Histórias...com tributo ao amigo Orestes Mário Donato
Foto de Orestes Mário Donato - Década 1960 - Gentilmente cedida pelas amigas Malú Donato e Luciana, esposa e filha.
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Foto do ano de 1944, da carteirinha de identificação de Donato quando pertrencia à “Associação dos Profissionais da Imprensa de São Paulo”, Matrícula 2269 e ocupava a função de Redator do Jornal “Mocidade Paulista”.
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Foto do jornalista, desenhista, projetista e grande fotógrafo de Campos do Jordão Orestes Mário Donato, na década de 1980.
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Foto do jornalista, desenhista, projetista e grande fotógrafo de Campos do Jordão Orestes Mário Donato, na década de 1980.
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Caricatura de O.M.Donato feita pelo irmão João Leão Pedro Donato, grande desenhista, para ilustrar artigos do irmão nos Jornais de Campos do Jordão - décadas 1950 e 1960
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Durante as décadas de 1940 e 1950 morei em Vila Abernéssia, em uma casinha de madeira situada numa pequena chácara de propriedade de meu avô paterno Joaquim Ferreira da Rocha, posteriormente vendida para a Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, atualmente denominada ASSISO, situada nas proximidades do atual Supermercado Paratodos. Essa casinha ficava bem próxima à enorme casa principal da propriedade, a primeira construída em alvenaria aqui em Vila Abernéssia, nos idos de 1914, e havia sido a residência de meus avós, Joaquim e Maria, e seus quatorze filhos.
Já no final da década de 1940, meus avós haviam mudado para a vizinha cidade de Pindamonhangaba. A casa principal havia sido alugada e transformada em uma pensão para doentes acometidos do mal da época, a tuberculose. Nessa ocasião, embora já existissem vários sanatórios especializados para o tratamento dessa doença, ainda havia várias pensões que insistiam em acolher os acometidos do mal, mesmo existindo a recomendação contrária ao eventual tratamento da doença junto a essas pensões que, na realidade, careciam de tratamento mais especializado, acompanhado por profissionais e médicos especializados em tisiologia.
Foi exatamente nessa ocasião, nos idos de 1948, que conheci Orestes Mário Donato que, a partir dessa época, tornou-se meu grande e constante amigo, passando a ser, num futuro até próximo, parte importante e decisiva no progresso da minha vida e na da minha família.
Enquanto esteve hospedado, impossível dizer internado, nessa pensão, que na ocasião pertencia ao Sr. Lauro Candeira, juntamente com outros amigos de saudosas memórias, como o Célio Duval Motta, o amigo Castro, Sr. Rezende, o Sr.Dorival Mendonça, mais conhecido por Índio, pai do Roberto da atual Romalar e do Adair, especialista em rádio e televisão, braço direito do Renato da atual Tomotec, e de tantos outros, o seu Orestes, como eu o denominava, era um companheiro especial. Acompanhava o seu Orestes em quase todas as suas caminhadas matinais que, por incrível que pareça, faziam parte do seu simples tratamento, obrigando-o a respirar o ar puro das manhãs, impregnado do aroma das araucárias, dos cedrinhos, dos pinhos-bravos e da relva molhada. Os caminhos percorridos eram desertos e maravilhosos. A nossa querida Vila Abernéssia, especialmente junto da área hoje denominada Vila Fracalanza, era quase totalmente deserta, existindo, além da referida pensão, o prédio da antiga pensão Sans Souci, as casas do amigo Olegário Frozino, dona Domingas Pasquarelli, de duas senhoras das quais nunca consegui saber os nomes e, nas proximidades, o posto de gasolina do Sr. Horário Padovan, Casa de Sementes do Kenji Tamya, o pequeno Armazém Jordanense, dos irmãos Francisco e Antoninho Miranda, as casas de D. Maria Sandim, do seu Ditinho Neco, do seu Zezinho e D. Julieta, do seu Délio Rangel Pestana e D. Minita, a mansão dos Fracalanzas e algumas outras.
Nessas caminhadas, sempre que contávamos com a companhia do amigo Castro, por sua opção e preferência, visitávamos a fonte de água limpa e cristalina existente nos fundos do Sanatório Sírio e a cachoeirinha da Chácara Dom Bosco.
O seu Orestes, já nessa época, era o único que, às vezes, ia munido de máquina fotográfica, aquela com um enorme fole que tinha na frente a objetiva e os comandos, que era puxado no momento da tirada das fotos e depois recolhido para dentro da máquina. As poucas fotos que tenho dessa época foram tiradas pelo amigo seu Orestes.
