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Crônicas que contam histórias de Campos do Jordão.

 

Maria! 


Maria!

Vovó Maria Güttler Rocha

 

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Nascida em 29 de novembro de 1877, recebeste o nome Maria Gürtler.

Entre muitas que se chamam MARIA, és, para nós, que tivemos o privilégio de te conhecer, a mais pura, simples e Santa Criatura.

Somente a Mãe do Senhor pode superar a bondade e a ternura que dedicaste aos teus e aos teus próximos.

Vinda das terras distantes de Santa Catarina, morou durante muito tempo na cidade de Araraquara, no interior de São Paulo, e trouxe consigo os rigorosos ensinamentos recebidos por meio de uma invejável educação austríaca, imprimida por seus genitores, ensinamentos que soube repassar aos seus descendentes, com muita sabedoria e com as evoluções necessárias.

Após seu casamento com Joaquim Ferreira da Rocha, seu nome passou a ser Maria Gürtler Rocha.

Com o marido, lusitano rígido e rigoroso, natural de Castelo de Paiva, do longínquo Portugal, e com os filhos que começaram a nascer, acompanhou a construção de muitas estradas e edificações neste Brasil, pelo fato de seu cônjuge ser construtor.

Os filhos foram nascendo no Rio de Janeiro, em São Paulo e em seu interior, nas cidades de Faxina, atual Itapeva, São Paulo da Ajuda, Alto da Serra, ponto da Estação de Eugênio Lefévre, município de Santo Antonio do Pinhal, até chegar a estes altos da Mantiqueira, em Campos do Jordão. Sua numerosa prole foi nascendo em cada um desses lugares, a cada fixação de residência temporária e provisória.

Matriarca de numerosa e laboriosa família. Só de filhos foram catorze.

Seus filhos, pela ordem de nascimento, foram: Luiz, Izabel, João, Deolinda, Joaquim – o Quinzola, Maria – a Cotinha, Palmyra, Jayme, Emília, Waldemar, Idalina, Edmundo, Álvaro e Erasto.

Sabemos que não foi fácil a convivência com o “Seo” Rocha; porém, temos certeza, tudo fez, com seu elevado espírito de bom senso, bondade e cuidado necessário, para não ferir a sua autoridade de chefe da casa, amenizando os problemas e os descontentamentos causados pela forma de educar que insistia em aplicar em seus filhos, por intermédio de exigências demasiadamente rigorosas. Foi uma pioneira desta Mantiqueira, primitiva em sua época.

Galgando a serra, aqui chegou com o início do século vinte. Presenciou e viveu boa parte da construção da nossa Estrada de Ferro, uma estrada, um caminho para a vida daqueles desesperados e sedentos pela cura do mal da época, a tuberculose.

Sua família honrada foi responsável por um quinhão dos alicerces da cultura e da história destes Campos do Jordão. Amou tudo e todos.

A seu lado, todas as amarguras eram dissipadas, todas as dores eram mitigadas. De seus lábios, somente palavras de acalento, de força, de coragem, de alegria e de muita crença no Bom Deus.

Sabemos que seus dias sempre foram recheados de muito trabalho. Trabalho necessário, executado com muita habilidade e dedicação, gerado pela enorme família que comandou.

Naqueles tempos, em que a evolução da tecnologia e os equipamentos de nossos dias nem podiam ser imaginados como facilitadores das tarefas diárias de uma casa de família, sem dúvida, todo o seu trabalho foi muito difícil, exagerado e cansativo, mas, em momento algum, deixou de executá-los com muito esmero e alegria. E mesmo com todo esse trabalho familiar, conseguia tempo para muitas outras atividades.

Não podemos nos esquecer das cobertas que fazia, recheadas das pequenas plumas extraídas criteriosa e habilmente, nas épocas certas do ano, dos gansos que criava para essa finalidade. É importante registrar que, já naquela época, esses gansos não eram sacrificados para a retirada de sua plumagem. Ela era retirada com todo o cuidado e os gansos voltavam a ser soltos no quintal da chácara onde morava. Assim, a cada ano, era retirada mais uma plumagem de cada ganso, possibilitando a confecção de novas cobertas.

