Lamartine Babo na Montanha
Montagem: Lamartine Babo com o piano e a imagem da Vila Capivari da década de 1950, tendo à direita o Grande Hotel, onde funcionou o Cassino no ano de 1945.
Um forte pressentimento sempre me assaltou de que Lamartine Babo, o grande compositor brasileiro, perambulou pelas montanhas verdes da Mantiqueira. Pesquisava aqui, escarafunchava ali, procurava acolá e, nada! Diabo de pressentimento esse! Além de compositor, era um cantor de voz sofrível, escreveu peças e revistas musicais, compondo letra e música de diversos clubes de futebol do Rio de Janeiro. Faleceu em 1963, deixando um dos mais ricos acervos de música popular brasileira. Citamos apenas algumas: “Foi você” (1925), “No Rancho Fundo” (1930), em parceria com Ary Barroso “O Teu Cabelo Não Nega” (1932) e “Linda Morena” (1933). Um belo dia, lendo as memórias do jurisconsulto Miguel Reale, onde ele evocava São Bento do Sapucaí, onde nasceu, surpreendeu-me a seguinte alusão: “Minha terra natal transformou-se numa das cidades mortas descritas com tanta melancólica ironia por Monteiro Lobato. É a ela que se refere Lamartine Babo, numa de suas músicas mais famosas, composta quando por lá passou em busca saúde: “No Rancho Fundo/bem pra lá do fim do mundo/onde o amor e a saudade/contam coisas da cidade”.
Diante desse texto, assomou-me um súbito estremecimento e a intuição logo acendeu o farol verde, tocando a campainha da atenção. Oras bolas, se ele esteve em São Bento do Sapucaí para tratar da saúde, por que não teria escolhido o clima mais recomendável de Campos do Jordão? A indagação ficou latejando na memória. Lamartine Babo era freqüentador de cassinos, como o Beira-Mar, o Atlântico e da Urca, todas as noites, mas não jogava, porque não tinha dinheiro. A suspeita de sua presença em terras jordanenses transformou-se em quase certeza, pois a “Montanha Magnífica” também possuía o Cassino do Grande Hotel, que funcionou alguns meses até 1945, quando foi fechado pelo Presidente da República Eurico Gaspar Dutra. Contudo, a comprovação final da minha curiosa intuição veio a sedimentar-se com o depoimento que possuo gravado de um jordanense de velho costado, o saudoso Afonso José Pereira, que chegou a Estância nos idos de 1922. Contou-me que Lamartine Babo andou por esse mundo de Nosso Senhor Jesus Cristo e esteve em Campos do Jordão para depois partir para São Bento do Sapucaí, onde passou uma temporada. Isso no tempo em que o diabo perdeu as botas. Enfim, casara-se no civil e no religioso a nossa suspeita, que se tornou realidade. Verdadeiramente, o famoso compositor passara por aqui. Uma bruta saudade bateu-me no peito, quando lembrei-me que, mocinho o papai na residência da Rua Dr. Reid cantava no banheiro, enquanto barbeava-se, a música de Carnaval de Lamartine Babo: “Linda morena/ morena que me faz penar/ e a Lua cheia que tanto brilha/ não brilha tanto como seu olhar!” Com Francisco Queiroz Mattoso, Lamartine compôs um dos clássicos da música popular brasileira: “Eu sonhei que tu estavas tão linda”. Mas, afinal o que trouxera a Campos do Jordão? Com toda a certeza, a necessidade de recuperação da saúde, pois o compositor era extremamente magro, e de enorme fragilidade física, dada a intensa vida noturna e boêmia no Rio de Janeiro. Um dos seus parceiros foi Noel Rosa. Num desses regressos ao lar, de fim de madrugada, vinham ambos pela rua, cada um portando uma garrafa de cerveja na mão, quando passaram defronte a uma casa em cujo portão se achavam duas garrafas de leite. O Sol não havia despontado ainda. Os dois pararam e se entreolharam e um deles sugeriu: “Que tal um café da manhã?” O outro concordou. Trocaram as garrafas de cerveja pelas de leite que estavam no chão, na soleira do portão, deixando ao dono da casa o seguinte bilhete: “Vá se alimentando com a nossa cerveja, enquanto nós nos envenenamos com o seu leite”.
Pedro Paulo Filho
25/05/1989
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