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Crônicas que contam histórias de Campos do Jordão.

 

M A R I A Z I N H A - O. M. Donato 


M A R I A Z I N H A - O. M. Donato

Casal de Noivos de bolo de casamento - Paixão da Mariazinha.

 

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Os frequentadores do centro de Abernéssia, “Elite” e arredores, certamente terão visto, na hora do almoço e no fim da tarde, aquela menininha magricela, espigada, de vestidinho leve e surrado, perninhas nuas e calçando chinelinhos.

Que atração poderia exercer dos marmitas.

O mais observador poderia notar, ainda, que a menininha (que teria seus 9 ou 10 anos), ao passar pela calçada diante da mercearia, reduzia seus passinhos, o olhar fixo na vitrina.

Que atração poderia exercer na mente da garotinha, que aquela vitrina da mercearia? Nada havia ali de especial ao nosso ver, além de guloseimas comuns e artigos para festas: pratos e copos de papelão, guardanapos de papel, velinhas para bolos... Nada que pudesse pôr água na boca, mesmo de uma criança pobre.

Era época do Natal e os bazares ostentavam em suas vitrinas as mais lindas bonecas e brinquedos fascinantes. Mas a menina apenas olhava para as bonecas e os brinquedos, sem demonstrar nenhum interesse especial.

O importante para ela, estava mesmo na vitrina da mercearia. O que seria, que um adulto não poderia sequer imaginar?

A cozinha da pensão está em plena atividade. O grande fogão a lenha faz resfolegar caldeirões e panelas que cobrem a sua chapa. Ouve-se o crepitar da lenha. Pela portinhola aberta, vêm-se as chamas vorazes que lambem o fundo das panelas e a chapa de ferro.

Uma matrona, a dona da pensão, está às voltas com utensílios e temperos...

A menina magricelinha, espigada, enxuga peças de louça, que uma jovem negra lava com desembaraço e vai pondo no escorredor. Panelas a chiar sobre o fogo, água correndo da torneira, ruído de louça...

A voz da garotinha eleva-se a muito custo, para sobrepujar todo esse barulho característico.

- Dona Teresa, eu queria fazer um pedido a Papai Noel... Será que posso?

Sobre uma risada cristalina da jovem negra, a matrona responde:

- Papai Noel não existe, você sabe! Que pergunta boba, menina!

- Eu sei, eu sei! – apresentou-se a dizer a menina, enquanto tentava enxugar prato com um pano ensopado... – Eu sei. Eu perguntei prá saber se a senhora vai me dar “festas”, dona Teresa!

- Porque? Você tá com minhoca na cabeça, Mariazinha? – falou D. Teresa em tom zombeteiro.

- É que eu gostei de um casal de bonecos – explicou a garotinha, agora com um pano seco, enxugando uma marmita.

Fez-se ouvir outra vez o riso cristalino da negra, que continuava, ligeira, o seu trabalho na pia.

- Puxa! Logo dois bonecos! – admirou-se D. Teresa. – E demais você não tem tempo pra brincar, menina. E criança pobre com tua idade, não pode brincar, mesmo!

- Eu não incomodo, dona Teresa – explicou Mariazinha. Não é prá brincar, não! Eu ponho lá no quarto. É só pra ficar vendo!

Fez-se silêncio por alguns instantes. Voltaram a imperar os ruídos habituais da cozinha. De repente D. Teresa falou: - Os brinquedos, menina, custam os olhos da cara! Não é sopa, não!

- Abriu a tampa de uma panela, mexeu com a concha e tirou um pouco de caldo que despejou na palma da mão e provou. Pondo uma pitada de sal, disse: - É. Você pode pedir “festas” ao “seu” Artur, ao “seu” Juca e prá Dona Amália... Quando você vai levar as marmitas perto do Natal, você fala “Boas Festas” prá eles e espera... Vê quanto é que eles vão te dar, se chega prá comprar os bonecos! É o jeito!

A negra jovem enxugando as mãos, interveio: - Quê, Mariazinha, é melhó você compra uns doce! Eles vão te dá o quê? Uns duzentos cruzeiro e oielá !

Mariazinha ajeitava a louça na prateleira: - Se não der pra comprar, não faz mal. Compro doce e sorvete!

A voz de Dona Tereza fez-se ouvir, dirigindo-se à preta.

– Arruma as marmitas, Zefa, que tá na hora!

No dia de Natal, bem cedo, sobre o criado-mudo ao lado da cama onde Mariazinha ainda dormia, estava, imponente, um casal de bonecos de braço-dado, em trajes nupciais...

Nesse Natal, no meio da vitrina da mercearia de Abernéssia, havia um espaço vazio. O casal de noivos para enfeitar bolos de casamento, lá não estava mais.

(Transcrito do jornal “A Cidade de Campos do Jordão” de 24-12-67).

24/12/1967

 

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www.camposdojordaocultura.com.br/ver-cronicas.asp?Id_cronicas=233

 

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