João Leite, Marcelo e o Galaxie preto da senhora judia
Detalhe João Leite dentro do Galaxie preto
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João Leite dentro do Galaxie preto, sentado no banco traseiro.
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Primeiramente, um pouquinho sobre o saudoso João Leite
As figuras populares surgem por algum tempo, perduram por algumas décadas e, depois, desaparecem da memória do povo.
João Leite chegou à cidade em 1941, procedente de São Bento do Sapucaí, indo parar na Fazenda São Geraldo, do advogado Raul Barbosa Lima, localizada nas proximidades da região conhecida como Água Santa, hoje Parque da Água Santa, local onde hoje é sediada a empresa Minalba, de engarrafamento de água mineral.
Certa feita, levou uma chifrada de um boi bravo, na barriga, conseguindo a muito custo salvar-se, mas ficou meio abobalhado.
João Leite tinha dois amigos fiéis: o cachorro Piloto e o saudoso Marcelo Duarte de Oliveira, que sempre levava para ele, aos domingos, um prato de salgadinhos.
Era um verdadeiro Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, redivivo. Velho e encarquilhado, pachorrento, ficava sempre em algum banco da Praça São Benedito em Vila Capivari, seu lugar predileto, onde passava horas e horas sentado, quase sempre dormindo sentado, com as moscas a lhe rondarem nariz adunco e a face enrugada.
O seu andar era característico por causa do joelho valvo, acompanhado de seu fiel cão amarrado por uma corda.
As calças eram erguidas até quase o peito e estavam sempre dobradas até as canelas. Sempre de paletó e chapeuzinho enterrado na cabeça. Era realmente um tipo popular que chamava a atenção de todo mundo.
João Leite tinha a mania de falar sozinho, resmungando, e xingava a molecada que brincava com ele.
Tinha um jeito todo especial de tratar as pessoas a quem queria agradar, chamando-as de “minha égua” ou “minha cabrita”. Gostava de pedir algum dinheiro para as pessoas, porém só aceitava notas e nunca moedas.
Ele faleceu aos 104 anos de idade no Sanatório São Paulo.
OBS.: Parte da crônica “João Leite está no céu”, da autoria do escritor, poeta e jornalista Pedro Paulo Filho.
Agora, um pouquinho sobre o Marcelo
Na década de 1950 e início da de 1960, a tradicional e famosa Água Santa, água mineral de primeira categoria, foi engarrafada por uma sociedade que tinha como principal idealizador o Marcelo Duarte de Oliveira, que até ficou conhecido como Marcelo da Água Santa. A área onde essa água tem sua fonte, inclusive, outras diversas fontes, de águas minerais de altíssima qualidade, era muito conhecida como Vale da Água Santa. Posteriormente e atualmente, a região é conhecida como Parque da Água Santa, localizada numa grande área de terras que pertencia ao sogro do Marcelo, o saudoso Sr. Orivaldo Lima Cardoso que, também, foi um dos proprietários da Companhia Industrial e Comercial de Campos do Jordão, a conhecida “INCOS”. Essa área de terras e as fontes existentes foram vendidas pelo Marcelo, na década de 1960, para a famosa Companhia Nestlé S/A, que no local construiu uma grande e moderna fábrica para captação e engarrafamento da famosa “Água Mineral MINALBA”, a água pura da montanha, captada na Fonte Marisa, hoje reconhecida até internacionalmente. Posteriormente, depois de muitos anos, a Nestlé vendeu essa fábrica para o Grupo Édison Queiroz, com sede em Fortaleza. Esse grupo continua engarrafando e distribuindo para o Brasil e para o mundo, não só a famosa água mineral com a marca tradicional Minalba, das fontes Marisa e Água Santa, mas também as águas Indaiá, das mesmas fontes.
Marcelo também era muito conhecido por ser pessoa despreocupada, um bom “vivant”, um gozador, como se diz na linguagem popular, um eterno brincalhão que gostava de fazer travessuras e sacanagens pregando peças em muitas pessoas conhecidas, amigas e descuidadas, sem se preocupar com o desfecho dessas brincadeiras, cujo objetivo principal era provocar o riso de todos que podiam presenciá-las. Sempre que aprontava das suas, com a sua cara tradicional de quem não estava entendendo nada, ficava impassível e sério, dando motivo para aumentar o volume do riso das pessoas que presenciavam esses diversos episódios hilários que ele aprontava.
