A lenda do “gigante da capa preta”
O "Gigante" da Capa Preta.
No início da década de 1960, eu, Edmundo, e meus pais, Waldemar e Odete, morávamos na Vila Capivari, no sobrado situado na Av. Macedo Soares nº 371, de propriedade do saudoso Sr. Antonio Elias Jacob, comerciante em São Paulo que, anteriormente, usava esse sobrado para vir passar férias com a família – sua esposa, D. Inês, e os filhos, Antoninho e Jorginho. No local desse sobrado, hoje está instalado o Hotel Europa, de propriedade da Sra. Marisa Pagliacci Bortoloni. Nessa mesma década, quando morávamos nesse sobrado, meu pai tinha instalado na sala da frente da casa a saudosa, importante e memorável “Imobiliária Rocha”. Também nessa época, nasceram meus irmãos André Luiz e Maria Cristina,
Ao lado desse sobrado, na época em que lá moramos, no início da década de 1960, havia uma casinha, também de propriedade do Sr. Antonio E. Jacob. Nessa casinha, na década de 1950 e início de 1960, por vários anos, morou o saudoso, eminente e consagrado educador e professor Imídio Giuseppe Nérice, autor de mais de cinquenta obras ligadas, essencialmente, a temas educacionais, envolvendo, dentre outros temas, a filosofia, sociologia, psicologia e pedagogia, e diretor do nosso Colégio e Escola Normal Estadual de Campos do Jordão – CEENE. Sua esposa era a capitã Bertha de Moraes Nérice, laureada enfermeira, formada pela 1ª Turma do Curso de Emergência de Enfermeiras da Reserva do Exército Brasileiro, veterana da 2ª Guerra Mundial, tendo prestado relevantes serviços na FEB – Força Expedicionária Brasileira, no teatro de operações da 2ª Guerra Mundial, na Itália, durante o período de 1942 a 1945, tendo sido condecorada com as medalhas de guerra e medalha de campanha, em dezembro de 1945. Nessa época morava nos fundos dessa casinha, praticamente como caseiro, o culto, gentil e saudoso Sr. Passos.
O início é somente para identificar o local e o tempo onde aconteceu a história que vou contar abaixo. Na realidade não é uma lenda, e sim um fato verídico. Somente após o tempo em que aconteceu e o que se passou na cabeça das crianças desse tempo, sem saber detalhes esclarecedores, acabou virando uma lenda.
Confesso, já havia me esquecido temporariamente desse episódio e, honestamente, desconhecia as consequências posteriores, influenciando a memória da criançada que, muitas vezes, à noite, passava ali pela Av. Macedo Soares. Felizmente, esse episódio voltou à minha memória graças a um dos encontros com o amigo Jayr Antunes de Lemos Jr., o Jayrzinho, um dos garotos dessa época, filho do saudoso Sr. Jayr Antunes de Lemos que, durante várias décadas, foi proprietário da famosa “Foto Capivari” e que deixou registrado para a nossa história uma imensidão de fotografias maravilhosas mostrando as belas paisagens da década de 1930 até a de 1980 e os principais acontecimentos de Campos do Jordão desse período.
Na oportunidade em que me encontrei com o Jayrzinho, há pouco mais de um ano, por volta do ano de 2013, ele começou a conversar comigo sobre diversos assuntos do passado e me fez uma pergunta inesperada: “Você se lembra, há muito tempo atrás, eu era um garoto... do famoso, amedrontador e misterioso ‘gigante da capa preta’, que amedrontava a todos, especialmente nós crianças, lá no centrinho da Vila Capivari?” Incrível, no mesmo instante, o videoteipe da minha memória me trouxe à mente toda aquela história. Respondi: “Sim, me lembro dessa história”. Jayrzinho continuou, mais ou menos assim: “Quem poderia ser aquele ser monstruoso que, às vezes, ficava passando pela Av. Macedo Soares, lá no centrinho da Vila Capivari, deixando a todos intrigados e causando pânico e pavor às crianças, incluindo a mim que, até hoje, fico intrigado com aquele “gigante da capa preta”, sem saber se era alguém que morava por lá ou algum ser interplanetário?”
Não tive dúvidas, comecei a rir da maneira como ele ainda estava preocupado com os episódios e mantinha viva em sua memória essa história que, para mim, não havia passado de uma brincadeira inocente, que nunca pude imaginar as consequências que poderia ter causado.
