Jorge um motorista nota dez perde a rota ao ser elogiado
Luiz Jorge Carmes, o nosso saudoso e querido Seo Jorge.
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Seo Jorge e a querida esposa Dona Ondina, na década de 1970
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Seo Jorge e a esposa Dona Ondina em festividade na década de 1980.
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Wagner Santana e o sogro Jorge, na década de 1980.
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Seo Jorge e seu PASSAT, na década de 1980.
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Na década de sessenta, especificamente no ano de 1965, eu morava e trabalhava em São Paulo. Trabalhava na Rua Marconi, 124, no centro da cidade de São Paulo, no escritório da fabulosa ARMCO INDUSTRIAL E COMERCIAL, empresa americana especializada na fabricação de chapas de aço, eletrodos e máquinas de solda.
Foi o primeiro emprego de minha vida. Todos esses materiais fabricados pela Armco eram importados dos Estados Unidos da América, praticamente, todos com endereço certo para empresas consumidoras aqui do Brasil. Na época, as chapas de aço eram utilizadas por diversas indústrias nacionais, entre as quais a General Motors do Brasil, uma das grandes consumidoras, utilizando-as para a fabricação das famosas geladeiras Frigidaire e fogões Cosmopolita.
Diga-se de passagem, como registro, que esse meu primeiro emprego, do qual sempre me orgulho, foi conseguido por indicação e aval do grande e querido José Firmino de Mello, o Mister Mello, nosso professor de Inglês no Colégio Estadual e Escola Normal de Campos do Jordão – CEENE que, na época, já se havia transferido para outro colégio na cidade de São Paulo e dava aulas particulares de inglês para um dos gerentes da Armco, o português Arlindo Gregório Gomes Camacho.
Nessa época, trabalhava de segunda a sexta-feira, em horário comercial. Em quase todas as sextas-feiras, contando com a boa vontade da minha chefia, conseguia sair do trabalho às 17 horas e, correndo, ia a pé ou, quando dava sorte, pegava um bonde e dava um jeito de chegar à antiga estação rodoviária, no bairro da Luz, para pegar o último ônibus que de lá saia às 17h30min com destino a Campos do Jordão.
Assim como eu, outros amigos e contemporâneos dos tempos estudantis, que também, trabalhavam ou estudavam em São Paulo, faziam a mesma rotina, quase todas as semanas.
A Empresa de ônibus concessionária da linha São Paulo a Campos do Jordão, e vice-versa, era a do Expresso Zefir. Eu vinha de São Paulo a Campos do Jordão, no último horário das sextas-feiras, para a casa de meus pais e retornava, sempre, no último ônibus dos domingos, também nos horários das 17h30min.
Os ônibus do Expresso Zefir estavam em más condições e, por via de regra, acabavam tendo problemas – ficavam parados na estrada por várias horas, à espera de socorro mecânico ou de outro ônibus para continuar a viagem.
Uma viagem de Campos do Jordão a São Paulo, ou vice-versa, viajando pela Dutra de uma só pista e estrada velha que liga São José dos Campos a Campos do Jordão, com suas 666 curvas catalogadas, na época, pela revista Quatro Rodas, normalmente levava cinco horas, para um percurso aproximado de 200 quilômetros. Era comum que essas viagens demorassem em torno de seis horas e meia.
Os motoristas dessa empresa, excelentes profissionais, eram pessoas maravilhosas, com as quais travamos duradouras amizades, mesmo depois que deixamos de trabalhar em São Paulo e retornamos para trabalhar aqui em Campos do Jordão.
A maioria dos ônibus do Expresso Zefir, da marca Mercedes Bens, tipo monobloco, estava muita velha e judiada pelas condições das estradas. Nesse ano de 1965, não consigo determinar o mês, porém, já era final de ano, comprou dois ônibus novos para substituir dois desses monoblocos. Claro, como medida de justiça e, merecidamente, entregaram estas duas jóias aos motoristas mais antigos e experientes da empresa. Um deles foi entregue ao saudoso Dito Leite, e outro, ao também saudoso Luiz Jorge Carmes, o seo Jorge, segundo marido da querida e grande amiga dona Ondina Gheringhelli, que era a responsável pela Agência do Expresso Zefir em Vila Capivari, meu anjo da guarda que, mesmo quando me esquecia, reservava as passagens daqui para São Paulo, no último ônibus dos domingos, no horário 17h30min.