Logo no início dos anos 1950, a pensão do Sr. Lauro já havia sido desativada e, depois do falecimento de meu avô Joaquim, a propriedade foi vendida para a Irmandade do Sagrado Coração de Jesus. Na seqüência, tivemos de sair do local para que a Irmandade pudesse tomar a plena posse da propriedade.
Meu pai Waldemar Ferreira da Rocha, infelizmente, afastado do trabalho por sérios problemas de saúde, especificamente por problemas aórticos e de “angina pectoris”, recebia somente uma mísera aposentadoria do IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários; considerando que sua profissão era carpinteiro, pertencia à área da construção civil, fazendo parte da classificação industriária. Depois que saímos da “nossa casinha” ficamos morando, algum tempo, por favor, na casa da tia Izabel, casada com o tio Floriano Pinheiro.
Depois de algum tempo, como acontece via de regra, a estada na casa da tia acabou não dando certo. Nem sei como meu pai conseguiu; porém, com muita coragem e garra, alugou a parte inferior de um sobradinho existente na atual Rua Felício Raimundo Neto, na antiga volta Fria e mudamos para lá.
Logo em seguida, o tio Álvaro, a tia Jandira e sua pequena filhinha Sonia Maria mudaram-se para Campos do Jordão e ficaram morando na parte superior da residência. Como o tio Álvaro tinha um caminhão Chevrolet 1949, ele e meu pai se aventuraram em viagens para Ubatuba e traziam o caminhão cheio de peixes, camarões e lagostas, frutas diversas etc., para serem vendidos para a população e alguns hotéis da cidade. Como lhes faltava a experiência para esse tipo de negócio, acabaram por encerrar a atividade. Logo depois, o tio Álvaro voltou para São Paulo.
Bem, toda a narrativa acima, não só visando deixá-la registrada, mas para começar a falar da participação e do envolvimento do seu Orestes em minha vida e na vida de meu pai e de minha família.
Meu pai sempre se encontrava com o seu Orestes que morava em uma outra pensão em Vila Abernéssia e conversavam muito. Como as pensões para a cura da tuberculose estavam proibidas, e como o seu Orestes já estava curado da doença e necessitava de um lugar para morar, numa dessas conversas, surgiu o início da solução para resolver os problemas de cada um. Meu pai necessitava de algum serviço para melhor prover o sustento da esposa e o meu, único filho na época. Surgiu, nessa ocasião, a oportunidade para ele alugar uma casa existente na Av. Emílio Ribas, 908, ali no bairro do Capivari, nas proximidades do atual Hotel JB e do Posto Esso, já existente na época. Essa casa era de propriedade do saudoso amigo Adauto Camargo Neves. Como era uma casa até relativamente grande, meu pai combinou com o seu Orestes que a alugaria e disponibilizaria um de seus quartos para ele morar. Assim foi feito: mudamos para lá e meus pais passaram a alugar um dos quartos para o seu Orestes, fornecendo as refeições diárias e o café da manhã, claro, mediante pagamento do correspondente valor, de comum acordo entre ambos.
Mudamos para o novo endereço. Nessa época, a Empresa Cadij, constituída com os ramos de Imobiliária e Construtora, de propriedade do saudoso Antonio Leite Marques, o Toninho, que já havia resolvido separar as duas atividades, ficando somente com a parte da Imobiliária. O Dr. Marcos Wulf Siegel que havia chegado em Campos do Jordão no ano de 1953, já como associado da CADIJ, resolveu assumir a parte da Construtora e assim, em 1954, fundou uma Construtora. Para sua instalação necessitava de um local. Essa Construtora passou a ser denominada pelo nome da autoria do seu Orestes, COPEL, abreviatura de Construções, Projetos e Engenharia Limitada. O Engenheiro responsável pela COPEL era o Dr. José Ariosto Barbosa de Souza.Também fazia parte da administração o Professor Harly Trench. Assim, por intervenção do seu Orestes que, além das suas muitas outras habilidades, era especialista em projetos e desenhos e já havia sido contratado para ser o projetista da COPEL, meu pai, considerando que a casa onde já estávamos morando era muito grande, acabou por alugar duas salas existentes na frente dela e mais outros dois cômodos para o Dr. Marcos Siegel instalar a COPEL.
