O FEITIÇO DE CAMPOS DO JORDÃO
Imagem da Campos do Jordão - A Vila Abernéssia na Década de 1940.
O magnetismo telúrico, a aura espiritual de Campos do Jordão, que é um verdadeiro feitiço de mulher bonita –daquelas que a gente olha e se apaixona instantaneamente- vem do século 18, quando o sertanista Gaspar Vaz da Cunha, alcunhado Oyaguara vindo do Vale do Paraíba, em direção às Minas Gerais, ficou empolgado com a exuberante natureza, contando as belezas naturais da região aos mineiros.
Esse sertanista foi o primeiro Secretário de Turismo e de Marketing de Campos do Jordão no século XVIII.
Foi esse magnetismo que atraiu Inácio Caetano de Carvalho, anos depois, a fixar-se aqui no Alto do Sapucaí-Guaçu com uma fazenda, a que denominou Bonsucesso, depois adquirida pelo Brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão, companheiro de D. Pedro I na Independência do Brasil, em cujas terras, no Ipiranga, foi proclamada a nossa independência política.
Também foi esse magnetismo e feitiço que atraiu o fundador de Campos do Jordão, que em 1874, à beira do Rio Imbiri, fundou a Vila-Mater da Cidade, a Vila Jaguaribe.
Poucas cidades brasileiras têm o privilégio de Campos do Jordão de ter sido estação de cura no passado e estância de turismo no presente – a mais importante cidade turística do Brasil.
Da fusão da dor e do sofrimento com a beleza natural e os prazeres da vida, da simbiose da morte e da vida, da luta pela sobrevivência e da vivência feliz na natureza que Deus criou, foi plasmada essa força telúrica atrativa que singulariza o nosso recanto solidário e belo, incrustado aqui a 1800 metros acima das poluições.
Em Campos do Jordão, a gente fica mais perto de Deus. Por isso a terra jordanense tem muitas lendas e cognomes: “Suíça Brasileira”, “Altar da Solidariedade Humana”, ‘Campos do Jordão, Onde é Sempre Estação”, “Coroa do Brasil”, “Joia da Mantiqueira”, “Campos do Jordão, a 1800 metros acima das preocupações”.
Em Campos do Jordão, o brasileiro da terceira idade encontra o repouso que necessita e o jovem acha a badalação que deseja, com um clima superior ao de Davos Platz, na Suíça, e de Chamonix, na França, porque aqui são altos e os teores de ozona, a água é mineral, a natureza exuberante, o clima admirável.
Como já se disse no passado, Campos do Jordão é o paraíso do frio tropical.
Para fins didáticos e escolares, e maior compreensão da história de Campos do Jordão, dividimo-la em quatro ciclos:
O Ciclo do Ouro -1703 a 1874; O Ciclo da Cura -1874 a 1940; O Ciclo do Turismo: 1940 a 1980; O Ciclo da Preservação Ambiental: de 1980 até hoje.
Em virtude do crescente progresso de Campos do Jordão, as autoridades e o povo acordaram para a urgente necessidade de preservar o meio ambiente da avalanche da demanda, desse trator predatório que é o progresso descontrolado: protege a água, os cursos dos rios, as encostas dos morros e os fundos dos vales.
A política preservacionista de Campos do Jordão iniciada nos anos 80 agiu rápido, pois a Estância é APA –Área de Proteção Ambiental- em nível federal, estadual e municipal.
Também na década de 80 foram criados a Secretaria do Meio Ambiente e o Conselho Municipal, instituindo-se uma legislação forte na área de proteção ambiental. A comunidade também acordou nos anos 80 para a proteção do acervo natural de Campos do Jordão, fundando organizações e iniciando a educação ambiental nas escolas.
Atualmente, os caminhos do desenvolvimento turístico da Estância devem estar centrados no turismo cultural e no eco-turismo, onde é imenso o potencial de Campos do Jordão.
A cidade também não está fechada para a instalação de indústrias não-poluentes e empresas de prestação de serviços.
Campos do Jordão possui as nascentes mais altas do Rio da Prata, que banham as águas de quatro países sul-americanos: Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. As nascentes estão no bairro Umuarama a quase 2000 metros de altitude, formando o rio Capivari, depois Sapucaí-Guaçu, Rio Grande, Rio Paraná e Rio da Prata.
O Parque Estadual de Campos do Jordão, antiga Fazenda da Guarda, constitui a maior reserva florestal de São Paulo e a segunda maior do Brasil.
É um dos lugares mais visitados de Campos do Jordão por milhões de turistas que lá podem praticar o eco-turismo, o lazer, contemplar o Curupira, dezenas de trilhas, restaurantes e passeios inesquecíveis em meio da mata virgem e preservada.
Em termos de acervo cultural e artístico, Campos do Jordão é uma cidade incomparável e única no Brasil.
Reuniu um número incomensurável de escritores, historiadores, poetas, artistas plásticos e musicistas como nenhum município brasileiro.
Artistas e intelectuais que exerceram a sua arte em Campos do Jordão ou se inspiraram na natureza privilegiada.
Escritores como Dinah Silveira de Queiroz, autora de “Floradas na Serra”, escrita em Campos do Jordão, Paulo Setúbal, que contou sua visita nesta Montanha em “Confiteor”, Leonardo Boff que escreveu um pedaço de sua obra no Conventinho dos Franciscanos, Monteiro Lobato que redigiu “Geografia de Dona Benta” em Vila Capivari, Nelson Rodrigues que criou a sua primeira peça em Sanatorinhos, Orígenes Lessa que descreveu sua passagem na Revolução de 1932, em Campos do Jordão, sem falar em Afonso Arinos, Caio Prado Jr., Miguel Reale e Lygia Fagundes Telles.
