Reminiscências : A tranquilidade do passado e a preocupação do presente
Pequena comparação de imagens das Vilas Capivari e Abernéssia. Passado e presente.
Tanto o passado como o presente exercem grande influência em nossas vidas. Muitas práticas, atividades, costumes, atitudes, coisas e acontecimentos do passado deixam muita saudade e diferem completamente do nosso presente e, sem dúvida, mais ainda, do futuro. Vou contar abaixo o que presenciei, especialmente durante a década de 1950, aqui em Campos do Jordão, cidade de turismo, onde muitas pessoas de várias cidades do Brasil, especialmente do Estado de São Paulo, possuíam suas casas para que pudessem passar férias, nos meses de janeiro, fevereiro e julho, principalmente escolares, com seus filhos e, também, para que descansassem em finais de semana.
Na década de 1950, Campos do Jordão possuía em torno de 13 mil habitantes. Hoje, 2015, Campos do Jordão deve ter em torno de 60 mil habitantes. A diferença de 47 mil habitantes para um período de 65 anos é bastante grande.
A partir da década de 1940, Campos do Jordão recebia energia elétrica através das redes de distribuição da Companhia Sul Mineira de Eletricidade – CSME, que permaneceu com essa responsabilidade e prestação de serviços até o ano de 1966, quando assumiu esse serviço a Companhia Energética de São Paulo – CESP. Durante praticamente todo o período em que a conhecida Companhia Sul Mineira de Eletricidade esteve à frente dos serviços de distribuição de energia elétrica em Campos do Jordão, mantinha um serviço, para atendimento ao público, bastante eficiente, elogiável e especial, com dois escritórios – um localizado na Rua Brigadeiro Jordão, 622, em Vila Abernéssia, para atendimento dos consumidores deste bairro e redondezas, dentre outros, Vila Santa Cruz, sanatórios, Vila Ferraz, Vila Albertina, Vale Encantado e Vila Jaguaribe até antes da Parada Grande Hotel; e outro localizado na Av. Victor Godinho, 519, em Vila Capivari, para atendimento dos consumidores deste bairro até a Parada Grande Hotel e redondezas, dentre outros, Vila Inglesa, Recanto Feliz, Jardim do Embaixador, Água Santa, Horto Florestal, Parque do Ferradura. Tudo isso visando facilitar o atendimento dos seus consumidores. A duplicidade de escritórios para atendimento não impedia que consumidores de uma determinada área deixassem de ser atendidos no escritório situado fora da sua área de localização. Em cada um desses escritórios, além dos atendentes, permaneciam à disposição dos consumidores, para atendimentos de diversos serviços relacionados à rede elétrica, vários eletricistas especializados. Os consumidores eram atendidos pessoalmente, “tête à tête”, geralmente pelos seus respectivos nomes, com ciência de suas atividades e até por seus graus de importância e influência, e todos eram muito respeitados. Os consumidores até chegavam a manter forte grau de amizade com os atendentes, o que era muito benéfico. Atualmente, qualquer contato de consumidores com a concessionária de energia elétrica somente é possível por meio do frio atendimento telefônico. Os consumidores são atendidos pelo número da sua ligação. Ninguém se conhece. Um não vê a cara do outro; portanto, inexiste qualquer grau de amizade.
Nessa época, é interessante registrar, a energia elétrica distribuída aos consumidores, ligados em baixa tensão, separava luz e força (light & power), ou seja, para iluminação, aparelhos elétricos em geral, era ligada a energia elétrica monofásica em 110 volts, a chamada luz. Em cada ponto de consumo era instalado um medidor (relógio como até hoje é chamado), para registrar o consumo dessa energia elétrica ligada em 110 volts. Para os consumidores com aparelhos elétricos com motores, máquinas, fogões, aquecedores, etc., era ligada a energia elétrica bifásica em 220 volts, a chamada força. Também em cada ponto de consumo era instalado um medidor para registrar o consumo dessa energia elétrica ligada em 220 volts. Quando um determinado consumidor necessitava das duas modalidades, luz e força, nos pontos de consumo eram instalados dois medidores, um em 110 e outro em 220 volts.
