Bondade do povo jordanense
O locutor Adib Yazbeck, o personagem principal desta crônica.
Inicialmente, é necessário esclarecer que o povo jordanense, de todas as épocas, é povo bom, que gosta e faz questão de ajudar aqueles que precisam de algum tipo de auxílio. O que o povo em geral não gosta, não só o de Campos do Jordão, é de ser importunado por vadios, bêbados e desocupados, dos sexos masculino e feminino, que vêm pedir dinheiro, apresentando desculpas esfarrapadas, às quais já estamos acostumados e cansados de ouvir, para angariar alguns trocados para, sabemos sobejamente, comprar bebidas alcoólicas, cigarros e até entorpecentes. Deixam de ser honestos e verdadeiros. Não se preocupam, num só instante, em amparar a família, os filhos especialmente, que vivem praticamente abandonados e chegam até a passar fome. Em alguns casos, acabam seguindo os degradantes e humilhantes passos dos pais.
Pedir para executar algum tipo de serviço em troca de ganhar algum dinheiro para seu sustento nem pensar. Se falarmos em trabalho para a grande maioria dessas pessoas que pedem em vários locais da cidade, é o mesmo que enxotá-los e colocá-los para correr. Cortam a conversa na hora e dão um jeito de sumir do local. Trabalho não é remédio para a grande maioria dos desocupados. Poucos são aqueles que procuram trabalho, e mesmo, muitas vezes, não encontrando, chegam a passar fome, não tendo coragem de sair pelas ruas pedindo algum auxílio, pois têm vergonha.
A seguir, uma interessante prova da bondade do povo jordanense.
O grande amigo Benedito Alves da Silva, o conhecido Deloro, grande esportista ligado ao esporte de Campos do Jordão, especialmente ao futebol, em que prestou, por várias décadas, relevantes serviços como técnico junto à equipe do Abernéssia Futebol Clube. Nesse trabalho, sempre esteve acompanhado pelo abernessiano fanático, Cantídio Pereira de Castro, o conhecido Baiano, hábil massagista da equipe. Deloro contou-me a história a seguir narrada, que procurarei transcrever da melhor maneira possível, procurando não fugir do fato verídico.
Na década de 1960, Deloro estava estabelecido na extinta galeria anexa ao Mercado Municipal, com lojinha de artigos de vestuário para ambos os sexos. Na parte superior do Mercado, durante a administração do prefeito municipal Miguel Lopes Pina (01/01/1963 a 31/12/1966), foi instalado um grande armazém de gêneros alimentícios de primeira necessidade, em parceria com a tradicional COBAL – Companhia Brasileira de Alimentação, também conhecida como SAPS – Serviço de Alimentação da Previdência Social, que foi famoso durante as décadas de 1940 e 1950 em todo o Brasil.
Esse armazém, durante vários anos, desde sua abertura, foi gerenciado e administrado pelo saudoso Benedito Severiano Barbosa, o conhecido Batatais.
Em determinada ocasião, apareceu no armazém da COBAL o Adib Yazbeck, locutor e radialista, que trabalhou durante várias décadas na saudosa Radioemissora de Campos do Jordão, a nossa ZYL-6, a mais alta do Brasil. Como a radioemissora era pequena, dotada de poucos funcionários, até os locutores, nas horas de folga, ajudavam nos serviços burocráticos, inclusive na cobrança e divulgação dos serviços de propagandas, que eram vendidos para angariar recursos financeiros para a manutenção da própria emissora. Nessa oportunidade, o locutor Adib Yazbech estava cobrando da COBAL uma mensalidade dos serviços prestados pela emissora de rádio, pela divulgação comercial do armazém e promoções colocadas à disposição dos interessados.
Depois da cobrança, o locutor Adib, homem de pequena estatura, franzino, humilde, de aparência estranha e simplória, até um pouquinho torto devido à cirurgia de torocoplastia a que se submetera, com retirada de costelas, possibilitando a extirpação de parte de pulmão atingido e comprometido pela tuberculose, desceu a escadaria de acesso à COBAL. Com certeza, cansado pelo esforço físico de subir e descer, que afeta a respiração de quem foi submetido à cirurgia pulmonar, acabou se sentando no último degrau da escadaria. Sentou-se, tirou a boina da cabeça e a colocou ao seu lado no degrau. Começou a organizar os demais recibos de cobrança que ainda teria de receber dos patrocinadores dos comerciais veiculados pela emissora. Ficou ali sentado, absorto na organização dos recibos, por uns quinze minutos.
Quando resolveu levantar para continuar seus serviços de cobrança, ficou surpreso ao pegar sua boina para colocar na cabeça. Dentro dela havia várias notas de dinheiro e algumas moedas. Teve a curiosidade de contar o valor e verificou que havia mais de doze cruzeiros, dinheiro em vigor na época. Ficou surpreso e espantado com o que havia acontecido. Resolveu subir novamente a escadaria de acesso à COBAL, indo procurar o amigo Batatais para contar o ocorrido.
Lá chegando, cansado, feliz, alegre e sorridente, disse ao Sr. Batatais: “Batatais, que povo bom e generoso esse de Campos do Jordão. Quanta bondade existe em seus corações”. Contou ao amigo Batatais o que havia acontecido, acrescentando: “Nada pedi, estava apenas sentado, descansando e organizando a documentação para as demais cobranças e veja só o que aconteceu comigo”. Os dois e outras pessoas que estavam fazendo compras no armazém deram boas risadas com a história, realmente hilariante, mas confirmando a bondade do povo jordanense.
Edmundo Ferreira da Rocha
21/02/2013
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