Na arte poética, escreveram em Campos do Jordão Mario de Andrade, Martins Fontes, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto, Manuel Bandeira, Rodrigues de Abreu e Paulo Bonfim.
Produziram a sua arte na Estância artistas plásticos de renome como Pancetti, Segall, Brecheret, Rebolo, Gomide, Penacchi, Guignard, Bonadei, Felicia Leirner e Camargo Freire.
Qual cidade brasileira reuniu um acervo cultural e artístico tão rico, precioso e admirável como esse? Nenhuma.
Por isso, a vocação de Campos do Jordão direciona-se na linha do turismo cultural.
Possui a Estância uma Academia de Letras que reúne em seu quadro, literatos da maior expressão no Brasil e em Campos do Jordão.
Além disso o saudoso Luis Arrobas Martins, no governo Abreu Sodré, implantou no Palácio Boa Vista um extraordinário acervo de mobiliário colonial e de artes plásticas visitado por milhares de turistas de todo o Brasil.
O Palácio Boa Vista foi iniciado pelo interventor federal Adhemar de Barros em 1938 e inaugurado por ele mesmo, quando governador do Estado, em 1964, em presença do Presidente da República Castelo Branco.
Atualmente, o Palácio Boa Vista foi transformado em Monumento Público do Estado de São Paulo e é um valoroso Museu de Arte, de valor inestimável para a cultura brasileira.
O grande idealizador dos Festivais de Inverno foi o saudoso Luis Arrobas Martins. Ele era Secretário de Planejamento do Governo de São Paulo e freqüentava Campos do Jordão desde a juventude.
Arrobas Martins considerava o Palácio do Governo, construído em estilo Maria Tudor, uma atração turística tão só pelas suas linhas clássicas e arquitetônicas. Mas não bastava isso. Era pouco ser a residência de inverno ou de verão do Governo de São Paulo. Queria transformá-lo num centro de atração turística, com a realização de concertos musicais nos moldes de eventos artísticos realizados em Salzburgo e Edimburgo.
E de fato, em 24 de julho de 1970, realizaram-se os primeiros Concertos de Inverno de Campos do Jordão, no interior do Palácio Boa Vista, com Magdalena Tagliaferro ao piano, interpretando ‘Jesus, Alegria dos Homens’, de Bach.
De lá para cá, os festivais tornaram-se uma tradição de música erudita no País e no Exterior, formando bolsistas na arte musical e trazendo a Campos do Jordão os mais conceituados músicos, maestros e orquestras do país e dos grandes centos musicais do mundo.
A partir de 1979, foi inaugurado o Auditório Cláudio Santoro, iniciado na administração Paulo Egydio Martins e inaugurado pelo governador Paulo Maluf, com a presença do presidente João Figueiredo.
Para o Auditório Claudio Santoro foram transferidos os Festivais de Inverno.
O Auditório possui mais de 5000 m2 de construção, com 900 poltronas estofadas e ao seu redor encontra-se, ao ar livre, o Museu da escultora Felicia Leirner, que ali, diante de uma paisagem exuberante, contém as suas peças gigantes de arquitetura moderna. É o mais belo museu de escultura, ao ar livre, do Brasil.
Por incrível que pareça, o brasileiro que visitar Campos do Jordão, agora no século XXI, vai encontrar o mesmo clima, a mesma água, o mesmo cenário da natureza do século XIX, que encontrou Quintino Bocaiúva, o fundador da República, quando esteve no antigo Hotel do Salto, em terras jordanenses; por incrível que pareça, encontrará a mesma beleza exuberante que o Visconde do Rio Branco encontrou no século XIX, quando esteve se recuperando da saúde na antiga Fazenda da Guarda, atualmente Parque Estadual de Campos do Jordão; por incrível que pareça, vindo hoje a Campos do Jordão, o brasileiro encontrará o mesmo paraíso do frio tropical e o clima de altitude que encontrou Conde D’Eu, consorte da Princesa Isabel, quando esteve em Campos do Jordão, no século XIX.
Interessante notar que Visconde do Rio Branco, quando esteve em Campos do Jordão, no século XIX, na Fazenda da Guarda, profetizou que um dia aquela ‘Montanha Magnífica’ haveria de contar com uma estrada de ferro ligando a região ao Vale do Paraíba.
Dito e feito. Graças aos esforços dos médicos Emilio Ribas e Victor Godinho, sob a batuta do empresário Sebastião Oliveira Damas, era inaugurada a Estrada de Ferro Campos do Jordão, ponto culminante ferroviário do Brasil, a 1800 metros de altitude, pelo sistema de simples aderência, sem cremalheiras.
Essa Ferrovia que prestou assinalados serviços a São Paulo e a Campos do Jordão nos ciclos da Cura e do Turismo e que os presta até hoje, foi acampada pelo Presidente do Estado Rodrigues Alves em 1915 e pertence ao patrimônio do Governo de São Paulo.
Campos do Jordão, no 3º. milênio, continua linda, saudável, solidária e fraterna, vencendo com galhardia e determinação as agressões do progresso predatório e avassalador.
A população de Campos do Jordão luta, a duras penas, para que a Estância continue a ser do jeito que Deus a criou.
Pedro Paulo Filho
Publicado no Jornal Altitude de Campos do Jordão.
10/03/2002
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