Entrando especificamente no tema deste trabalho – “Reminiscências e a tranquilidade do passado em face da preocupação do presente” –, na década de 1950, lembro-me muito bem e perfeitamente o que ocorria, especialmente com os consumidores de energia elétrica que mantinham suas casas em Campos do Jordão, para utilização em períodos de finais de semana e, principalmente, de férias escolares. Algumas poucas dessas residências, com dependências ou edículas separadas, mantinham caseiros para tomar conta da propriedade. A maioria não mantinha caseiros. As casas, com seus móveis, pertences diversos, objetos pessoais, rouparias etc. ficavam normalmente fechadas, às vezes por vários meses e até anos. Naquela época, não existia e nem se ouvia falar em serviços de alarmes monitorados, como atualmente. Para proteger as propriedades não eram utilizadas as inúmeras defensas, amplamente usadas nos dias atuais, sobre os muros altos e grades de ferro, com lanças pontiagudas e com fitas especiais, amplamente cortantes e, também, sensores automáticos de alarmes para monitoramento. As propriedades eram apenas cercadas com cercas baixas e bonitas, com algumas tábuas de madeira pintadas; os muros eram baixos, cercas de arame com rosinhas brancas, cor-de-rosa e vermelhas enroladas ou véu de noiva, cercas de cedrinho, também chamado de cipreste, muito bem aparados, tudo evitando encobrir as lindas fachadas das residências. Portanto, as casas e propriedades ficavam totalmente desprotegidas. Para completar essa falta de proteção, no último dia de estada em Campos do Jordão, iam a um dos escritórios da concessionária de energia elétrica, no nosso caso a Cia. Sul Mineira, e pediam para que providenciassem o desligamento da energia elétrica. Assim, as propriedades e casas ficavam, também, sem a energia elétrica. Não era possível deixar nem sequer uma lâmpada ligada no período noturno. A energia elétrica das propriedades e residências somente seria religada, a pedido dos proprietários, no primeiro dia do retorno a Campos do Jordão.
Vale a pena lembrar a total falta de preocupação dos consumidores e moradores de Campos do Jordão. Este exemplo da despreocupação de meu pai era também uma constante entre a grande maioria dos que aqui residiam. No início da década de 1950, eu residia com meus pais na famosa Volta Fria, na época, Rua Paraíso, atualmente Rua Felício Raymundo, quase nas proximidades da Vila Jaguaribe. Minha avó paterna com uma tia e dois filhos residiam na Vila Ferraz. Habitualmente, aos domingos, na parte da tarde, eu e meus pais íamos fazer uma visitinha para minha avó, tia e primos e voltávamos à noite, por volta das oito horas. Lembro-me de que meu pai jamais trancava portas e janelas. Deixava a casa totalmente aberta e nunca houve nenhuma tentativa de furto.
Quanta tranquilidade naqueles áureos anos do passado, especificamente das décadas de 1950 e 1960. As propriedades e residências ficavam totalmente desprovidas de qualquer tipo de proteção e jamais eram assaltadas e furtadas. Nas residências dos turistas, tudo permanecia na mais perfeita ordem durante meses e até anos. As únicas coisas que, como dizíamos, eram “roubadas”, na realidade, furtadas, de algumas dessas propriedades eram as lindas e deliciosas peras dos pequenos pomares que mantinham no fundo dos quintais. Entrávamos por debaixo das cercas de cedrinho ou de arame pegávamos algumas peras e saíamos correndo com medo que alguém nos visse. Tudo muito diferente dos dias atuais, em que a preocupação é constante. Mesmo que as propriedades e residências contem com agressivas defensas instaladas em seus altos muros e grades de proteção, com sofisticados serviços de proteção, com alarmes e sensores computadorizados e monitorizados, fortes iluminações noturnas, frequentemente são assaltadas e furtadas. Muitas vezes, grande parte de seus pertences, especialmente os mais valiosos, são levados até por caminhões. Até as próprias instalações residenciais sofrem danos e depredações.
Como saudosista nato, vou encerrar dizendo: Saudade daqueles tempos tranquilos que não voltarão jamais. Infelizmente temos de enfrentar as preocupações do presente e do futuro que, oxalá, não sejam, ainda, muito piores.
Edmundo Ferreira da Rocha
26/02/2015
Acesse
esta crônica diretamente pelo endereço:
www.camposdojordaocultura.com.br/ver-cronicas.asp?Id_cronicas=196
|