Essa parceria envolvendo meu pai, seu Orestes e a COPEL foi maravilhosa e começou a mudar nossa vida. Meu pai, de profissão carpinteiro, havia trabalhado durante muitos anos com meu tio e seu cunhado Floriano Rodrigues Pinheiro, com o qual aprendeu muito sobre construção civil em geral. Floriano, respeitado e competente empreiteiro da construção civil de Campos do Jordão, subiu a serra da Mantiqueira com a construção da Estrada de Ferro Campos do Jordão, juntamente com meu avô Joaquim Ferreira da Rocha, e fundaram uma das primeiras construtoras da cidade, a “Rocha e Pinheiro”. Assim, novamente por intervenção do seu Orestes, meu pai que, graças a Deus, havia tido uma boa melhora em sua saúde, foi convidado para assumir as funções de mestre de obras da COPEL.
Nossa vida começou a mudar. Com um quarto da casa alugado para o amigo seu Orestes, mais a pensão que ele pagava para as refeições e café da manhã, o aluguel das salas ocupadas pela COPEL, nossa situação financeira estava praticamente solucionada. O aluguel total da casa que era a grande preocupação, estava garantido. Meu pai, como dito anteriormente, recebia uma mísera aposentadoria do IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, ao qual estavam vinculados os empregados da construção civil, passou a receber um bom salário como mestre de obras da COPEL. Assim, nossa condição de vida mudou totalmente, graças às boas e oportunas intervenções do seu Orestes.
Eu, como já era de longa data amigo do seu Orestes, desde quando veio para a pensão do Lauro, acabei aprendendo muito com ele. Ele me ensinou a desenhar. Seu Orestes sabia tudo sobre desenho e tinha uma experiência muito grande. Tinha muita facilidade e muita didática para ensinar. Ele preparou com muita sabedoria e habilidade, especialmente para mim, um cursinho de desenho. Fiz esse cursinho que me deu muita habilidade e conhecimento sobre desenhos em geral, que muito me valeu e ajudou por toda a vida.
Nessa época, aqui em Campos do Jordão não existia escola de datilografia. Como o seu Orestes era um exímio datilógrafo, eu ficava maravilhado com essa sua habilidade. Mais uma vez o seu Orestes me ensinou. Com sua habilidade em datilografia e baseado nos ensinamentos que havia recebido quando aprendeu, preparou um cursinho de datilografia para mim. Preparou até uma “engenhoca” feita de papelão grosso e firme para cobrir parcialmente o teclado da máquina de escrever, evitando que ele pudesse ser visto, possibilitando a intimidade automática dos dedos com as diversas teclas, mesmo sem visualizá-las. Assim, aprendi a datilografia que utilizei em toda minha vida profissional e utilizo até hoje, agora, para digitar em computadores.
Como o seu Orestes era muito culto, sabia escrever muito bem, tinha ótima redação, escrevia artigos para jornais da cidade, um jornalista com muita prática, aprendi muito com ele, especialmente sobre cinema, música, gramática, geografia, história e até habilidades manuais, como construção de pipas ou papagaios, brinquedos de madeira, jogos etc.; enfim, uma infinidade de coisas.
Lembro-me perfeitamente de uma vez em que o seu Orestes construiu uma linda e enorme arraia, tipo de pipa ou papagaio, feita com armação de varetas de taquara ou bambu, revestida de papel de seda. Tinha o formato parecido com um losango. Era amarela e tinha duas franjas, uma de cada lado. Eram feitas de papel de seda vermelho, bem recortado, responsável pelo seu equilíbrio e direcionamento diante do vento. Eu e ele, muitas vezes, subimos o morro da tartaruga, aquele ao lado do morro do elefante, e nos divertimos muito aproveitando as tardes de vento forte empinando a arraia e dando-lhe muitos e muitos metros de linha para o seu gracioso vôo no céu jordanense. A arraia parecia que ia sumir no infinito. Em todas as vezes, recolhemos a arraia, depois de enrolar a linha num carretel próprio que ele também havia construído. Que saudade daqueles tempos!
Moramos nesse local por uns dois anos. A COPEL também esteve estabelecida no local pelo mesmo tempo. Depois tivemos de mudar. O Sr. Adauto, proprietário da casa, estava voltando para Campos do Jordão e necessitava dela para morar.
