jordão Tênis Clube de Turismo, sempre nos finais de tarde – tardes estas que traziam, e ainda trazem, e sempre trarão aquela terceira cor que se origina da junção entre o azul imaculado do céu e o verde viril das montanhas e dos pinheiros que ornamentam este paraíso na terra.
Quatro amigos, alheios às raquetadas e aos sets que se seguiam nas quadras, à algazarra das crianças e à moçoilas que desfilavam suor e graça à volta da mesa onde eles se sentavam, e de onde só se levantavam para ir ao banheiro ou para cumprimentar os inúmeros amigos que por ali transitavam.
Falavam do que há de melhor na vida: mulheres, viagens, bebidas, mulheres de novo, os amigos que se foram e os que ainda estavam ali, o futuro, mulheres novamente (as deles, as dos outros e as que nunca tinham tido dono, estas, as mais fascinantes), os filhos, os netos, a política, o trabalho, o dinheiro (ou a falta dele), histórias bem e mal contadas, as duras e constantes batalhas travadas ao longo da vida. Tudo enquanto saboreavam o sagrado uísque patrocinado, sempre, pelo mais abonado deles, aquele a quem a vida tinha dado a fortuna de amealhar algum dinheiro a mais para gastar no fim da sua passagem terrena, justamente com os amigos a quem devotava tanto afeto e tanta cumplicidade.
Por mais de uma vez, presenciei alguém se aproximar para tentar participar das conversas. Nunca dava certo. A presença do estranho durava uma, ou duas reuniões, no máximo. Depois, por qualquer motivo, voltavam a ser só os quatro. Quem assistia de longe, não tinha dúvidas: naquela mesa, estavam quatro homens a quem a vida, já em seu outono, presenteava com momentos de descontração e celebração do mais puro sentimento de amizade.
Certo fim de tarde de sábado em que se realizaria um happy-hour para os sócios, dois dos amigos estavam ali sentados, em absoluto silêncio e olhos perdidos no vazio. Ficavam assim, entre uma conversa e outra. Quando o assunto terminava, ficavam em silêncio, à espera de uma lembrança, de uma idéia, de uma piada. Aliás, contavam muitas piadas, impublicáveis. Amigos são assim mesmo, sem pudor. Riam muito. Mas naquele momento especial em que havia silêncio, alguém havia colocado para tocar no aparelho de som da lanchonete as Quatro Estações, do Vivaldi. E depois da peça "Inverno", quando terminam as estações propriamente ditas, veio o "adágio em sol menor para cordas, violino e órgão", de Tommaso Albinoni. Quem conhece a canção, sabe o poder que ela tem. De repente, enquanto a música avançava (a peça tem aproximadamente nove minutos), reparei que um dos homens estava com os olhos cerrados, semblante grave, acompanhando o compasso da música com uma das mãos. O outro, alheio ao que ocorria, ainda fez menção de falar alguma coisa, mas foi interrompido com um gesto brusco do outro, a pedir que se calasse. Então, para meu espanto e sem que eu esperasse, uma lágrima rolou de um dos olhos do homem, no mesmo momento em que o violino anunciava o fim da música.
Então ele se levantou, retirou o lenço do bolso - bons tempos aqueles, em que os homens de bem usavam lenços - e sem dizer nada se dirigiu ao banheiro, de onde voltou rapidamente, como se nada tivesse acontecido.
Quanto a mim, tratei de trocar o CD antes que alguém ali tivesse um troço. E passei a admirar ainda mais aquele baiano, médico competente, respeitado e consagrado, que livrara da morte tantos jordanenses, que se reunia com os amigos para generosamente pagar-lhes algumas doses de uísque e que, àquela altura da vida, ainda mantinha em seu coração velho e cansado a capacidade de se emocionar com uma canção.
Seu nome: Sylvio da Costa Rios.
Benilson Toniolo
10/04/2014
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