Depois de quase 53 anos, para deixar o meu amigo Jayrzinho tranquilo e esquecer qualquer resquício desagradável dessa história, até certo ponto macabra, esclareci a ele, de forma mais sucinta da que vou relatar abaixo, que a história real sobre o temível, misterioso e amedrontador “homem da capa preta” era apenas uma brincadeira inocente, desprovida de qualquer maldade ou intenção macabra. Conheçam abaixo, a verdadeira história, porém, de forma mais ampla.
No início da década de 1960, algumas vezes recebia em minha casa meu querido primo Carlos Eduardo Mesquita que, na época, residia na Vila Ferraz, proximidades da Vila Abernéssia. O Carlos Eduardo tem praticamente a mesma idade minha, com apenas dois meses menos de diferença. Nessa época, ele era bem mais baixo que eu, que já tinha mais ou menos um metro e oitenta de estatura. Meu pai tinha uma boa capa preta, dessas grandes e compridas, usadas por boiadeiros. Eu era bastante forte. Em poucas oportunidades, talvez duas, à noite, eu abaixava e o Carlos Eduardo subia em minhas costas, ficando minha cabeça entre suas pernas e estas pendentes, uma de cada lado do meu corpo. Depois ele colocava a capa preta que, inclusive, cobria toda minha cabeça. Eu só conseguia enxergar abrindo um pouquinho a frente da capa, no espaço entre os botões. O Carlos Eduardo ainda colocava na sua cabeça um enorme chapéu de palha, virava bastante suas grandes abas, que quase lhe cobriam o rosto. Eu com quase 1,80 m de altura, mais a altura do Carlos Eduardo sentado em meus ombros, o que devia dar uma altura total de uns dois metros e trinta pelo menos. Com essa indumentária saíamos de casa e, pelo meio da Av. Macedo Soares, naquela época, quase sem movimento de veículos, íamos até o centrinho da Vila Capivari e depois voltávamos. Nesse trajeto encontrávamos muitas pessoas, adultas e crianças, que ficavam surpresas com aquele enorme “gigante” passeando pela rua. Alguns, depois que passavam pelo “gigante”, faziam algum comentário: “Puxa! Que homem enorme e misterioso. Credo! Quem será?”. Nós, silenciosamente, nos divertíamos muito. Era somente isso que fazíamos. Uma brincadeira sem a intenção de amedrontar alguém, adulto ou criança. Nossa intenção era somente ver a surpresa das pessoas que se encontravam conosco nesse trajeto, na ida ao centrinho de Capivari e na volta para casa.
De conformidade com o que o Jayrzinho me falou há pouco tempo quando o encontrei, nunca soube ou imaginei o que pudesse ter ocorrido, que as crianças que nos encontravam naquela época ficavam muito amedrontadas com o tal “gigante”, e assim, por muito tempo, só voltavam sair à noite acompanhadas de algum adulto. Disse o Jayrzinho, uma das crianças daquela época, que pensavam que o “gigante” era um extraterrestre, algum ser interplanetário que tinha a missão de pegar crianças e levar para seus planetas desconhecidos. Disse também que, mesmo depois do desaparecimento do “gigante da capa preta”, por muitos anos, toda vez que saíam à noite com seus pais ou com algum adulto, ficavam alerta, olhando por todos os cantos, preocupados em encontrar o temido, amedrontador e inesquecível “gigante da capa preta”. Falei ao amigo Jayrzinho: “Coitados, desconheciam a verdadeira história. Não sabiam que tudo era, simplesmente, uma brincadeira, sem a intenção de amedrontar as pessoas, especialmente as crianças”.
Ao final de toda essa história que contei ao amigo Jayrzinho, tenho certeza que ele ficou mais tranquilo e com a terrível dúvida esclarecida; porém, com muita vontade de me xingar muito ao saber que o temível “gigante da capa preta”, que o deixou, e com certeza a muitos, intrigado por quase 53 anos, não passara de uma simples brincadeira inocente do seu amigo Edmundo e do meu primo Carlos Eduardo. Bons tempos que não voltam jamais. Ainda bem que, depois de tanto tempo, auxiliado pelo amigo que relembrou esses acontecimentos, pude deixar escrita e registrada essa história dos tempos da juventude.
Meu querido primo Carlos Eduardo, homem incansável, de grande valor e múltiplas atividades, há muito tempo reside, com sua numerosa e maravilhosa família, na vizinha cidade irmã Pindamonhangaba. Há muitos anos está, vitoriosamente, à frente de importantes entidades assistenciais que prestam relevantes serviços aos necessitados e idosos.
Edmundo Ferreira da Rocha
14/02/2015
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