O Banquete do BIA.
BIA, caboclo matuto, pequeno sitiante do Sul das Minas Gerais - Década de 1970.
BIA, como era conhecido, pois jamais soubemos seu nome verdadeiro, era um caboclo, um matuto, um pequeno sitiante aqui do Sul das Minas Gerais, provavelmente das bandas de Luminosa ou Quebra Perna.
Era um homem magro, com estatura aproximada de um metro e oitenta e cinco centímetros. Não era muito normal. Falava normalmente, porém se percebia que não concatenava muito bem as idéias. Andava, sempre, com um chapéu na cabeça, calça cerca frango, camisa de manga comprida e, na maioria do tempo, de botina rangedeira. Algumas vezes, andava descalço, com os enormes pés no chão, fizesse sol ou estivesse chovendo.
Vinha para a cidade de Campos do Jordão umas duas vezes por semana, sempre a pé, com um cabresto ou uma corda na mão, puxando um cargueiro (burro e jacás de bambu), onde trazia algumas coisas que, se presume, produzia no local onde morava ou até comprava de seus vizinhos e vinha vender por aqui. Algumas vezes, trazia bananas; outras, abóbora, frangos, queijo, mandioca, laranjas, rapadura etc.
Ele era, relevando-se a sua modesta e ingênua simplicidade, muito inconveniente. Se você estivesse conversando com alguém e ele viesse passando com o seu cargueiro, não tinha a menor cerimônia: parava à sua frente e ficava insistindo várias vezes: “banana... banana... Quer comprar banana. Banana boa”. Ou então, “queijo... queijo mineiro... compra queijo...”. Enfim, sempre anunciava várias vezes o produto que estava vendendo, embora, quase sempre, as pessoas insistissem que não queriam, na esperança de que ele fosse logo embora. Ledo engano, pois ele continuava insistindo até você acabar virando as costas e deixando-o a falar sozinho.
Andava com seu cargueiro, constantemente no meio das ruas. Quando vinha algum carro, caminhão, bicicleta e até charretes ou bicicletas, ele entrava na frente, com um dos braços levantados e com a mão aberta, fazendo sinal para que parassem, para poder oferecer seus produtos.
Era um pobre infeliz, um coitado. Ele tentava de todas as maneiras vender os produtos que trazia, porém a grande maioria das pessoas evitava encontrar o BIA.
Os produtos que trazia até que eram de boa qualidade.
De alguma maneira ele conseguia, às duras penas, vender seus produtos. Acreditamos que até por um preço muito inferior ao que valiam, para pessoas de posses mais acanhadas e que aproveitavam, no final dos dias, já nas horas em que procurava retornar ao seu lugar de origem, transparecendo o cansaço de longas e infrutíferas caminhadas, percorrendo vários bairros da cidade, oferecendo seus poucos produtos.
Certa ocasião, ele apareceu ali no centro de Vila Jaguaribe com o seu cargueiro, trazendo alguns frangos caipiras. Na realidade, na acepção exata da palavra, amarrou o seu burro em um pequeno cedrinho que até hoje existe, ao lado do antigo bar do Pompeu, hoje um açougue especializado em carnes para churrasco, de propriedade de um dos filhos do Delson Costa de Oliveira.
Naquele centro de Vila Jaguaribe era comum a freqüência e a permanência de algumas pessoas sem compromissos de trabalho, tradicionais e pitorescas da vida jordanense naqueles idos das décadas de sessenta e setenta. Entre essas pessoas, dois dos maiores folgazões, “gozadores” e “aprontadores” de Campos do Jordão, um deles, o Marcelo Duarte de Oliveira, mais conhecido como Marcelo da Água Santa. Era assim conhecido porque seu sogro, o saudoso Sr. Orivaldo Lima Cardoso, um dos donos da mais tradicional casa de materiais para construção da cidade, a INCOS, era, também, dono das terras onde se localiza a maravilhosa fonte da Água Santa, tida por muitos como milagrosa, localizada no bairro de mesmo nome, hoje de propriedade da MINALBA BEBIDAS S/A. O outro era o Amadeu José de Souza, mais conhecido por Amado, tradicional desportista jordanense, sempre ligado à saudosa e gloriosa A.A.J. – Associação Atlética Jaguaribe, onde dirigiu por muitos anos, ao lado de seu irmão Aristides Inácio de Souza, a equipe de futebol.
Esses dois danados, quando viram que o BIA havia amarrado seu burro ali ao lado do bar do Pompeu e ido para um local muito longe dali, aproveitaram-se da sua ausência. Foram até o cargueiro, e de dentro de um dos jacás pegaram os três melhores frangos que estavam reservados, talvez, para algum freguês especial.
Levaram os frangos para o bar do Pompeu. No local, serviam alguns tipos de petiscos e de refeições ligeiras. Entregaram os frangos nas mãos de um grande amigo, responsável pela cozinha do local, um hábil, simples, porém bom cozinheiro em especialidades mais rústicas e tradicionais, a quem pediram para que preparasse os frangos, no capricho.
Após matar as inocentes penosas, preparou um ensopado de dar água na boca, com batatas cozidas em molho especial que deveria ser saboreado com um arroz fresquinho, preparado, também, no capricho.
Quando estava tudo prontinho, coincidentemente, o coitado do BIA retornava de sua misteriosa ausência. Passando ele em frente ao bar, o Amado e o Marcelo puxaram conversa e aproveitaram para convidá-lo para comer um pouco de frango ensopado com arroz que acabava de ser preparado. Claro, o coitado do BIA, naquela altura do dia, quase uma hora da tarde, devia estar morrendo de fome, não vacilou; aceitou de imediato o convite dos “amigos”. Entrou, sentou e comeu pra valer, acompanhado dos dois que, também, não deixaram por menos. Serviram até um bom copo de cerveja para o BIA.
Após se fartarem, recebendo os agradecimentos do simplório BIA, o Amado e o Marcelo deram um jeito de sumir logo do local, ficando, porém, pelas proximidades, onde pudessem ficar espiando, sem que o BIA os visse, o desfecho de todo o plano por eles adredemente preparado.
Não demorou muito tempo, o BIA saiu do bar e foi buscar seu cargueiro. Por via das dúvidas resolveu olhar dentro dos jacás e foi aí que teve a surpresa: seus ricos franguinhos haviam sumido. Ficou, como se diz na linguagem popular, dando tiros na sombra e xingando até...
Voltou ao bar e perguntou onde haviam conseguido os frangos que haviam acabado de comer. O cozinheiro, com toda a calma do mundo, informou que os frangos haviam sido trazidos pelo Marcelo e pelo Amado. O BIA ficou mais bravo ainda, xingando-os de filhos da P..., desgraçados, várias vezes, e dizendo: “Vocês me pagam”. O Marcelo e o Amado morriam de rir, divertindo-se à beça.
Do reencontro dos dois com o BIA não tomamos conhecimento, porém, considerando a habilidade dos dois, temos certeza absoluta de que conseguiram se safar muito bem.
Edmundo Ferreira da Rocha - 15.maio.1980.
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