Meu pai, mais uma vez, alugou uma casa enorme, de propriedade do Sr. Adelardo Soares Caiuby, situada na Avenida Macedo Soares, 306, em frente ao Hotel Bologna que, na época, era de propriedade do Sr. Augusto Pagliacci e sua esposa D. Alba. Mais uma vez, o seu Orestes foi morar conosco nessa nova casa e, também, a COPEL acabou se estabelecendo no local, ficando com o enorme salão existente na frente da casa e mais outros dois quartos enormes que foram transformados em salas de trabalho.
Nesse novo endereço, agora mais no centro de Vila Capivari, a COPEL teve um avanço muito grande. A quantidade de construções aumentou muito e assim o serviço para todos que nela trabalhavam. Meu pai recebia um bom salário mensal que ajudava muito em todas as despesas com a casa e família. Impossível deixar de reafirmar que, tudo isso, graças à boa amizade e intervenção favorável e oportuna do seu Orestes que, nessa época, já era mais conhecido por todos como Donato.
Donato sempre foi uma pessoa de forte personalidade. Tinha seus pontos de vista sobre muitas coisas e situações e não abria mão disso. Em muitas oportunidades, tanto ele com meu pai ou comigo, acabamos discutindo seriamente à moda italiana e lusitana, porém nunca chegamos a guardar o mínimo rancor, e essas oportunidades nunca foram tão fortes para alterar ou mudar o nosso relacionamento que sempre foi muito bom.
Eu e o Donato éramos unha e carne. Sempre que estávamos em casa estávamos juntos. Muitas vezes que ele saía de casa e ia a algum lugar, íamos juntos. Era praticamente meu segundo pai.
Nessa casa, como o quarto do Donato era enorme, ele montou em um dos cantos um estúdio fotográfico completo. Donato sempre foi um excelente fotógrafo. Sabia tudo sobre fotografia. Tirava as fotos, revelava os filmes, fazia as cópias e ampliações, recortes e montagens fotográficas etc. Eu, sempre junto, aprendi muito sobre fotografia. Já sabia quase todos os passos seguidos pelo Donato nessa arte. Foi a partir dessa oportunidade que passei a me interessar por fotografia, habilidade que tem sido muito útil em toda a minha vida, responsável pelo meu enorme acervo fotográfico e histórico de Campos do Jordão.
Para ocupar algumas de suas horas de folga, o Donato e um outro amigo da sua época de pensão, o Teixeira, acabaram formando uma sociedade denominada “Teixeira e Donato”. Fizeram e registraram momentos importantes da história jordanense, por meio de muitas reportagens fotográficas, registrando as festividades de nossos maravilhosos carnavais de outrora, apresentações de vários artistas e cantores famosos que se apresentaram nos palcos da Boate Refuginho, Grande Hotel e Tênis Clube.
Nessa casa da Av. Macedo Soares, 306, ficamos por quase três anos, até início da década de 1960. A COPEL deixou o local um pouco antes, passando a ocupar sua sede própria especialmente construída na Rua Engenheiro Diogo de Carvalho, proximidades da igreja de São Benedito, bem no centrinho de Vila Capivari.
O Donato, também, na mesma ocasião, mudou-se para uma aconchegante casinha situada na propriedade do Tênis Clube e pertencente a este. Lá morou por muitos anos, juntamente com a Maria Lucia Felix Donato, a conhecida Malú, da Loja Henry Matarasso, e depois Malú Decorações, com quem se casou e tiveram uma filha maravilhosa, a Luciana Vitória.
Mesmo com a sua saída de nossa casa, continuamos grandes e perenes amigos.
Nessa época tive muitos contatos com o Donato, por força do nosso envolvimento com a Diretoria do Tênis Clube, sob a presidência do nosso querido e saudoso amigo Plínio Freire de Sá Campello. O Donato era o secretário do Clube e eu secretário da Recreação ou diretor social. Também nessa oportunidade, acabei aprendendo muito com o Donato que sempre se posicionava muito bem em suas observações, comentários, conduta e decisões, por meio de sua grande experiência, sabedoria e bom senso.
Infelizmente o Donato já nos deixou. Hoje só nos resta uma grande saudade do bom e fiel amigo, peça importante, decisiva e fundamental para o sucesso de nossas vidas. Ao Donato creditamos a nossa eterna gratidão. Conhecendo-o como conheci, tenho certeza absoluta de que, onde quer que esteja, estará repassando seus vastos conhecimentos e ajuda, sempre graciosamente e de forma despretensiosa, há muitos outros que, como nós, só precisávamos de um empurrão amigo.
Edmundo Ferreira da Rocha
20/05/2005
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