Numa dessas viagens do último horário das sextas-feiras, de São Paulo para Campos do Jordão, dei a sorte de pegar um desses ônibus novos, dirigido na época pelo seo Jorge. Que felicidade, ônibus novo, motorista excelente, competente e, para completar essa maravilha, meu companheiro do primeiro banco, logo atrás do motorista, o saudoso Durval Rosa, ex- marido da minha prima, filha dos saudosos tios Floriano Rodrigues Pinheiro e Izabel Rocha Pinheiro, Esther Rodrigues Pinheiro, proprietária do tradicional Posto Texaco de Campos do Jordão.
A viagem corria maravilhosa. O Durval, um viajante inveterado, sempre muito falante, com muitas histórias incríveis de suas jornadas por este mundo afora, de carro, de ônibus, de avião, de moto e até de bicicleta, tornava a viagem ainda mais agradável. Eu e o seo Jorge ouvíamos atentamente as histórias que o Durval contava.
O Durval, também, sempre foi um excelente motorista. Amava um volante. Em determinado ponto da viagem, o Durval deu uma pausa em suas histórias e se dirigiu ao seo Jorge.
– Jorge, que excelente motorista que você é. Você dirige tão bem que nem percebo quando você muda as marchas do ônibus. Nem a velocidade é percebida. Parece que você mantém sempre a mesma velocidade. As paradas do ônibus e reinícios de viagem são quase imperceptíveis, calmas e sem qualquer tipo de solavanco. É muito difícil um motorista com essa rara habilidade.
E por um determinado tempo, foi elogiando o seo Jorge que, cada vez mais, como costumamos dizer na linguagem popular, ia enchendo sua bola.
Não demorou muito e veio a surpresa para todos. Para tomar o destino da estrada que liga a Via Dutra à estrada para Campos do Jordão, o desvio era feito junto ao viaduto do CTA- Centro Tecnológico da Aeronáutica. Era noite e chovia um pouco. Por incrível que pareça, o seo Jorge, que conhecia o trajeto de todo percurso como a palma de sua mão e já havia feito essas viagens inúmeras vezes, até perdendo a conta de quantas vezes, entusiasmado com tantos elogios recebidos, quando percebeu já havia passado a entrada de São José dos Campos em muitos quilômetros. Acredito que já estava quase chegando à entrada que vai para Caçapava.
Ficou desapontado e envergonhado. Pediu mil vezes desculpas pela falha e, procurando o retorno mais próximo, retornou pegando o desvio para Campos do Jordão.
Esse desvio para a estrada que liga São José dos Campos a Campos do Jordão passava, obrigatoriamente, pelo centro da cidade e fazia uma parada na Agência do Expresso Zefir, situada nas proximidades da Igreja Matriz de São José, para a descida ou subida de passageiros. Ao lado dessa Agência havia uma pastelaria de um chinês muito simpático e amigo, ao qual todos, carinhosamente, chamavam de primo, designativo que ele mesmo usava para tratar todos seus fregueses. Era uma parada obrigatória para comer um delicioso pastel com molho de pimenta ou shoyu, molho feito de soja, sucesso naquela época, e tomar um cafezinho ou um refrigerante. Por via de regra, os motoristas eram nossos convidados e acompanhantes. Nesse dia fizemos questão de levar conosco o seo Jorge, com a intenção de fazê-lo esquecer o episódio. Lá chegando, ele mesmo começou a se lamentar pela falha cometida. Não teve jeito. Escutamos atentamente e começamos a dar muita risada, quase perdendo o fôlego. Ele não teve outra saída: também começou a dar muita risada e assumiu que ficou muito feliz com os elogios recebidos e nem viu, a princípio, que já havia passado a entrada para São José dos Campos.
O restante da viagem foi tranqüilo e muito silencioso, pois o Durval deixou de contar suas histórias, percebendo que havia sido a causa principal de seo Jorge ter perdido a sua rota, emocionado com seus elogios.
Saudosas histórias de tempos até difíceis, de recordações importantes e valiosas que, embora distantes, ainda continuam vivas através dos “videoteipes” de nossa memória e, infelizmente, não voltam mais.
Se forem escritas, tendem a permanecer por tempo indeterminado; caso contrário, dentro de determinado tempo, cairão no esquecimento da memória do tempo.
Edmundo Ferreira da Rocha - 15.06.2006.
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