Lenda do Boi Santo
Vivia um monge esmoleiro a percorrer as estradas recolhendo donativos para a construção de uma igreja que deveria ser edificada em Pindamonhangaba.
Bateu à porta de um rico fazendeiro que vivia no alto da Serra da Mantiqueira e pediu uma contribuição. Apesar de riquíssimo, o fazendeiro negou o óbolo, e ainda ameaçou o monge de expulsão de suas terras.
Continuou, porém, a sua peregrinação, mata adentro, percebendo, porém, em dado instante, que estava sendo seguido.
Amedrontado ante a presença de onças, em meio à floresta em que ia se meter, o monge invocou as bênçãos de Deus e, logo que parou em uma fonte, percebeu que vinha sendo seguido por um boi muito bonito, que começou a lamber as mãos do sacerdote.
Por onde o monge ia, vinha o boi, que atravessou a mata e entrou na cidade.
O fato despertou a curiosidade das pessoas, que começaram a seguir os passos do sacerdote, que via baldados os seus esforços para afastar de si o boi renitente.
O povo achou que alguma força divina impulsionava o boi na perseguição ao religioso, e como compensação pelo mau tratamento dispensado pelo fazendeiro rico resolveu que o animal fosse levado a leilão.
Leiloado o boi, o seu arrematador devolveu-o à igreja para que novamente fosse levado a leilão, o mesmo fazendo o segundo, o terceiro, o quarto arrematador, e assim sucessivamente, até que um dia o boi santo ficou velho e de velhice morreu, não sem antes ter proporcionado muito lucro à igreja.
Nicanor Miranda fala do caráter sagrado que domina a base psicológica da Lenda do Boi Santo, tal como era contada pela população jordanense.
Ao contrário das lendas orientais e itálicas em que a ave ou o animal guiava a personagem, na lenda de Campos do Jordão o boi não guiava o monge, mas o perseguia.
Tampouco o religioso se mostrava piedoso quanto São Francisco de Assis, visto que o monge enxotava o boi, que passou a ser assim o verdadeiro agente do milagre.
O estudioso do nosso folclore explicou que A Lenda do Boi Santo está intimamente ligada a Ignácio Caetano Vieira de Carvalho, como figura de homem e como personagem lendário. Para sustentar tal assertiva, valeu-se de dois documentos: o primeiro, de autoria de Antônio Raposo de Almeida e o segundo, do Dr. João Romeiro.
Vejamos a passagem em que Antônio Raposo de Almeida se refere a Ignácio Caetano: "Da sua avareza dá testemunho a tradição da esmola negada à Bandeira do Divino e logo depois viu sair dos Campos um grande e gordo boi que, à margem do Paraíba, mugiu, mugiu, até o irem buscar para a festa do Espírito Santo. Assim a tradição diz mal desse homem em todos os fatos que dele relata, ou verdadeiros ou supostos; o certo é que viveu muitos anos na fazenda, sem visitas, sem amigos e sem sociedade, a não ser unicamente os seus três filhos e vários escravos. E aqui encontramos, pela primeira vez, a origem histórica da Lenda do Boi Santo".
O Dr. João Romeiro também foi buscar, na figura histórica de Ignácio Caetano, as origens dessa lenda: "O primeiro possuidor dos Campos do Jordão foi sempre considerado pouco temente a Deus e de nenhum amor ao próximo, pelo que muita gente desconfiava de sua felicidade na outra vida, e não faltava quem andasse a inventar e explicar os fatos que com ele se passaram, de modo a dever ter sido como verdadeira alma perdida.
A propósito, conta-se que, de uma feita, tendo ido à sua fazenda uma Bandeira do Divino Espírito Santo pedindo esmolas para a festa que se tinha de realizar proximamente, não só negou-se a atender a esse pedido como tratou mal aos "foliões", os quais, desapontados, se foram logo retirando.
Mas um fato inexplicável - ao passarem estes por junto de uma manada de gado que estava à beira da estrada, viram com os seus próprios olhos e com espanto, a mais bonita das reses, um gordo boi de araçá, de grandes chifres, abandonar seus companheiros e meter-se na estrada acompanhando a Bandeira até à Vila, onde foi humildemente se entregar ao festeiro.
Este fato deu muito que falar, e as mais honradas pessoas da localidade garantiam a sua autenticidade, observando que o boi deixou de ser sacrificado para o banquete aos pobres, conforme uso do tempo, por ter sido comprado por um fazendeiro que dele se enamorou, para fazê-lo boi de coice, passando, porém, o comprador pelo desgosto de vê-lo morrer, daí a um mês, como se esperava.
Era coisa sabida que todo animal oferecido para a Festa do Divino desaparecia em pouco tempo, se alguém o adquiria e lhe dava outro destino. A tudo isso acrescentava-se ainda que, dando pela falta da rês e sabendo o fim que tivera, Ignácio Caetano quis que o festeiro lhe pagasse o seu valor, alegando que tinha sido escandalosamente furtado pelos "foliões" e ameaçando a estes e ao festeiro de serem chamados à sala grande, como era vulgarmente chamada a casa da polícia.
Felizmente, devido à intervenção do vigário, o escândalo não se produziu, mas o povo continuou sempre a sustentar, com toda a convicção, que o boi havia vindo por si próprio, e que aquilo não passava de um castigo do céu, aplicado ao impertinente fazendeiro".
Pedro Paulo Filho
06/08/2009
www.camposdojordaocultura.com.br/ver-cronicas.asp?Id_poesia=4
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