Cada filho que casava era presenteado com uma dessas cobertas especiais, em tamanho casal, para aquecê-los durante os invernos rigorosos daquela época. Além das cobertas, eram confeccionados os travesseiros de penas de ganso, hoje tão famosos e tão caros.

Eu ainda tenho o travesseiro que me deu de presente. Já faz mais de sessenta anos que durmo com ele. Acredito que o carinho aplicado em sua confecção e o amor com que me presenteou ainda estão impregnados nesse travesseiro, razão pela qual, graças à sua bondade infinita, duradoura e protetora, tenho sempre um sono tranqüilo e reparador.

Na sua casa nunca faltou um pedaço de pão para saciar a fome daqueles que lá aportavam. Muitos, além de procurarem algum alimento para satisfazer a fome física, também procuravam o antídoto para a cura de seus males espirituais e, lá, sempre encontravam guarida.

Quantos tinham em sua casa, o casarão da Chácara do “Seo” Rocha, seu marido, o pronto-socorro onde procuravam a cura para seus males físicos, por meio da água, técnica aprendida dos ensinamentos do Dr. Louis Khune em seu livro específico, e na qual era uma exímia especialista; por intermédio das ervas medicinais que tão bem conhecia e das homeopatias do Dr. Alberto Seabra, que ministrava sábia e corretamente, compradas, acredito, na Botica “Ao Veado D´Ouro”, com recursos próprios, nas viagens que o “Seo” Rocha fazia periodicamente a São Paulo e que eram distribuídas gratuitamente, com muito carinho, esperança e amor. Realmente, medicina antiga e rudimentar; porém, levada a sério, curou muitos que dela se socorreram.

Muitos, infelizmente, desconhecem; mas, nessas altitudes, a sua farmácia foi a pioneira. Nós sabemos disso e jamais esqueceremos. Somente alguns ainda lembram que nunca auferiu lucro nesse empreendimento benemérito. Tudo era fornecido gratuitamente, com muitos privilégios para os pacientes, que levavam de troco o respeito, o carinho e a bondade que sempre existiram em seu nobre coração.

Por tudo isto e muito mais, teus descendentes e amigos agradecem o maravilhoso exemplo de virtude que, sem dúvida, serviu de forja para moldar o caráter de cada um daqueles aos quais destes à luz e daqueles que, de certa forma, dependiam do teu trabalho e da tua dedicação.

VÓ MARIA! Também teus netos jamais poderão esquecer e, eternamente, irão agradecer o virado de feijão que, embora simples, tinha um tempero que nunca conseguimos imitar e, temos certeza, nenhum mestre de cozinha, por mais experiente que seja, conseguirá reproduzi-lo, pois teu segredo era o amor e o carinho que dedicavas a cada um de nós.

Virado de feijão, sim. Feito com a sobra do feijão e do arroz do almoço, ao qual era acrescentado um pequeno estrugido, como tinha o hábito de dizer, de cebola e cebolinha, e que era servido em canudos de papel de pão, sempre no limiar das tardes inesquecíveis dos domingos de nossas vidas.

Pode parecer muito pouco esse brinde que era oferecido a cada um dos netos, que te visitavam, semanalmente, nessas datas; porém, cada um de nós, especialmente agora, tanto tempo depois, tem certeza de que jamais irá receber algum outro brinde que venha a ser tão precioso como o CANUDO DE PAPEL DE PÃO CHEIO COM VIRADO DE FEIJÃO.

Temos certeza de que, desde 25 de setembro de 1959, estás sendo muito útil ao nosso eterno Criador, que te chamou para continuar a prestar teus valorosos serviços em paragens mais promissoras e necessitadas do teu amor, do teu carinho, do teu respeito e da tua dedicação.

Mesmo assim, não temos dúvida, sempre encontrarás um tempinho para nos dar o rumo certo a ser seguido.

Edmundo Ferreira da Rocha

01/05/1988

 

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