Agora, um pouquinho sobre os judeus que frequentavam Campos do Jordão
Acredito que, desde a década de 1950, muitas famílias de judeus frequentam e honram Campos do Jordão com suas presenças, normalmente em dezembro. Quase sempre muitas famílias ficavam hospedadas em casas alugadas, e algumas ficavam em hotéis da cidade. São famílias de pessoas bem-sucedidas na vida, fruto do trabalho a que se dedicam. Sempre vêm com veículos de grandes marcas, de primeira linha, porém, na cidade, quase sempre andam a pé e em grupos. Frequentam muito o centro turístico da Vila Capivari.
Bem, vamos à história objeto do título inicial.
Contou-me um amigo que presenciou esta história. O Marcelo acima identificado encontrava o João Leite quase todos os dias.
Normalmente, João Leite vinha do local onde morava, na região da Água Santa, a pé, e também a pé quando retornava. Não aceitava carona de nenhum veículo que oferecia condução. Tinha medo de andar em qualquer tipo de veículo. Com o passar do tempo e com a habilidade brincalhona e divertida do Marcelo que, também, fazia esse mesmo percurso periodicamente, aos poucos conseguiu a confiança do João Leite e, sempre que o encontrava, vindo para a cidade ou retornando, oferecia carona e ele começou a aceitar. Até gostou de andar de carro.
A partir daí, sempre que o João Leite encontrava o Marcelo no centrinho da Vila Capivari dizia: “Quero andar de carro.” E o Marcelo sempre respondia: “Qualquer hora eu te levo para andar de carro”. O tempo foi passando e o Marcelo acabou aprontando mais uma das suas travessuras.
Em determinada oportunidade, na década de 1960, o Marcelo estava sentado em frente ao Restaurante Nevada, existente até os dias atuais, do saudoso Sr. José Manuel Gonçalves, o conhecido Zé do Nevada. Ao lado existia a bem montada “Mercearia Caruso”, na época, pertencente ao saudoso Sr. Seabra, Joaquim Pinto Seabra. O carro do Marcelo estava estacionado a alguns metros desse local. Em determinado momento, estacionou em frente ao Restaurante Nevada um moderno e lindo veículo da marca Ford, modelo Galaxie, de cor preta. Do banco traseiro do veículo desceu uma senhora bonita e muito bem vestida e foi fazer algumas compras na Mercearia Caruso. O motorista também desceu e foi acompanhando a patroa. Nessa época era muito difícil fechar as janelas e trancar os veículos.
Imaginem o que aconteceu. Instantes depois, aparece o João Leite e, vendo o Marcelo, disse, como já havia acostumado: “Quero andar de carro”. O Marcelo, com toda sua malandragem costumeira e apontando para o Galaxie preto, disse ao João Leite: “Entra aí no carro que é já que vou te levar para passear”. O João leite abriu a porta traseira e, com a sua roupa surrada e molambenta, sentou no banco traseiro, fechou a porta e ficou aguardando o Marcelo. Não deu outra. O Marcelo saiu do local onde estava sentado e entrou no Restaurante Nevada e, lá de dentro, ficou esperando o desfecho do acontecimento.
Passado algum tempo, a distinta senhora com o seu motorista voltaram para pegar o carro. Quando ela abriu a porta do carro e viu o desajeitado, sujo e até bastante feio João Leite sentado dentro do carro, quase desmaiou de susto e começou a gritar por socorro. O Marcelo e algumas pessoas que acompanhavam o acontecimento quase morriam de rir nas proximidades e dentro do restaurante. O Marcelo, com toda sua habilidade e malandragem, saiu do restaurante e foi até o carro e disse para o João Leite: “Amigo, o que você está fazendo aí dentro desse carro? Sai daí. Eu disse para você entrar no meu carro e esperar para que eu pudesse levar você para andar de carro”.
A senhora agradeceu a intervenção do Marcelo. João Leite fora do carro e olhando para a senhora, usando seu palavreado chulo e peculiar, disse: “‘Minha égua’, me dá um dinheiro”. A distinta senhora, surpresa e espantada com a maneira como estava sendo tratada, pegou em sua bolsa alguns cruzeiros, deu para o João Leite e foi embora rapidamente.
Esta é uma das muitas histórias que ficaram gravadas na mente de muitas pessoas que presenciaram e vivenciaram as brincadeiras, malandragens e travessuras idealizadas pelo Marcelo.
Edmundo Ferreira da Rocha
01/12/2018
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